O pitbull que mordeu o dono: caso Roberto Jefferson
Quando estávamos há 100 dias das eleições, no espaço desta coluna, eu cometi a ingenuidade de escrever que o pior erro do atual governo, cometido à revelia da estratégia de manter e conquistar eleitores em 2022, era o caso do ex-ministro Milton Ribeiro, seus pastores corruptos no Ministério da Educação e suas suspeitas barras de ouro. Ledo engano… O buraco, desta vez, está bem mais embaixo.
A oposição do presidente Bolsonaro não poderia ficar mais feliz com o pictórico (e por que não dizer absurdo?) atentado cometido pelo ex-deputado Roberto Jefferson neste fim de semana, que em um rompante de insanidade e violência recebeu quatro policiais federais na bala de fuzil e na granada de efeito moral! Situação, aliás, que faz parecer aqueles pastores evangélicos, os que roubaram dinheiro do Fundo Nacional da Educação, três princesas da Disney.
Faltando apenas cinco dias para o segundo turno da eleição presidencial mais tensa da história da nova república, o sinistro que houve entre a PF e Roberto Jefferson é simplesmente de cinema, absolutamente improvável até ter acontecido, e seguramente legará efeitos controversos na apuração das urnas do domingo, bem como já trouxe dinâmicas negativas de desvalorização para o mercado financeiro do país, pontuação das bolsas de valores, ações da Petrobras e valor do dólar.
Não é de hoje que Roberto Jefferson comete um ato de violência entremeado a interesses políticos, fazendo da violência um caminho para a política, ou por intermédio da sua posição política fazer válidos os seus atos repugnantes de violência armada. Definições estas que, no resto do mundo, as ciências políticas de todas as universidades conceitualizam como “terrorismo”: o uso da violência para fins políticos.
Mas, se não é de hoje que este exótico ex-deputado mete o louco, afinal, quais são os ingredientes especiais deste caso, que faz a oposição se refestelar no escândalo como se fosse um banquete de Natal?
Primeiro, põe uma pitada de Roberto Jefferson em prisão domiciliar e de casa exercendo o papel de coordenador, embora não o único, da campanha de Jair Bolsonaro. Vai mexendo até depois dos disparos contra a polícia, mas quando chegar no ponto de alguns populares bolsonaristas amotinaram-se para agredir um profissional do telejornalismo, que estava no dever da função de registrar os interditos da receita da desgraça, abaixa um pouco o fogo.
Logo na sequência, adicione uma boa dose de padre Kelmon, que aparece como aquele ingrediente improvável na composição geral, mas que tem tudo para deixar a cena tão mais esquisita que um prato de festa junina fora de época. O padre, ou sabe lá Deus qual o verdadeiro ofício deste senhor, foi até o lugar da quádrupla tentativa de homicídio para supostamente ajudar na negociação, mas, cá entre nós, era melhor ele ter ficado em casa.
Depois, vai na receita mais ou menos um quilograma de açúcar para engrossar o caldo, precisamente adicionado no momento em que a PF será recebida dentro da casa de Roberto Jefferson. Como com açúcar fica tudo mais gostoso, revela-se agora na uma curiosa combinação, do político que abriu fogo contra quatro policiais conversando prazenteiro e despreocupado com um representante da própria PF, entre incontidas risadas e explicações de desconcertante cinismo do tipo “eu não atirei pra pegar neles” ou “pode ficar tranquilo”. Não gosta de doce…
Porém, a receita da desgraça ficará perfeita apenas com algum ingrediente escatológico, que você encontrará com exclusividade na rara narrativa do ex-deputado, quando, ao se referir à ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, disse em vídeo das suas redes sociais: “Eu estou indignado, não consigo! Fui rever o voto da Bruxa de Blair, da Carmem Lúcifer, na censura prévia à Jovem Pan, olhei de novo e não dá pra acreditar, lembra mesmo aquelas prostitutas, aquelas vagabundas, arrombadas, né?”. Está pronto! Um delicioso banquete extraordinariamente conveniente para a oposição roubar a cena.
Agora, o Bolsonaro terá que se virar nos 30 para explicar, por exemplo, como no passado Roberto Jefferson contratou um dos seus filhos, o Eduardo Bolsonaro, aos 18 anos de idade, para cargo comissionado em Brasília, se o jovem herdeiro ainda estudava no Rio de Janeiro. Hora mais inoportuna para romper com esta amizade longa dificilmente haveria.
Porém, mais delicado ainda que o fim dos afetos, para o presidente, será desarticular-se em tão pouco tempo da imagem e semelhança deste ex-deputado metido a pitbull. Se ele conseguir fazer isto até o dia 30, aliás, capaz de entrar para o Guinness Book, premiado com o recorde mundial da desfaçatez.
Essa doeu.