Adolescente é um bicho diferente
Este título não é meu. Na verdade, “adolescente é um bicho diferente” é verso de uma canção de uma novelinha argentina de sucesso nos anos 1990, Chiquititas. No refrão, os personagens atacavam em coro “adolescente é um bicho diferente, adolescente não chegue perto porque morde, adolescente!”. Terrivelmente fácil de memorizar, bastante verdadeiro e até engraçadinho, também, se não fosse trágico.
Porque, na verdade, a gente só consegue rir da adolescência quando ela acaba. Isto, ainda, com alguma sorte, pressupondo que ela não legará para o resto da nossa vida alguns fantasmas, que assediam através de sonhos obscuros, perfazem toda sorte de inseguranças na vida adulta, e gera em os infames gatilhos anos a fio. Gatilho é uma metáfora que está na moda, mas, para ser direto, significa o acionamento de uma experiência muito ruim, que tem o poder de colocar-nos numa berlinda emocional com toda sorte de sensações excruciantes, que podem somatizar impactos fisiológicos deixando um bom cristão totalmente desnorteado.
E por que, em geral, ser adolescente é o inferno na Terra? Porque haverá na maior parte das vezes, uma coleção de fatores sociais que, em vez de atenuar, ‘complexificam’ mais a metamorfose ambulante que eles já são biologicamente. Há, só para ficar nos exemplos mais evidentes, uma enorme pressão estética, porque é raro um adolescente conseguir gostar da própria imagem ou mesmo entender que o segredo da vida é não sair se comparando com todo mundo. Muito embora a maioria de nós fique bastante narcisista nas redes sociais, quando vamos para a na vida privada, diante do espelho, quando ninguém está vendo, quando só a gente se acompanha, no íntimo, o reflexo do outro lado pode ser potencialmente entristecedor, especialmente no período que o corpo sofre inúmeras, rápidas e intensas transformações. Adolescentes têm dificuldades severas de amor próprio.
Outro ponto cabal é a insegurança em relação ao futuro próximo, ou propriamente o futuro da vida adulta, ou o tal o que ser quando crescer. A infinidade de possibilidades boas e ruins que existem no mundo, sintetizam um terreno movediço onde a escolha, caso haja poder de escolha, é quase sempre duvidosa e, consequentemente, associada à vergonha de ter escolhido errado. Nesta fase, que costuma ir dos 15 aos 20 anos, muitos jovens ficam sem rumo nenhum e afundam em dúvidas existenciais, que fazem a vida deles parecer a coisa mais insólita do universo.
A sensação de não pertencer a nenhum lugar, está associada à falta mínima de previsibilidade do tempo que, quando se é adolescente, simplesmente voa. Às escolhas de possibilidade do futuro da vida adulta, quando condicionadas pela família, que só quer ajudar, e também sem querer pode atrapalhar muito, serão tanto mais desastrosas quanto mais projetarem nos seus adolescentes um rol de expectativas que eles não querem e nem dão conta de atingir. Enfim, pais e mães têm comumente uma dificuldade enorme de entender que eles não viverão a vida dos filhos Enquanto que os filhos na adolescência sofrem duplamente, pois, de um lado não sabem o que fazer e têm medo da própria dúvida, e, de outro lado, também não sabem aceitar ou filtrar a ingerência da família que, tacitamente, faz o que faz porque ama. Um caos completo, que hoje estão chamando de falta de inteligência emocional.
Além do conflito com o corpo e com o futuro, os adolescentes têm também todos os conflitos possíveis entre uma incipiente experiência de liberdade e as tentações do mundo, somadas aos conflitos ideológicos com parte do convívio social que, sem muito rodeio, escarnece da sua visão de mundo, de coisas que nós achávamos o máximo na adolescência, enquanto que as demais pessoas do planeta acham bobo ou óbvio. Quer dizer que, até no campo invisível da formação da mentalidade e do caráter ser adolescente pode ser uma provação infernal. Sem falar, obviamente, na pressão que é beijar pela primeira vez, beijar de língua pela primeira vez e, sobretudo, transar pela primeira vez. O tema da perda da virgindade, inclusive, é praticamente uma divisão moral entre adolescentes, que só enxergam o mal da precocidade sexual depois que se arrependem de ter cedido à pressão próprio do grupo que não se entende, ou depois de ter realizado quaisquer coisas que, se pudesse ter de fato deliberadamente escolhido, deixaria quieto.
