“Marília se expande para a área tecnológica”, avalia a economista Marisa Rossignoli

A realidade financeira aos futuros universitários em 1990 não era das mais fáceis: 1.782,90% de inflação acumulada afundava o Brasil em séria crise no primeiro ano do governo eleito pós-ditadura pelas urnas de Fernando Collor de Mello, que seria afastado por impeachment antes que terminasse seu mandato, em 1992.
Inclusive para a jovem Marisa Rossignoli, que havia acabado de concluir seu colegial (atual Ensino Médio) em um dos mais conceituados colégios da cidade e decidira cursar economia no campus de Araraquara (SP) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Em quatro anos, ela testemunhou pelo privilegiado assento acadêmico de aprendiz da economia, a transição do cruzeiro para o cruzeiro real e, por fim, o real, em 1994, mantido até os dias de hoje.
“Eu vejo a economia brasileira hoje com mais otimismo do que em outros tempos”, afirmou Rossignoli, hoje professora doutora com 27 anos de docência que lhe proporciona uma visão positiva de futuro.
Em entrevista ao MN, Marisa Rossignoli oferece sua perspectiva a questões atuais, como a reforma tributária, soluções pessoais à inadimplência, a ‘concorrência’ digital e a economia sustentável na cidade, além da perspectiva de crescimento na área tecnológica.
Paulistana, a economista é mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e doutora em Educação pela Universidade Metodista. Atualmente ela faz pós-doutorado em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UEMP) e lecionado no Programa de Pós-Graduação de Direito na Universidade de Marília (Unimar).
Marisa Rossignoli é delegada do Conselho Regional de Economia e coordenadora da Câmara Técnica de Gestão Pública e Desenvolvimento Econômico do Conselho de Desenvolvimento Estratégico de Marília (CODEM).
MN – A senhora foi uma das duas mulheres entre sete economistas homenageados pela Câmara Municipal na semana passada. Há muitos outros que atuam na cidade e que poderiam ser lembrados em outras sessões solenes?
Marisa Rossignoli – Eu fiz Economia em Araraquara numa época em que minha turma tinha mais mulheres que que homens. É uma profissão que, normalmente, tem mais homens do que mulheres e está muito ligada a grandes centros, principalmente pela questão da área financeira. Nós não temos tantos economistas atuantes na área em Marília, mas, sem dúvida alguma, dá um orgulho especial ter sido uma das duas mulheres homenageadas.

MN – O que inspiraria, hoje, o interesse pela formação em Economia?
Marisa Rossignoli – Eu entrei na faculdade nos anos 1990. Já tinha passado por todos os planos dos anos 1980 e peguei a implantação do Plano Real no final do curso. Essas mudanças da Economia, a vontade de entender essa dinâmica macroeconômica e as mudanças de moedas foram grandes estímulos na época. Hoje, não temos mais esse curso por aqui no momento. Aliás, são poucos no interior. Por isso, muitos alunos optam por estudar Ciências Contábeis, porque a grande inspiração hoje é a atuação no mercado financeiro. Mas é preciso ter um certo cuidado. Há muita gente dando dicas de finanças, dentro de um contexto que é um pouco mais complexo.
MN – Como a senhora avalia a demanda atual de ‘economistas digitais’, que compartilham dicas e cursos por sites e plataformas? Até que ponto são confiáveis estes conteúdos?
Marisa Rossignoli – Comecei a seguir alguns por influência dos meus alunos para entender melhor o que eles estavam acompanhando. Eu acho válido. Queira ou não, traz uma popularização dessa questão da necessidade de se guardar dinheiro, da necessidade de ter um planejamento futuro, uma vez que a tendência é que a gente se aposente muito mais tarde.
MN – E quanto às orientações sobre investimentos em mercados de risco?
Marisa Rossignoli – Eu me preocupo um pouco com as pessoas querendo entrar neste tipo de mercado com pouco conhecimento. É preciso ter cuidado. Principalmente os jovens que têm um perfil mais arrojado. É preciso ter muito clara essa compreensão que no mercado de risco você também pode perder porque, normalmente, são relatados casos de sucesso de investimentos, de rentabilidade e de sucesso. A pessoa deve estudar, entender qual é o seu perfil, para saber como reverter prejuízos.

