O mal educado (ex) ministro da Educação
Há no Brasil uma rede social que só os nerds sabem da existência, uma tal de Plataforma Lattes, em homenagem ao ilustre desconhecido físico brasileiro, César Lattes. Informa-nos a Plataforma Lattes, mantida no ar pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que entre os pesquisadores notáveis do país há um brasileiro chamado Milton Ribeiro, que possui não uma, mas duas graduações: Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul (1981) e Direito pelo Instituto Toledo de Ensino (1990).
Além disso, possui o título de mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001) e de doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (2006). É também vice-presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Presbiteriano Mackenzie, entidade mantenedora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, bem como já atuou como reitor e vice-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Possui ainda curso de aperfeiçoamento pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), em Joplin, USA. Atualmente, é vice-relator da Comissão de Assuntos Educacionais do Mackenzie e diretor administrativo da Luz para o Caminho, instituição que cuida da área de mídias da Igreja Presbiteriana do Brasil. Também é membro do Conselho Deliberativo da Administração Geral da Santa Casa de Santos, instituição pública, como irmão-mantenedor.
Não menos importante, ocupou o papel de membro da Comissão de Ética da Presidência da República 2019 e presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Até há pouco, para fechar com chave de ouro, exerceu o cargo de ministro de Estado da Educação desde julho de 2020.
Ocupou e exerceu, no pretérito perfeito, porque ontem este senhor doutor de grande currículo e pouco caráter exonerou-se dos cargos do governo federal. É como sempre dizia meu saudoso vô Nestor: “debaixo do arroz tem linguiça…”
Este enorme currículo é, impressionantemente, apenas um “resuminho” breve dos melhores momentos da vida acadêmica do, até ontem, ministro da Educação, Dr. Milton Ribeiro. Aliás, o resumo foi produzido e certificado pelo próprio ministro no dia 20 de setembro de 20211, lá na tal Plataforma Lattes.
Para reiterar mais e mais este prestígio curricular quase imaculado, talvez seja razoável nós aceitarmos sem culpa no cartório a ideia de que, se quaisquer uns de nós tivéssemos lido esta coleção de louros, há mais ou menos uma semana atrás, contrataríamos o Dr. Milton para um cargo de enorme responsabilidade nacional sem pensar meia vez.
Acontece, que nestes tempos atrás, um meme efêmero nos ensinou que uma coisa é ter doutorado, e outra coisa é ter as manhas. Pois então, o caso é que o Dr. Milton Ribeiro tem mesmo um doutorado pela USP, mas também tem umas manhas, no mínimo, controversas.
As manhas dele fazem lembrar, aliás, até daquele comercial de TV super premiado da década de 1990, da Folha de SP, quando eles tiveram peito para colocar na telinha a máxima “uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade”, de Joseph Goebbels, um sacripanta e assassino histórico, Ministro da Propaganda da Alemanha nazista de Adolf Hitler entre 1933 e 1945.
Na realidade, pra não pegar mal e evitar as polêmicas que a concorrência com certeza adoraria ter adubado, a Folha deu aquela ajeitada brasileira no comercial, e na época saiu algo mais eufemista como “possível contar um monte de mentiras, dizendo só verdades”.
Agora, notem bem e bem cuidadosamente, isto não é de jeito nenhum uma leviana insinuação de que o Dr. Milton Ribeiro, colocado na pasta ministerial responsável pela educação há quase dois anos, seja um nazista ou algo que o valha. Longe disto! Mas muito longe mesmo. Léguas náuticas longe. Mesmo porque, até onde nos consta, o único nazista que passou pela Esplanada dos Ministérios foi o sr. Roberto Rêgo Pinheiro, também conhecido pelo nome artístico de escritor noir Roberto Alvim, o ex-secretário especial da Cultura do Ministério do Turismo que no dia 16 de janeiro de 2020, usou dos discursos do tal do Joseph Goebbels, parafraseando-os, na tentativa institucional e atrelar à agenda da cultura brasileira elementos da propaganda nazista.
Ironias à parte, no dia seguinte após das declarações, no dia 17, portanto, Alvim foi exonerado do cargo que posteriormente fora preenchido pela atriz e diretora Regina Duarte, no afã governamental de fazer preencher os ministérios todos com um time de profissionais tecnicamente qualificados para as pastas. Qualificados segundo quem, vos pergunto?
