Tente a maçã
Volto ao tema Raul Seixas por dois importantes motivos: suas músicas ainda dialogam com várias etapas da minha vida e pela proximidade dos 35 anos de sua partida terrestre. Raul embarcou para fora do combinado – como Rolando Boldrin dizia sobre quem nos deixava – em 21 de agosto de 1989.
Já relatei sobre a minha experiência em frente ao edifício Aliança, no ‘baixo’ Augusta (São Paulo), em uma crônica anterior, contudo, as mensagens de Raul me inspiram para esta crônica. ‘Tente outra vez’ e ‘A maçã’ são as duas canções que, na recente contemporaneidade da minha existência, me alicerçam a não sofrer mais.
Mantra da resiliência, ‘Tente outra vez’ me persegue desde quando não ia bem nas provas de matemática e, nervoso pelos números e equações embaralharem o meu cérebro, colocava a K7 do meu irmão no toca-fitas do quarto, e lá ia estudar as intermináveis apostilas da saudosa professora Mara. ‘A maçã’, de sentido mais complexo, me auxiliou – e ajuda – a compreender determinadas situações da nossa existência. Situações, estas, inclusive, bem mais complexas e muito mais intrincadas, espinhosas, do que as tarefas de matemática do ginásio.
Juntei as duas músicas e saiu o título: ‘Tente a maçã’. A maçã tem sua relevância na história da humanidade. Foi por uma delas que Adão e Eva receberam a expulsão do paraíso. Teria sido uma maçã que despertou Isaac Newton para uma compreensão maior, a da gravidade. A de que tudo que sobe, desce. E se tudo que sobe, desce, obviamente tudo que nasce, morre. Mas os meus poetas concretistas me ensinaram a ir além: nascerenascerenasceenasce.
Haroldo de Campos reconstrói cada palavra neste ato contínuo de estar sempre recomeçando. Uma das filhas de Raul Seixas, a Vivi Seixas, fez uma declaração muito precisa sobre o pai: ele estaria mais vivo do que muitos vivos aqui estão. Raul Seixa é vivo porque suas palavras ainda ecoam sentimentos, relatam mensagens, amor e ensinamento, além da verdade. Ainda que o poeta possa fingir a própria dor, a dor que sente, mas a dor existe e isto sim é uma verdade.
Em muitas fases de nossas vidas a dor – assim como a maçã – está presente. Dostoiévski, o grande escritor russo, ensina que para se escrever bem, primeiro é preciso sofrer. O sofrimento em forma de dor, ou de maçã, é um grande professor – ou professora – e para poetas, como Raul Seixas, Haroldo Campos e Rolando, dissabores e desenganos são traduzidos em mensagem de perseverança (‘Tente outra vez’) e em compreensão do próximo (‘A maçã’). Por isso, tentamos a maçã, sempre.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.