Setembro começa com jovem tirando a própria vida em Marília
Setembro, mês já tradicionalmente marcado pela mobilização nas campanhas de conscientização sobre a prevenção do suicídio, começou de maneira trágica em Marília.
O atendente Jonathan Souza Pereira dos Santos, de 23 anos, tirou a própria vida na tarde desta quinta-feira (3), no bairro Figueirinha, zona Norte da cidade.
Segundo o registro do caso, por volta de 17h39 a Polícia Militar foi acionada pela família da vítima. Ao chegar no endereço a mãe do jovem contou que o filho havia se enforcado nos fundos da casa onde viviam.
A mulher falou que escutou um barulho no quintal e encontrou Jonathan pendurado. Ela ainda tentou socorrê-lo com o auxílio de vizinhos, mas ele não resistiu.
Segundo a mãe, o atendente fazia uso de medicamentos antidepressivos. A perícia e a Polícia Civil estiveram no local.
Jonathan será velado no Velório Municipal nesta sexta-feira (4) e o enterro será às 14h no Cemitério da Saudade.
Viver vale a pena
Ao contrário do jovem mariliense que faleceu ontem e inúmeras pessoas que tiraram suas vidas ao longo dos últimos anos, a auxiliar de escrita Ieda Lopes Araújo, de 52 anos, aprendeu a conviver com a doença que quase a matou por pelo menos seis vezes. Ela afirma que a ajuda profissional qualificada, medicação adequada, fé em Deus e o afeto de pessoas próximas foram fundamentais para que ela vencesse o fantasma do suicídio.
Criado para provocar uma discussão sobre o tema, o “Setembro Amarelo” é marcado por eventos de prevenção. Em Marília, serviços públicos de saúde, voluntários da causa e população se envolvem em campanhas.
O objetivo é que outras histórias possam ter um final feliz, como o da Ieda. “Voltei a trabalhar depois de oito anos e meio. Tenho minhas dificuldades, mas hoje eu quero viver. Já perdi muito. Não vi a adolescência das minhas filhas; ficava ‘largada’ em cima de uma cama. Isso acabou”, decreta a auxiliar de escrita.
Ieda conta que passou por cerca de 80 internações, durante os anos em que sofreu de um transtorno identificado como Borderline – sem receber o tratamento adequado.
Até o primeiro episódio em que tentou contra a própria vida, provocando cortes graves pelo corpo, não se compreendia e muito menos as outras pessoas. “Eu achava que era frescura, que a pessoa que fazia isso estava querendo chamar a atenção, até acontecer comigo”, conta.
As mutilações foram frequentes. Entre as tentativas de suicídio, a mais grave, foi quando ela fez um corte no pescoço.
“Sangrei várias horas e pensava ‘meu Deus, porque eu não consigo morrer’. Minha filha me encontrou no quarto e me socorreu. O médico disse depois que havia faltado milímetros para ser fatal. Na verdade, depois entendi que eu não queria morrer. Eu queria matar a minha dor”, define a mariliense.
Ieda relata que durante uma de suas intenções, passou a valorizar mais o convívio com outros pacientes. Aderiu a terapia de forma diferente. Até então, ela não se sentia participante do seu próprio tratamento. Isso gerava desestímulo. Os resultados acabavam deixando a desejar.
“Nunca fui muito de falar sobre o que estava sentindo, o que estava acontecendo comigo. Comecei a falar mais, conversar e buscar ajuda das pessoas. Descobri que é preciso falar. Hoje eu converso com minha irmã, com meu marido, com as minhas filhas, com algumas amigas. Eu não fico guardando e acumulando sofrimento”, ensina a auxiliar de escrita.
A medicação, segundo Ieda, é fundamental. Ela tem consciência de que precisará cuidar da saúde mental atentamente durante toda a vida.
“A mensagem que eu deixo para as pessoas é que viver vale muito a pena. É importante não guardar para si, parar de se acusar, de se menosprezar. O problema não é mundo. Temos que aprender a lidar com tudo que não podemos mudar”, afirma.
O trabalho consolidou a nova fase. “Comecei a ficar indignada comigo mesma. Cadê a pessoa alegre que fui um dia, a menina que brincava na rua de casa? Cadê a mulher que sonhava? Me senti preparada e a empresa abriu as portas, me acolheu. Estou numa fase excelente da minha vida, para recuperar o tempo perdido”, garante.
Epidemia silenciosa
Entre 2016 e agosto desse ano – menos de cinco anos – Marília perdeu 78 pessoas para o suicídio. Neste período, o ano de 2019 teve maior número de casos: 23 no total. Até o momento em 2020, foram 12 registros.
As estatísticas, porém, são incapazes de dar a real dimensão do problema, já que uma série de casos de lesões autoprovocadas não são comunicadas às autoridades. O tema ainda é tabu entre muitas famílias e a falta de informação ajuda a gerar a subnotificação.
Valorização da vida
No dia 10 deste mês, o posto do Centro de Valorização da Vida (CVV – 188) completa um ano em Marília. O serviço divulgou, a pedido do MN, o balanço de atendimentos no período.
Os voluntários locais atenderam 16.577 chamadas, que totalizaram 2.450 horas ao telefone com pessoas que tinham necessidade de serem ouvidas, com respeito e sem julgamentos.
A coordenadora da unidade, Maria José Gonçalves de Oliveira, relata que já atendeu alguns casos de pessoas com “ideações suicidas”. Um deles foi mais marcante.
“A pessoa aceitou pedir ajuda e acionar familiares. Durante o processo que chamamos de escuta empática, ela mesma encontrou o caminho”, relata Maria José.
O contato pode ser feito pelo telefone 188 ou pelos outros canais disponíveis no site, que pode ser acessado [aqui].
Novos voluntários
O posto Marília tem atualmente 40 voluntários. Já chegou a ter 60. “O ideal é aumentar esse número, o que deve acontecer em breve, após nova seleção”, acredita a coordenadora.
Para atuar na organização, é preciso passar pelo Programa de Seleção de Voluntários (PSV), um curso de 30 horas. O próximo deve acontecer ainda esse ano. Para se inscrever, é preciso fazer a solicitação pelo e-mail [email protected].
Serviços Públicos sobre a valorização da vida
Caps Com-Viver – 3451-4028
Caps-i (Infantil) Catavento – 3451-1660
Caps AD (Álcool e outras drogas) – 3433-8606
Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família e UBSs)
Emergência: SAMU 192, UPA Norte, PA Sul, Pronto Socorro e Hospitais