Porque, voltando ao foco, sobre estas últimas notícias envolvendo o Dr. Milton Ribeiro, talvez a maioria de nós já esteja sabendo dos pormenores desta história bizarra e tenha escutado no telejornal – ou no “zap zap” ou em algum canal do YouTube ou nas rádios todas ou na boca do povo e etecetera – o conteúdo sórdido que vazou com a voz do ministro corrompendo fundos públicos da Educação sem desmunhecar.
Mas, eu te juro pelos Deuses todos, como vale a pena ver e ouvir de novo. Porque, a cada vez que a gente escuta o que a gente já escutou nos últimos dias, o nosso sentimento de indignação cresce, o que é autêntico de sentir dentro do nosso coração brasileiro agoniado. Diga-se de passagem, aliás, que belo golaço a Folha de SP marcou no dia 22 de março, não é?
Uma salva de palmas para eles que, corajosamente, colocaram a gravação do ministro com os dois pastores na internet, o que fez esta pouca vergonha se espalhar mais que fogo na palha seca até que, ontem, a situação apertou ao ponto da exoneração ou auto demissão, para que não haja subentendidos.
O trechinho, que é um flagra de alguns segundos de uma reunião entre o Dr. Milton Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, está dando bastante pano pra manga. Olha aí que coisa mais feia:
Milton Ribeiro: Por que a prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos que são amigos do pastor Gilmar [Santos]. Não tem nada com o Arilton [Moura] e tudo com o Gilmar. [risos na gravação]. Tá entendendo, Gilmar?
Gilmar Santos: Sim, senhor. Ele também escuta isso.
Milton Ribeiro: Ele escuta?
Gilmar Santos: Ele escuta.
Milton Ribeiro: Então, o Gilmar. Por que ele? Porque foi um pedido especial que o Presidente da República fez para mim, sobre a questão do Gilmar. Apoio. Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser publicado, é apoio sobre a construção das igrejas.
Diante dos fatos o nosso papo tem que ser reto, e o bom do papo reto é que ele não faz curva. Lembrei, na tentativa de entender melhor este vexame no Ministério da Educação, um dos bons papos que eu tive com o professor e poeta, amigo e sócio, jaboticabalense e cientista social, Carlos Roberto de Almeida Jr, com a paulada verborrágica “não é porque você tem um diploma acadêmico que você não é um belo de um idiota!”
E, sinceramente, eu acho que meu amigo Carlão tem razão. Você que já leu o currículo do Dr. Milton Ribeiro nos primeiros parágrafos, já viu que o que não faltam para ele são títulos, honrarias, experiência acadêmica, empregos notáveis ou cargos de prestígio.
Mas, tem coisas muito mais importantes que a faculdade não ensina para alguém, tipo a ter caráter, que não se aprende na universidade, ou a ter honestidade, ou mesmo a idoneidade, ou empatia pelo povo, ou amor por um país em crise onde, em tese, um ministro deveria ajudar a gerir. O problema não é o Brasil, o problema é quem cuida do Brasil.
Outro x da questão é que, na realidade, pra gente compreender tudo isto, é bom desconstruir esta ideia falsa de que escolarização e educação são a mesma coisa. Porque não são nem de perto a mesma coisa! Embora seja fundamental que andem de mãos dadas, o ato de educar alguém e o ato de escolarizar pessoas não são iguais nem em conteúdo, nem em forma, nem em técnica.
Por isso mesmo, quando o educar-se e o escolarizar-se ocorrem separados nascem estas sequelas em amplo sentido, sobretudo quando um escolarizado mal educado recebe um cargo de muito poder, destes que define para onde irá o dinheiro responsável pela educação pública de milhões de crianças absolutamente carentes.
Então, nunca se deixe enganar por um currículo de muitas laudas, por um título de pós-graduação, ou por um estágio nos EUA. Uma pessoa escolarizada não é necessariamente educada, bem como uma pessoa educada nem sempre pôde ter acesso a melhor escolarização do mundo.
Obviamente o ideal é que instituições escolares de diferentes níveis, desde as séries iniciais até aquelas de pós-graduação, estejam em sintonia com as famílias – em suas várias formas possíveis – trabalhando harmonicamente, conjuntamente, amistosamente, justamente para que um anel de doutor no dedo não implique em ilicitudes que prejudicam a vida social de um país onde o povo não aguenta mais político safado.
Dr. Milton Ribeiro, o senhor é uma desonra e o povo ouviu tudo!
