A tragédia de Brumadinho e a responsabilização penal de pessoas jurídicas
Há três anos, no dia 25 de janeiro de 2019, ocorreu o rompimento da Barragem de Brumadinho, o qual é considerado o maior acidente do trabalho do Brasil e causou a morte de 270 pessoas.
A discussão quanto à punição dos responsáveis, a qual está longe de ser concluída, reacende a discussão sobre a necessidade de se ampliar a responsabilização penal das pessoas jurídicas.
Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro pressupõe que, em regra, quem pode cometer um crime são as pessoas físicas e, nesse sentido, tem sido a atuação da Criminologia, ou seja, analisando o crime a partir de seus elementos: o criminoso (uma pessoa física), a vítima e o bem jurídico tutelado, dentro de determinado contexto. Afinal, como se diz, não há texto sem contexto.
Contudo, com o incremento do tamanho das corporações, em especial em razão da globalização, que tem criado multinacionais globais, com imensa potencialidade de causar danos em razão de condutas consideradas ilícitas, cresce a discussão quanto à eventual ampliação da possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas.
Quanto a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, a Constituição brasileira de 1988 prevê, em seu art. 225 que: “§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Assim, de acordo com nossa Carta Magna, no caso de crimes ambientais é possível a responsabilização penal de pessoa jurídica, nos termos da Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”.
Tal lei, prevê a possibilidade de aplicação das seguintes penas para as pessoas jurídicas: multa, restritivas de direitos e de prestação de serviços à comunidade (art. 21).
Ao analisar a possibilidade de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, no Recurso Especial n° 989.089/SC, que ela dependia da responsabilização penal da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, adotando a teoria da “dupla imputação”.
Tal posição, contudo, não foi seguida pelo Supremo Tribunal Federal, quando esta matéria lhe foi submetida. Nesse ponto, ao julgar o Recurso Extraordinário n° 548.181/PR, o STF decidiu: “[…] O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação” e “[…] Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental”.
Portanto, para o STF, a teoria da dupla imputação não deve ser adotada, sendo que a responsabilização penal da pessoa jurídica independe da responsabilização penal da pessoa física que a dirige.
Essa regra, contudo, vale somente para os crimes ambientais. Seria o caso de ampliar os casos de responsabilização das pessoas jurídicas?
Apesar da adoção da responsabilização penal de pessoas jurídicas pelo texto constitucional e de sua aceitação pelo Poder Judiciário, a doutrina não é pacífica quanto ao acerto dessa opção. Os autores contrários à responsabilidade penal da pessoa jurídica alegam, em apertada síntese, que o fato de a pessoa jurídica não possuir certas capacidades, impede que ela seja punida no âmbito penal. As capacidades que faltariam à pessoa jurídica são “a) capacidade de ação; b) capacidade de culpabilidade; e c) capacidade de pena.” (BRODT; MENEGHIM, 2015, p. 3).
Contudo, se de um lado existem os autores que defendem a impossibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, por outro lado existem os seus defensores, os quais sustentam a sua opinião com base nos seguintes argumentos jurídicos (BRODT; MENEGHIM, 2015, p, 5): “[…] os fundamentos jurídicos para a responsabilidade penal da pessoa jurídica são a teoria da realidade, o princípio da isonomia (entre pessoas físicas e jurídicas), a limitação da impunidade e as necessidades político-criminais atuais, frente a uma criminalidade própria das sociedades de risco, desenvolvida por meio das sociedades empresárias”.
Esses argumentos são utilizados não apenas no Brasil, mas em vários outros países (como França, Portugal, Holanda, Noruega, Irlanda, Finlândia, Islândia, Dinamarca, Suécia etc.) que também admitem a responsabilização penal da pessoa jurídica.
Assim, diante da nova realidade global, com a atuação de grandes corporações, talvez seja o caso de repensarmos a responsabilização das pessoas jurídicas.
O que vocês acham?
P.S. Para se aprofundar no tema, sugiro a leitura do seguinte texto do qual foram extraídas as minhas citações: BRODT, Luís Augusto Sanzo. MENEGHIN, Guilherme de Sá. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: um estudo comparado. Revista dos Tribunais. São Paulo. v. 961, p. 02-18. nov. 2015. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_pro dutos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RTrib_n.961.10.PDF. Acesso em: 25 jan. 2022.