Por amor: mães que se refazem e transformam dor em força todos os dias

Andreia Oliveira, de 52 anos, é mãe de duas filhas que transformaram sua vida e a ensinaram o real significado de força. Atual vice-presidente da Associação dos Deficientes Visuais de Marília (Adevimari), ela carrega em sua trajetória as marcas da maternidade atípica — uma vivência repleta de desafios, preconceitos, perdas e superações.
Geovana, a filha mais velha, hoje com 25 anos, é autista. Já Duda, de 10 anos, perdeu a visão ainda bebê devido a uma negligência médica. Ambas são fontes de amor, aprendizado e também de dores que Andreia precisou transformar em coragem para seguir em frente. “A gente sabe que pai e mãe não vai ser eterno, mas temos que cuidar e zelar para que eles possam encarar o mundo”, afirma, emocionada.
Ser mãe, para Andreia, é se refazer a cada dia, mesmo sem descanso. Sua história é uma entre tantas que revelam o lado mais intenso e real da maternidade: o de mulheres que lutam sem trégua para garantir dignidade e qualidade de vida para seus filhos.
Neste domingo (11), Dia das Mães, o Marília Notícia compartilha histórias de amor que enfrentam o preconceito, o luto e o cansaço com uma força admirável — histórias que estão mais próximas do que se imagina.
Andreia conta que, com Geovana, o início foi assustador. Uma criança inteligentíssima, que falava corretamente e sabia contar em inglês aos dois anos, mas que começou a apresentar episódios de fuga. Geovana fugia constantemente, exigindo atenção ininterrupta.
A incompreensão inicial levou a dona de uma escolinha a rotulá-la como hiperativa com risadas, algo que Andreia, na época sem acesso fácil à informação, não entendeu como um sinal de alerta. A situação tornou-se perigosa, culminando em um desaparecimento de 5h, que levou Andreia a buscar ajuda profissional.
Em toda essa trajetória, o que mais machucou Andreia foi o preconceito das pessoas. Ela o descreve como algo que “machuca um pai e uma mãe especial na alma”.
“Ao invés de se conscientizarem e ensinarem seus filhos a conviver com pessoas especiais, as pessoas julgam e apontam. O preconceito mais doloroso, muitas vezes vem da própria família. Isso é muito doloroso para um pai e para uma mãe”, desabafa Andreia.
Apesar dos obstáculos, ela buscou o melhor atendimento para Geovana. Hoje, aos 25 anos, Geovana é uma jovem que frequenta o Espaço Potencial e não tem mais os episódios de sumir. É muito tranquila, bem trabalhada, assistida e muito inteligente, além de ser extremamente carinhosa.
Outro desafio para Andreia foi a chegada de Duda. Uma gravidez gemelar de risco aos 42 anos, que exigiu 33 dias de internação hospitalar. Uma das gêmeas, Júlia, não sobreviveu. Duda nasceu guerreira, com baixo peso e tamanho, e precisou ir para a incubadora.
A experiência hospitalar abalou profundamente Andreia, que teve crises de pânico. Pensando que a tempestade havia passado após a alta de Duda, veio o choque. A retina da bebê estava descolada em ambos os olhos, algo que não foi avisado a tempo de tentar salvar a visão nos 14 dias críticos pós-alta.
Andreia contou que sofreu muito no começo, se culpando pela prematuridade de Duda. Entender que não foi sua culpa foi um processo difícil. Ela se tornou seu próprio suporte, sabendo que não podia fraquejar, pois sua família precisava dela.
“Mães são fortes, guerreiras e resilientes. Que elas não desistam de seus filhos. É assim que eu faço na minha vida. Temos que procurar ajuda. Algumas pessoas minam as nossas forças e nossas esperanças, mas temos que procurar sempre o melhor para nossos filhos. Eu me emociono demais. A gente sabe que pai e mãe não vai ser eterno, mas temos que cuidar e zelar para que eles possam encarar o mundo”, pontua Andreia.