Ademais, no dia 22 de março a Folha de SP botou o dedo na ferida vazando o áudio captado durante a tal reunião com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. Dois dias depois, dia 24 de março, na quinta-feira, Jair Messias Bolsonaro, o meu, o seu, o nosso Presidente da República, manifestou-se ao lado da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, na sua famosa live semanal transmitida pelo youtube, o seu ponto de vista:
Jair Messias Bolsonaro: […] Olha, se ele estivesse armando, meu Deus do céu, armando, ele não teria botado na agenda oficial aberta ao público. É muito simples! Quando o cara quer armar ele vai pelado na piscina, vai num fim de mundo aí na praia, vai no meio do mato, né? É assim que ele age! Ele não bota na agenda ali o nome do corruptor. Não bota! O Milton, coisa rara de eu falar aqui, eu boto a minha cara no fogo pelo Milton, minha cara toda no fogo pelo Milton. Estão fazendo uma covardia com ele. A Polícia Federal, ontem a Polícia Federal, não precisava nem ter pedido, né? Porque já tinha aberto o procedimento, já abriu o procedimento para investigar o caso também. Que já está na esteira do que a CGU vinha fazendo. Agora, tem gente, tem gente que fica buzinando, faz chegar pra mim: manda o Milton embora já tem um bom nome para botar aí. Tem gente que quer botar alguém lá. Mas alguém não fala publicamente: “Olha, eu tenho um nome!”. Eu duvido um grupo qualquer falar o seguinte: “eu tenho um nome do João da Silva que vai dar banho lá no MEC”. Ele não fala isso! Ele quer que eu bote lá a responsabilidade minha, né? Se der problema eu que indiquei! E se não der ele continua lá fazendo coisa errada porque ninguém vai indicar um cara, tá?, sem se for de graça. Não vai! Estão fazendo uma covardia com o ministro Milton.
Dá licença pra um ctrl+c, ctrl+v? Rapidinho, só pra esclarecer qual é a instituição (FNDE) que está possivelmente sendo corrompida por um acordão entre o ministério e os pastores com o aval do Presidente. “O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia federal criada pela Lei nº 5.537, de 21 de novembro de 1968, e alterada pelo Decreto–Lei nº 872, de 15 de setembro de 1969, é responsável pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação (MEC). Para alcançar a melhoria e garantir uma educação de qualidade a todos, em especial a educação básica da rede pública, o FNDE se tornou o maior parceiro dos 26 estados, dos 5.565 municípios e do Distrito Federal. Neste contexto, os repasses de dinheiro são divididos em constitucionais, automáticos e voluntários (convênios). Além de inovar o modelo de compras governamentais, os diversos projetos e programas em execução – Alimentação Escolar, Livro Didático, Dinheiro Direto na Escola, Biblioteca da Escola, Transporte do Escolar, Caminho da Escola, Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil – fazem do FNDE uma instituição de referência na Educação Brasileira”.
Entendeu por que o buraco é mais embaixo!? No português claro, o que as investigações da PF (Polícia Federal) precisarão se ocupar em entender daqui pra frente, caso procedam as desconfianças fortes sobre este escândalo, é como que o Dr. Milton Ribeiro em conluio com pastores, aparentemente a pedido do nosso presidente, fez do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, lugar de onde saem recursos para a educação brasileira do Oiapoque ao Chuí, uma instituição que privilegia indicações de pastores que nem do governo fazem parte. E quanto mais a gente mexe, mais fede.
Aproximadamente 10 milhões de reais já foram liberados do FNDE para instituições indicadas pelos pastores. Marlene Miranda, prefeita de Bom Lugar (MA) eleita no ano de 2010, recebeu a soma de 200 mil reais para construção de escolas infantis, em uma agenda de repasse de recursos intermediada pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura no último dia 4. Esta notícia só fica mais esquisita quando reparamos no prazo incrivelmente rápido de 16 dias entre a solicitação e o recebimento do recurso.
Para ir finalizando, eu gosto de salientar o quão patéticas são todas estas tentativas de lacração pública, através de cartas infames que esta gente mesquinha faz quando a coisa aperta para o lado deles.
O Dr. Milton Ribeiro, ex-ministro recém exonerado, acha que a gente é bobinho, pois, olha aí como ele tenta sair ileso pela tangente: “[…] Tomo esta iniciativa com o coração partido, de um inocente que quer mostrar a todo o custo a verdade das coisas, porém que sabe que a verdade requer tempo. Sei da minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica. Meu afastamento é única e exclusivamente decorrente de minha responsabilidade política, que exige de mim um senso de país maior que quaisquer sentimentos pessoais”. Francamente, Dr. Milton, o povo já entendeu seu esquemão. Mentir assim só mostra que o senhor não passa de um doutor muito do mal educado.
***
Professor Taoni é Geógrafo e mestre em História. Leciona na rede de escolas particulares de Marília e região.