Medidas contra a corrupção
No dia 20 de março de 2015, membros do Ministério Público Federal (MPF) lançaram a campanha intitulada “10 Medidas contra a Corrupção”. As medidas propostas eram:
- Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação;
- Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos;
- Aumento das penas e crime hediondo para a corrupção de altos valores;
- Eficiência dos recursos no processo penal;
- Celeridade nas ações de improbidade administrativa;
- Reforma do sistema de prescrição penal;
- Ajustes nas nulidades penais;
- Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2;
- Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado;
- Recuperação do lucro derivado do crime.
O objetivo é que fossem apresentadas propostas de alteração legislativa por meio de projetos de inciativa popular, nos termos do art. 61, §2° da Constituição Federal, que dispõe: “A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.
Com o lançamento da Campanha, passaram a ser realizadas atividades para a coleta de assinaturas de eleitores em todos os cantos do país, até que o total de assinaturas foi conseguido e as propostas de leis foram apresentadas à Câmara dos Deputados.
Depois de um rápido trâmite na Câmara dos Deputados e, coincidentemente, no dia 29 de novembro de 2016, dia imediatamente seguinte ao da tragédia envolvendo o time de futebol da Chapecoense, que ceifou a vida de 71 (setenta e uma) pessoas, a Câmara dos Deputados votou o “Pacote Anticorrupção”, aprovando uma versão bastante desfigurada se comparada com a proposta original.
A principal alteração foi a aprovação de uma nova lei de abuso de autoridade (que acabou se tornando a Lei n° 13.869, de 5 de setembro de 2019). Assim, ao contrário de se aprovar leis mais rigorosas em face de atos de corrupção, foram aprovadas medidas visando punir os “abusos de autoridade” praticados por membros da Magistratura, do Ministério Público e das forças policiais.
Bom, mas voltemos às medidas contra a corrupção.
Inicialmente, forçoso reconhecer que muitas das medidas simplesmente foram totalmente ignoradas e ainda esperam uma nova chance para, eventualmente, ingressarem no ordenamento jurídico brasileiro. Dentre tais medidas que não foram aprovadas estão: prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação (1ª); aumento das penas e crime hediondo para a corrupção de altos valores (3ª); eficiência dos recursos no processo penal (4ª); reforma do sistema de prescrição penal (6ª); ajustes nas nulidades penais (7ª); responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2 (8ª) e recuperação do lucro derivado do crime (10ª).
Com relação às outras medidas propostas, alterações legislativas posteriores produziram praticamente o efeito inverso, ou seja, além de as medidas de combate à corrupção não terem sido aprovadas, foram aprovadas medidas diametralmente contrárias às propostas. Vejamos.
Como vimos acima, uma das propostas apresentadas era a “criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos” (2ª) a qual, como já mencionado, não foi aprovada. Contudo, com a aprovação da Nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 14.230, de 25 de outubro de 2021), foi alterada a redação do inciso VII, do art. 9° da Lei de Improbidade, o qual passou a ter o seguinte teor: “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos atos descritos no caput deste artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução”, em substituição ao texto anterior: “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”.
Assim, se antes bastava que fosse demonstrada a “variação patrimonial a descoberto” (ou seja, a aquisição de bens em valores superiores às rendas declaradas) para a configuração do ato de improbidade, agora é necessário provar que essa “variação patrimonial” foi realizada com valores recebidos ilicitamente em razão do cargo ocupado pelo funcionário público acusado para que se possa caracterizar o ato de improbidade.
Mudança semelhante acabou atingindo a 6ª Medida proposta, ou seja, “reforma do sistema de prescrição penal”, pois, além dessa reforma não ter ocorrido, o sistema de prescrição da Lei de Improbidade Administrativa foi alterado. Se antes o prazo era de 5 (cinco) anos a partir do momento em que o funcionário público deixava o cargo no qual cometeu o ato de improbidade (prazo de se contava apenas do término do segundo mandato, no caso de reeleição), agora o prazo é de 8 (oito) anos, contados, contudo, a data da ocorrência do ato de improbidade. Assim, se um chefe do Poder Executivo que cometer um ato de improbidade em seu primeiro dia de mandato for reeleito e o seu ato não for descoberto, estará prescrito no último dia de mandato (antes o prazo começaria a contar a partir do primeiro dia após o término do mandato).
Além disso, a proposta de determinação de “prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado” também não foi aprovada e, ainda, deixou de ser autorizada a prisão automática em 2ª Instância, a partir da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2019.
Como se vê, as medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público, além de não terem sido aprovadas, foram desvirtuadas, sendo aprovadas medidas completamente antagônicas às apresentadas.
Isso talvez justifique o fato de o Brasil permanecer extremamente mal classificado no ranking do Índice de Percepção da Corrupção 2020, ocupando a 94ª posição dentre os 180 países pesquisados. Será que um dia essa situação mudará?