Nesta fase super conturbada da vida, por todos os tipos de pressões e dúvidas que há entre a infância e a vida adulta, portanto, os adolescentes possivelmente poderão, e provavelmente irão, sofrer com o problema da ansiedade e os seus sintomas. Não é bom dizer que a ansiedade é uma coisa normal, embora ela tenha níveis mais e menos graves. Tampouco seria correto estigmatizar a questão enquanto algo anormal. Porém, na necessidade de abordar estas crises de ansiedade que nossos adolescentes enfrentam, infelizmente, é necessário dizer a verdade nua e crua, pois, se nem normal e nem anormal, a ansiedade tornou-se nos últimos anos uma coisa comum, diária, cotidiana, semanal, visível, evidente, nociva, crescente e, segundo as últimas notícias do país, contagiante.
O contágio da ansiedade era para a maioria de nós algo desconhecido, ou mesmo impossível. Contudo, há aproximadamente uma semana atrás que na cidade de Recife, numa escola estadual da zona norte da capital, 26 estudantes apresentaram os sintomas mais agudos da ansiedade, como choro compulsivo, falta de ar, taquicardia, tremor, nervosismo, intempestividade e descontrole muscular, todos ao mesmo tempo, o que exigiu uma ação coordenada de vários socorristas tecnicamente preparados para acudir os adolescentes que passavam pelos sintomas. A ansiedade é uma patologia que está no campo das doenças que atacam a saúde mental, que por sua vez se em desequilíbrio agride outras partes do funcionamento do corpo, e que exige muitas vezes, além de sensibilidade, acompanhamento médico, clínico, terapêutico, de vez em quando psiquiátrico.
E o que a gente, que já estamos no time dos adultos, podemos fazer por eles, o time dos adolescentes, que são o futuro próximo da nação? Primeiro, vamos parar de exigir deles a perfeição, não saber resolver uma equação não é lá um defeito tão ruim. Segundo, uma vez que a gente acabou de se lembrar de todos os exercícios de matemática que não sabemos fazer, deixemos nossos adolescentes saborearem os erros em vez de só castigá-los e pronto. Ensinar a ter maturidade para errar. Tipo assim, chegou em casa fora do horário? Ou mentiu? Ou gritou com a mamãe? Ou, desrespeitou o coleguinha? Ou brigou na rua? Pois bem, para todas estas situações sempre dá pra endurecer e não perder a ternura. Fórmula: isto que você fez está errado pelo motivo x, as consequências costumam ser y, mas por enquanto serão apenas z, e se você quiser continuar errando por aí, fica à vontade, porque a vida é tua e quem sofrerá no final, especialmente, será você mesmo. Deu certo no amor? Que bom, excelente! Não deu certo? Que pena. Mas o tempo, a vida, as dificuldades, os interditos, as incompatibilidades, o acaso, ensinarão do mesmo jeito, talvez até melhor que a gente possa conseguir. Quantas coisas a gente aprendeu na marra e vida que segue? Não sejamos hipócritas, então, nossos adolescentes erram também.
Terceiro, é necessário conversar sobre tudo e sem tabus. Se um adolescente confiar em você a vida dele se tornará mais fácil, pois, terá um ponto de referência. Mas, se ele não confiar, dificilmente a gente vira o jogo. E para ganhá-lo é bom saber que quaisquer assuntos valem a pena. Então fala de política com ele, de sexualidade, de família, das instituições, da escola, da vida adulta, de ganhar dinheiro, de pagar imposto, de ter dívida, de se dar mal, de se decepcionar, de criar expectativa, de ter desejos impossíveis, de tudo aquilo que a gente já sabe razoavelmente como é, mas para os adolescente é bastante nebuloso. Conversar, ouvir, saber discordar e entender que a discordância é normal, poderá gerar neles a sensação que o ser contraditório que ele é talvez seja menos problemático do que ele pensa.
Quarto, último, e mais importante ponto, não sejamos toscos de submeter às sensações dos adolescentes estes moralismos do tipo “isto é falta de carpir um lote” ou “na minha época, eu apanhava” ou “você não sabe o que é a vida ainda” e etc. A vida de um adolescente hoje é muito mais complexa e cheia de demandas do que foi há uma década atrás, o mundo hoje é mais perigoso, a competição está mais acirrada, a exposição da vida é totalmente descontrolada, a privacidade é escassa, as formas de discriminação extrapolam o mundo concreto e atingem virtual e remotamente, e os modelos teóricos que explicam o mundo como ele era não fazem mais o mesmo sentido para o hoje. Se adolescente é um bicho diferente, eu, hoje adulto, preciso confessar, eu duvido que a maioria de nós faria melhor do que eles fazem.