MUDANÇA PARA MARÍLIA

Casada com Ricardo e mãe de Maria Luiza, de 10 anos, e Ana Laura, de sete anos, Janaína Amadeu Costa e Silva conhece a maternidade em suas diferentes facetas. Maria Luiza foi planejada e trouxe a Janaína a descoberta do “amor de mãe”. Ana Laura, a caçula, é descrita como o “xodó” da família.
Com um ano e quatro meses, Ana Laura apresentou uma regressão, perdendo habilidades que já havia adquirido, como imitação e responder ao chamado. Essa perda acendeu um alerta na família, levando-os a buscar ajuda imediatamente. O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) veio em maio de 2019.
Janaína lembra aquele dia como “um dos piores dias de sua vida”. Receber o diagnóstico foi difícil, sendo que a partir daquele instante, tiveram que mudar completamente a rotina. Além do TEA de suporte nível dois/três (que a torna não verbal, com pouca autonomia e uso de fraldas), ela também tem epilepsia, doença celíaca e deficiência mitocondrial. Essa condição mitocondrial afeta a energia das células, exigindo suplementação constante, sendo que a doença celíaca impõe restrições alimentares rígidas.
A família sempre morou em Ocauçu, que não oferece o suporte profissional qualificado necessário para o tratamento intensivo e contínuo que Ana Laura precisa, com psicologia ABA, fono, terapia ocupacional e fisioterapia. Desde o início do tratamento, sempre dependeram de Marília. A primeira batalha era o deslocamento diário pela rodovia Transbrasiliana (BR-153).
Janaína, que tinha uma loja de calçados bem estabelecida em Ocauçu e criava as filhas consigo no comércio, começou a perceber que a loja estava ficando em segundo plano devido às necessidades de Ana Laura. Tomaram a decisão, que ela acredita ter sido a melhor para a filha, de fechar a loja e se dedicar exclusivamente a elas, especialmente a Ana Laura.
Após colocar no papel os gastos com as viagens, perceberam que seria mais vantajoso alugar um espaço em Marília. Desde o ano passado, Janaína e as filhas se mudaram para Marília. O marido viaja diariamente a trabalho, voltando só à noite. Tudo para que Ana Laura ficasse mais descansada, aproveitasse melhor as terapias e pudesse ir à escola em Marília, algo que seria difícil de suportar com a rotina de viagens.
“Ir e voltar era cansativo e caro. Tínhamos muitas despesas de pedágio, combustível e alimentação em Marília, já que tinha dia que ela tinha terapia de manhã e de tarde. A carga de terapias estava deixando a Ana Laura cansada e prejudicando sua capacidade de absorver o aprendizado. A gente se desdobrou, colocou no papel tudo que a gente gastava e decidimos mudar para Marília”, explicou Janaína.
Hoje, Ana Laura faz terapias todos os dias, com sessões na maioria das manhãs e fisioterapia, necessária após uma cirurgia no tendão devido a andar na ponta do pé, além de frequentar a escola à tarde. Essa rotina intensa exige dedicação total de Janaína.
Janaína sente que exerce ‘dois tipos de maternidade’ e afirmou faria tudo de novo. Ela se desdobra, esquece cansaço, de comer ou vestir, estando ali o tempo todo, pensando e ajudando. Não mede esforços para dar a Ana Laura acesso a todo tratamento e profissionais. Encontra força e solidariedade nas salas de espera de clínicas, ouvindo as histórias de outras mães guerreiras.
“O TEA na maioria das vezes não vem sozinho. Costuma vir com comorbidades. Por isso, cada autista é único. Você precisa pensar no dia a dia, por conta de alimentação, horário de remédios. A gente que tem pessoas na família, se especializa naquele autismo. Não somos especialistas em autismo em geral. Ele é diferente em todos. Como mãe, tenho noção no geral, mas sou a maior especialista no autismo da minha filha, porque a Ana Laura é única”, revela Janaína.