O hábito de escrever à mão

O escritor Ariano Suassuna, nascido no ano de 1927, manteve, em sua longeva carreira literária e cultural, um hábito saudável: o de escrever à mão. Em folhas de almaço – dessas que na minha época de ginásio e colegial a gente respondia às provas bimestrais – o autor de ‘Auto da Compadecida’ e ‘Romance d’A pedra do Reino’ desenvolvia as tramas e os enredos que vieram à tona desde 1947, quando publicou seu primeiro trabalho ‘Uma mulher vestida de sol’, até o ano de sua morte, em 2014.
Recordo que o então ex-governador de Pernambuco e candidato à presidência do Brasil, Eduardo Campos (1965-2014), na véspera da morte de Ariano – Suassuna morreu em 23 de julho de 2014, portanto, em 22 de julho daquele ano – esteve em Marília para inaugurar o comitê de campanha eleitoral. Campos havia renunciado ao seu mandato de governador em abril para concorrer às eleições. Sua estada em Marília precisou ser encurtada pois lhe chegou a informação de que o escritor nordestino – que trabalhara com ele na cultura de seu Estado – havia passado mal. Eduardo partiu para Pernambuco, e nunca mais voltou para Marília – feito o rei Dom Sebastião de Portugal, tão referenciado na obra de Suassuna. Morreria 20 dias depois de acidente aéreo em Santos. Ariano, por sua vez, viria a falecer no dia seguinte em decorrência de um AVC.
A vasta obra de Ariano Suassuna, antes de chegar na forma de livro para seus leitores e admiradores, nascia, literalmente, de suas mãos, em resmas de folhas de almaço que, depois, eram lançadas para o formato digital, em programas de texto a exemplo do nosso Word de cada dia. Recentemente li no jornal O Estado de S. Paulo uma notícia que me chamou a atenção justamente por mostrar que a ciência reconhece que o hábito de escrever à mão – a escrita manual – fortalece o cérebro e a memória. Segundo a reportagem do Estadão, escrever à mão exige que o cérebro selecione, resuma e reinterprete o conteúdo antes de colocá-lo no papel. Conforme os novos estudos, o cérebro entra em ação de forma mais ampla na escrita. “Ao fazermos isso – escrever à mão – estamos organizando as ideias com as nossas próprias palavras, o que favorece a aprendizagem”, deixou claro a pesquisadora Virgínia Chaves de Lima, da Glia Neurociência Educacional.
No exercício profissional do jornalismo é comum ainda encontrar repórteres e jornalistas com blocos de anotação ou cadernos, até mesmo durante coletivas pesadas ou coberturas de emblemáticos depoimentos – seja no STF ou nas audiências comuns dos fóruns locais. Isso porque o profissional da escrita necessita da precisão do que está sendo coletado. Depois, obviamente, na redação, o repórter irá sintetizar as informações e organizá-las como notícia, matéria documentada ou reportagem.
Oriento aos pais estimularem em seus filhos o hábito de escrever à mão, contudo sem deixar de lado a digitação nos teclados de notebooks e computadores. O hábito da escrita, incluindo a escrita cursiva, vai cooperar plenamente com a retenção de conteúdo didático e facilitar a evolução para as séries seguintes. Naturalmente, o hábito da leitura – a leitura por prazer e por aquilo que o filho estiver interessado em ler – deve caminhar junto. Pois é muito triste saber que na terra de Ariano Suassuna, o nosso Brasil, ainda temos 9,1 milhões de analfabetos e quase um terço de toda a população sabe apenas ler e escrever o próprio nome.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’, ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, ‘Vargas, um legado político’, ‘Laurinda Frade, receitas da Vida’, ‘Quatro patas, a história de Pituco’, ‘Nhô Pai, poeta de Beijinho Doce’, ‘Dias de pães ázimos’ e das HQs ‘Radius’, ‘Os canônicos’ e ‘Onde nasce a luz’, [email protected].