MN – A PEC da Reforma Tributária segue em tramitação no Congresso Nacional. Que pontos a senhora aprova e quais alteraria?
Marisa Rossignoli – Vejo com olhos positivos. Acho que avança em alguns pontos importantes. Está se reduzindo cinco tributos em dois. É importante a tributação sobre valor adicionado, que é uma tendência mundial. A simplificação evita a guerra fiscal entre os estados. Quanto ao Conselho Federativo tenho algumas divergências por ainda não ter um desenho de como funcionará.
MN – Não é de hoje que se fala em reforma tributária no Brasil…
Marisa Rossignoli – A gente vem debatendo sobre isso há muito tempo. No meu mestrado, na PUC de São Paulo, em 1998, eu já analisava as propostas de reforma tributária daquela época, inclusive de mudança sobre valor adicionado. Algumas coisas já foram muito discutidas. É claro que, na hora da aprovação, ali na Câmara do Deputados, surgem elementos novos. Tudo indica que o Senado vá mudar o texto e teremos um debate interessante quando a PEC voltar para a Câmara. A hora é de acompanhar e de entender o que o novo texto constitucional traz não só a redução das desigualdades sociais, mas também a redução das desigualdades regionais.
MN – Marília é conhecida por seu polo alimentício e, mais recentemente, pelo protagonismo de empresas do ramo de tecnologia. Como a cidade poderia expandir de forma sustentável em outras vocações econômicas?
Marisa Rossignoli – Eu vejo a cidade se expandindo para essa área tecnológica, para uma economia de serviços que nem sempre é tão visível. É importante para a cidade, o estado, e o país a produção industrial, mas é preciso que essa indústria avance tecnologicamente. A complexidade do sistema produtivo aponta que eu agregue valor aos bens que eu estou produzindo. Nesse ponto, a cidade apresenta algumas características interessantes. Essa força na área de alimentos, mas vindo com essa questão tecnológica, vindo com a questão de outros serviços. O crescimento passa por uma questão sustentável, pelo poder público e pela própria mudança da área de gestão.
MN – Apesar da relevância industrial, Marília somava 25.333 empreendedores individuais até semana passada, segundo dados do Portal do Empreendedor, do Governo Federal. O que a senhora orienta àqueles que pretendem abrir o próprio negócio?
Marisa Rossignoli – Muitos viraram empreendedores individuais por necessidade, pelas mudanças do mercado e a pandemia teve um efeito nisso. E ainda há a questão das mudanças na própria legislação trabalhista. Enquanto isso, essas pessoas estão aí, produzindo, agregando. É uma parte significativa da economia.
MN – Além de empreender, também é necessário aprender, não?
Marisa Rossignoli – Se a pessoa não tem uma formação específica, deve buscar a assessoria de bons profissionais nas diversas áreas para entender o negócio e o mercado. Uma coisa que a gente sempre diz é que é necessário entender, porque por menor que seja o capital, você sempre vai precisar que seu negócio demande algum tempo de amadurecimento. Ou seja, ter cuidado para não comprometer o negócio logo de início porque você projetou algo maior do que você tinha capital para aguentar.
MN – Os cartórios de protesto do Estado apontaram um aumento de 39,03% no endividamento na cidade de 2022 para cá. O que o mariliense precisa fazer para sair desta estatística?
Marisa Rossignoli – Nós temos um encarecimento de serviços importantes. Apesar de baixa, tivemos alguma inflação. Aliado a isso, a pandemia mexeu muito com a estrutura financeira das famílias. Alguns se endividam por uma questão de um aumento de padrão do consumo, outros para pagar as contas básicas. Acho super válidos todos os programas de renegociação de dívida. O que a gente tem que tomar cuidado é sobre limpar o nome e fazer uma nova dívida. Hoje a gente tem crédito muito fácil. É preciso estar atento ao que cabe no orçamento. Resumindo, o melhor é pagar antes de fazer novas dívidas.
MN – Ainda é difícil para muita gente entender o ‘economiquês’ que lê, assiste ou ouve no dia a dia. Como traduzir esta ciência para o entendimento do cidadão comum?
Marisa Rossignoli – É, sem dúvida existe (risos). É importante que a pessoa entenda como as grandes decisões, como a taxa de câmbio, afetam sua vida. Entender, por exemplo, que a taxa Selic, quando diminui, nos atinge até no crédito, mas pode gerar inflação. Estamos discutindo a reforma tributária, por exemplo. É preciso explicar de uma forma que as pessoas entendam melhor.
MN – Diante da nossa realidade financeira e educacional brasileira, é mais difícil fazer economia no bolso ou Economia na faculdade?
Marisa Rossignoli – Eu acho que são coisas distintas (risos). Na faculdade, você está procurando entender todo o cenário externo e interno das organizações. Na minha perspectiva de economista, tenho uma visão macroeconômica. E isso envolve o conhecimento, ainda mais em um país como o Brasil, em que tivemos tantas variações e desigualdades na distribuição de renda. Não é fácil para o consumidor assalariado fazer seu orçamento. Eu vejo a economia brasileira hoje com mais otimismo do que em outros tempos na perspectiva dos instrumentos regulatórios, da compreensão que a gente precisa de uma estabilidade econômica. Sem isso, é difícil para empregado e empresariado.
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