Bolsonarista assassina petista
Há duas semanas, no espaço desta coluna eu escrevi: “o que há hoje entre muitos de nós é a forte impressão que polarizar está mais para a experiência do afastamento repulsivo provocado por um polo, do que propriamente a atração pelo outro.”
Não poderia prever, contudo, que minha aposta numa versão pessimista da polarização que vivemos, tão logo se transformaria em um caso fatídico de homicídio, o que na realidade transgrede a noção de polarização e nos avizinha da barbárie, quando um bolsonarista assassina um petista em uma festa de aniversário que estava decorada com elementos estéticos do PT.
Neste último domingo (10), na cidade de Foz do Iguaçu/PR, Marcelo Arruda, profissional de segurança pública da Guarda Municipal, foi assassinado durante a festa de comemoração do seu aniversário de 50 anos. Segundo consta nas informações disponíveis sobre o caso, a festa tematizada com símbolos do PT e imagens do ex-presidente Lula, foi antes interrompida quando houve uma indisposição entre, de um lado o aniversariante e de outro o policial da Polícia Federal Penal Jorge José da Rocha Guaranho, que bradava “é Bolsonaro.”
Após argumentação entre ambos, o que é sabido é que Jorge voltou para o local da festa e motivado por discordâncias político-ideológicas, invadiu o ambiente, atirou e matou Marcelo Arruda. Jorge José da Rocha Guaranho teve a sua prisão decretada pela Justiça, segundo declaração oficial do Ministério Público do Paraná na manhã de segunda (11), porém, ainda se encontra hospitalizado e em grave estado de saúde, atingido por tiros revidados no exercício de legítima defesa da vítima.
Não foi o presidente que invadiu a festa de um policial e atirou contra ele na frente da esposa e dos filhos. Portanto, pode parecer leviano co-responsabilizar o presidente pelo ocorrido. Ainda que possa ser ilustrativo lembrar um pequeno rol de falas do presidente, de antes do momento de ser um presidenciável até hoje.
Sobre perseguições políticas da ditadura, Bolsonaro disse em 2016: “o erro da ditadura foi torturar e não matar.”
Sobre negros, Bolsonaro disse em 2017: “eu fui num quilombo em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles.”
Sobre a oposição, Bolsonaro disse em 2018: “vamos fuzilar a petralhada aqui no Acre. Já que gosta tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para lá.”
Sobre sexualidade, Bolsonaro disse em 2019: “o Brasil não pode ser o país do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay…”.
Sobre a pandemia, Bolsonaro disse em 2020: “eu não sou coveiro”.
O literata e medievalista Umberto Eco costumava advogar a ideia filosófica nominalista de que as palavras dão às coisas uma existência. Mais ou menos como quando algo passa para o campo da realidade material, pois adquiriu contorno, relevo, forma, à medida que os enunciados sobre o algo o vivenciaram para além do mero som do discurso. Falar violentamente a partir de posições de poder, encoraja a repercussão de violências, às vezes justamente e perigosamente onde os limites entre o certo e o errado não têm absoluta clareza, como nos lugares da vida privada ou doméstica.
Ontem, Bolsonaro se correspondeu publicamente acerca do assassinato com a seguinte mensagem: ¨dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra os opositores. A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula histórico inegável de episódios violentos.¨
Cabe, então, a boa-fé de cada um ou a intransferível intuição de cada alma perdoá-lo por todos esses anos de discursos violentos, ou percebê-lo como um grande hipócrita que talvez tenha se dado conta da gravidade de tudo o que disse logo há três meses de tentar reeleger-se.
Meus sentimentos à família de Marcelo Arruda.