Talvez pelo avanço do tempo, nesta jornada que enfrentamos diariamente, me peguei remexendo nos livros que lá atrás, quando ainda era um estudante do Ensino Médio ou bem logo depois que me formei em Jornalismo, tive vontade de ler ou comprar, mas por motivos diversos – inclusive o financeiro – acabei desistindo. Um destes livros é de autoria do escritor Paulo Coelho, autor que tenho muita admiração por despertar em mim a fagulha de escrever romances, criando metáforas da vida que nos pulsa de sol a sol.
Recordo que a capa do livro e o título mexiam muito com o meu imaginário, era uma imagem de uma vila medieval, na Europa, em tom azulado, com janelas e apenas uma estava com a luz acesa. A atmosfera de começo de noite, o lusco fusco, completava o critério para aguçar a minha curiosidade de leitor. Havia terminado de ler o ‘As Valquírias’ e ‘O Diário de Um Mago’ e procurava ler tudo que Paulo, o letrista do roqueiro Raul Seixas, vinha produzindo. Contudo, acabei priorizando leituras mais funcionais e aquelas exigidas pelo trabalho.
Anos depois, me deparei com este livro num sebo e, por apenas R$ 10, acabei levando-o para minha casa. Me peguei lendo este livro nos últimos dias, depois de ter passado pela obra do escritor israelense Amós Oz (1939-2018). Logo nas primeiras páginas deparo com uma narrativa muito peculiar: a lenda sobre os modelos que teriam inspirados Leonardo Da Vinci na reprodução da última ceia, no afresco mundialmente conhecido e que serviu de base para todo o enigma do thriller policial ‘O Código Da Vinci’, de Dan Brown.
Na narrativa de Paulo Coelho, um personagem misterioso – recém-chegada à isolada comunidade de Viscos – conta que Da Vinci encontrou no coro da igreja um jovem tão feliz e radiante que decidiu retratá-lo como o próprio Jesus, no afresco da santa ceia. Três anos depois, ‘travado’ no andamento desta obra, faltava-lhe o modelo para Judas Iscariotes, quem entregou o Cristo para o sinédrio por 30 moedas. Eis que o pintor renascentista depara-se com um bêbado, caído desolado na calçada. Imediatamente, o recolhe para o ateliê e passa a pintar seus traços como o traidor de Jesus. Quando a ‘bebedeira’ passou, o mendigo, então, olhou para a pintura e recobrou a consciência, dizendo: ‘Nossa, eu já vi este quadro, uns três anos atrás, foi quando o pintor me chamou para posar de inspiração para Jesus…’
Não sei se a história é verídica, mas a lenda deixou para mim o ensinamento de que a moeda sempre tem dois lados: a cara e a coroa. E parece-me que o jovem que se tornou mendigo e, que inusitadamente, serviu de inspiração para dois personagens antagônicos, havia caído em desgraça justamente por vivenciar uma série de desilusões, como várias perdas e também muio sofrimento. Como vi outro dia num livro sobre o que teria acontecido com o próprio Raul Seixas após sua partida deste mundo, “ao mesmo tempo, temos dentro de todos nós o juiz e… o réu”.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), [email protected].