Brasileiro não é vira-lata
Esse ano é de fortes emoções, teste para cardíaco e haja coração. Tem as eleições de outubro que já dividem a opinião pública, e consequentemente o nosso povo, nestes extremos impertinentes que fomos nos acostumamos, tipo o progressista e o conservador, o estatal e o privatista, o mortadela e o coxinha, e blablablá.
Logo depois, a Copa do Mundo. Momento mágico que, dado o nosso espírito competitivo, e o nosso desespero de tentar ser destaque planetário em alguma coisa, reativa numa velocidade retumbante uma certa vocação nacionalista que faz o país todo ficar verde e amarelo.
Pena realmente que, desde 2002, a gente não tenha mais sentido o sabor de levantar a taça. No lugar, fomos experimentando o dissabor de uma seleção que vai bem até a página dois, ou porque falta futebol, ou porque sobra vaidade, ou os dois juntos. Mas por que será que, para nós, brasileiros e brasileiras, levantar a taça parece ser tão mais importante e dá mais saudade que tantas outras coisas?
Em 1958, da primeira vez que a gente ganhou uma Copa, já com a dupla Pelé e Garrincha, o dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues publicou nos jornais do Rio de Janeiro, até então a Capital do país, uma espécie de bordão resignado, que mais tarde saiu bradando por aí entre ruas: ¨Eu não sou um vira-lata! Eu não sou um vira-lata!¨. Porque aquela vitória da seleção canarinho na final, já no início do inverno, quase em julho, vinha na verdade ajudar a compor um cenário cultural que sugeriria, enfim, que o país estava entrando numa era de desenvolvimento, mesmo que tardio.
Não era só a Copa. Tinha também, na cultura popular, a bossa-nova que desenvolvia-se de vento em popa com o encontro de Tom, Vinícius e João Gilberto. Havia, outrossim, a notoriedade de Adalgisa Colombo, miss Brasil com truques estéticos revolucionários e emancipadores de beleza feminina. E industrialmente falando, então, no mesmo 1958, pela primeira vez um carro foi feito neste solo com mais de 50% de componentes nacionais, o DKW-Vemag. Fabricou-se ainda o primeiro barbeador elétrico, o primeiro rádio a pilha, e a primeira televisão com um controle remoto, com um fio. Dos contras havia Ainflação, que era alta, devido a impressão de papel moeda para capitanear as obras da nova capital no centro do planalto vazio, e curiosamente não gerava ainda tanta animosidade, pois, a construção de Brasília implicava concomitante na forte demanda por mão de obra e o crescimento da empregabilidade. Em resumo, pelo menos por um tempinho pareceu que daria tudo certo.
Mas, na nossa memória curta, no inconsciente coletivo, o que nos ocorre mesmo são as Copas, não é? É raro a gente conseguir lembrar de todas as demais conquistas. Já as Copas, quase todo mundo sabe, até aqueles que não são lá muito fãs de futebol lembram, que a gente ganhou em 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002… Penta! Aquela imagem, que para nós já está ficando distante, de erguer a taça e usar a camisa da seleção brasileira sem receio de quaisquer tipos de taxações ideológicas, seria ótima de viver de novo.
Em 1958, alguém importante havia dito que nós tínhamos finalmente deixado de ser o vira-lata dos povos, e o Brasil o vira-lata entre as nações, porque a Copa fez com que o mundo todinho visse o nosso potencial e o nosso jeito de fazer. Há cem anos atrás, em 1922, quando comemorava-se o centenário da Independência do Brasil, um movimento estético de vanguarda, o modernista, organizou no Teatro Municipal de São Paulo a tão célebre Semana de Arte Moderna, com a ideia central de defender a nossa identidade como algo genuíno.
E hoje, ainda, é necessário a gente lembrar que pessoas do mundo inteiro vem nos visitar por causa da nossa hospitalidade, do nosso carisma, da nossa cordialidade, da nossa música, da nossa comida, das nossas festas, dos nossos costumes, dos nossos hábitos e das nossas belezas. Ou seja, a gente fica sempre fazendo força para não nos inferiorizar, especialmente diante de contextos econômicos e políticos terríveis que o país viveu e vive.
A sensação que fica é que não se sentir um vira-lata, entre nós, é um ato de cidadania. E amar o Brasil, então, um ato político. Ame ou deixe-o é autoritário de mais. Mas, abrir mão de tentar, é resvalar em uma inferioridade que não cabe.
Sem medo de ser feliz, eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor.