‘Deus toma conta da minha agenda’, conta enfermeira obstetra

Neste domingo (11), quando se comemora o Dia das Mães, histórias de acolhimento, cuidado e amor ganham ainda mais significado. É o caso da enfermeira obstetra Claudineia da Silva Aleixo Motroni, mais conhecida como Neia Aleixo, que tem dedicado sua carreira a acompanhar mulheres no momento mais marcante de suas vidas: o nascimento de seus filhos.
Cada vez mais mulheres têm buscado um parto normal com abordagem humanizada — e Neia atua exatamente nesse processo, oferecendo consultoria durante a gestação e também no período da amamentação. Seu trabalho se destaca pela preparação emocional das gestantes, com encontros semanais a partir da 30ª semana de gravidez, promovendo relaxamento e fortalecendo a conexão entre mãe e bebê.
“Nem todo parto é como o planejado e nem toda amamentação é simples, mas estar ao lado dessas mulheres faz toda a diferença”, afirma Neia, que já ajudou cerca de duas mil famílias ao longo de sua trajetória profissional.
Com rotinas intensas e partos que às vezes acontecem de forma inesperada, ela precisa se desdobrar para atender gestantes em momentos decisivos. Mas ver mães e filhos saudáveis — e reencontrá-los tempos depois — é sempre motivo de alegria. “Algumas voltam a me procurar quando engravidam novamente. Isso é muito especial”, conta.
Neste Dia das Mães, histórias como a de Neia Aleixo reforçam o valor do cuidado profissional e humano no momento do nascimento. Mais do que técnica, o que ela oferece é acolhimento — um verdadeiro presente para as mães que cruzam seu caminho.
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MN – Como é o seu trabalho?
Neia Aleixo – Eu sou enfermeira de formação. Enfermeira obstetra. Trabalho com mulheres que desejam parto normal, humanizado, e trabalhamos com o preparo delas. Levamos conhecimento, a parte técnica, porque hoje na internet elas têm acesso a muita informação, e algumas são exageradas, incompletas ou têm apenas uma visão de um lado, e precisamos levar esse conhecimento para elas.
MN – Além do parto, também ajuda com amamentação?
Neia Aleixo – Trabalho com a preparação para o parto e trabalho com a amamentação, que é uma jornada muito desafiadora, até mais que o próprio parto. O parto é um evento agudo de um dia só, enquanto a amamentação pode durar até dois anos, e em cada fase do desenvolvimento da criança, a amamentação está envolvida e é um grande desafio para a mãe.

MN – Como você começou?
Neia Aleixo – Eu não sei dizer. Acho que, na verdade, não fui eu que escolhi trabalhar com isso, isso me escolheu. Não estava nos meus planos e, quando vi, já estava até o pescoço nisso. Hoje, atendo na avenida das Esmeraldas, temos um consultório lá, e atendo essas mulheres. Muitas vezes, elas me procuram assim que recebem a notícia da gravidez ou pretendem engravidar.
MN – As mulheres procuram orientação sobre médicos e o que devem fazer a partir da descoberta da gravidez?
Neia Aleixo – Sim. Fazemos toda essa orientação para quem nos procura cedo, encaminhando para o perfil delas e os médicos que melhor se encaixam. Também assisto o parto. Além da preparação que fazemos, nos encontrando semanalmente depois das 30 semanas. Na verdade, de 30 a 40 semanas, dá umas 10 semanas de encontros. Estabelecemos vínculo e faço com elas o que chamamos de hipnose para o parto, um preparo mental, de mentalização, um momento de relaxamento e conexão com o bebê, algo bem diferente e que elas gostam bastante. Quando começa o trabalho de parto, vou para a casa delas, fazemos toda assistência.
MN – E você está sempre em contato com o médico delas?
Neia Aleixo – No momento mais oportuno, com o trabalho de parto mais adiantado, vamos para o hospital, sempre em comunicação com o médico delas. Lá, trabalhamos o apoio emocional da mulher, apoiamos a parte técnica, como controlar o coração do bebê, acompanhar a dilatação, as posições e os exercícios que ajudam. Também lidamos com o desafio da amamentação, ficamos juntas por todo esse período.
MN – Como começou na enfermagem?
Neia Aleixo – Sou enfermeira de formação. Trabalhei em hospitais, me formei em Assis e fiz minha pós-graduação em Londrina (PR). Começamos a ver os desafios. Comecei a trabalhar com consultoria, e alguns médicos começaram a me chamar porque eu já trabalhava numa maternidade da cidade. Eles falavam que eu tinha paciência com as pacientes e me indicavam para os partos normais. Começou assim. Fui estudando, fazendo cursos. A gente aprende na faculdade de um jeito, mas no serviço, principalmente no público, de outro. Quando propomos um trabalho como esse, é totalmente diferente. Temos que nos alinhar ao novo, e o novo hoje é a humanização, é olhar a mulher como um todo, respeitar o parto de maneira fisiológica, sem tentar intervir, mas com muita responsabilidade. Comecei a perceber muita dificuldade com a amamentação, por exemplo, de não ter soluções práticas para alguns problemas que elas apresentam, que hoje para mim são rotineiros, mas naquela época eu não tinha informação.

MN – Como se especializou nessa área de amamentação?
Neia Aleixo – Fui para Belo Horizonte (MG) e fiz um curso de formação em consultoria de amamentação. O curso que fiz é do Instituto Mame Bem, famoso internacionalmente. Fui para Brasília (DF), São Paulo também. Fomos buscar esse conhecimento para construir essa proposta de trabalho com essas mulheres e famílias.
MN – A amamentação costuma fluir com naturalidade para todas as mães?
Neia Aleixo – Para algumas mulheres, isso acontece, flui, mas para a grande maioria, precisa de ajustes. A amamentação não é tão natural quanto esperamos. Tem o peito, o bebê. Tem uma série de ajustes, senão se torna muito sofrido, machuca muito a mãe. Ver a mulher com dor para amamentar é terrível. Amamentar não é para doer, mas amamentar com uma lesão é muito difícil, pois é uma região do corpo muito sensível e não exposta, a pele é fina. Um bebê vai mamar pelo menos oito vezes ao dia. Se essa mulher não tiver informação adequada, vai machucar a ponto de ela não ter mais prazer em amamentar.

MN – Além da dor para a mãe, existem outros fatores importantes que precisam ser trabalhados?
Neia Aleixo – Algumas crianças ficam com muitos gases. Precisamos ajustar a mamada. Às vezes, precisa de ajustes com o bebê, procurar profissionais como fono, odontopediatra, osteopata ou um pediatra que entenda sobre amamentação. É muito fácil receitar fórmula. A mãe pensa que não tem leite suficiente. Dá a primeira mamadeira, o bebê sacia, dorme, e você pensa que era fome. Isso invalida a mulher, ela fica insegura e fica pensando se produz o suficiente para o filho. Isso entristece muitas mulheres.
MN – A maior parte das mulheres enfrentam problemas na amamentação?
Neia Aleixo – É a maior parte. Amamentar não é algo tão simples. Hoje, a sociedade está diferente. Para amamentar, você precisa estar disposta a sentar 24 horas do seu dia e estar à disposição de um bebê. Nem todas as mulheres, além da dor, não têm conhecimento. Na primeira fragilidade, às vezes, recebo diariamente no consultório. Bebê com baixo peso, mulheres com dor ao amamentar. O bebê pode acabar trocando, fazer confusão de bico, de fluxo. O desmame no Brasil hoje é alto. O Ministério da Saúde orienta até dois anos, mas a minoria chega aos seis meses de forma exclusiva.
MN – A indústria de fórmulas também é forte?
Neia Aleixo – Muito forte. Você vê cada vez mais mamadeiras diferentes, mais fórmulas. As pessoas não têm noção que o que pagariam numa consulta, economizariam talvez anos de fórmula.
MN – Hoje as mulheres estão engravidando mais velhas? Estão deixando para engravidar com uma idade mais avançada?
Neia Aleixo – Sim, isso é reflexo da nossa sociedade. Quando a mulher vai para o campo de trabalho, estudar, se especializar, isso acaba ficando para depois. Vemos um grande número de mulheres congelando óvulos porque estão num ritmo de trabalho, estudo. Outras deixam o casamento para segundo plano. Isso mudou bastante o perfil.
MN – De quando você começou para agora, o perfil mudou?
Neia Aleixo – Mudou. Sou enfermeira há quase 25 anos. Mudou muito ao longo dos anos.
MN – Você também é mãe?
Neia Aleixo – Sou mãe, tenho dois filhos. O João, que vai fazer 25, e a Valentina de 10 anos.

MN – Quando foi mãe pela primeira vez, teve as dificuldades que essas mulheres têm hoje?
Neia Aleixo: Todo mundo passa por dificuldades, umas mais, outras menos, mas todas passamos. Eu tinha 21 anos quando fui mãe do meu primeiro filho. Certamente tive dificuldade, tive dor ao amamentar, mas o que se falava naquela época era que isso era normal. Foi o que fiz. Com a minha filha, eu já tinha um pouco mais de conhecimento, era mais velha. Tinha 37 anos quando ela nasceu. Mas ainda não tinha o conhecimento que fui ter quando ela tinha uns três ou quatro anos, que comecei a estudar a fundo amamentação para trazer soluções. Precisava trazer soluções para casos que me procuravam, e eu ficava com vergonha, porque a gente não aprende. Sobre amamentação, ninguém aprende na faculdade, ninguém ensina nos hospitais. É um trabalho especializado. A gente não tinha conhecimento.
MN – Hoje isso mudou?
Neia Aleixo – Hoje as pessoas conhecem mais por causa da internet. O alcance mudou. Hoje, talvez seja mais comum ouvir falar em consultoria de amamentação. Há 10 anos, eu não conhecia nenhuma para me ajudar. Tem evoluído bastante essa questão. O acesso à informação é um grande marcador no avanço do nosso trabalho, das pessoas entenderem, terem consciência de que é um trabalho que faz diferença e pode realmente fazer muita diferença nas vidas das famílias. Se você melhora o vínculo mãe-bebê, se melhora a amamentação e ela consegue perdurar, estamos impactando não só aquela geração, mas a mãe, a geração do filho e a geração do filho do filho.
MN – Quais são os principais benefícios do parto normal e da amamentação?
Neia Aleixo – Vou começar do parto, que é o começo. Nosso corpo é programado para gestar e para nascer. A dinâmica da nossa vida mudou. Alimentação, jeito de viver, andamos de carro, ninguém anda a pé, agacha. Mudou o perfil. Mas os benefícios do parto normal são que ele é natural, menos invasivo, importante para a adaptação do bebê aqui fora. Durante o estresse das contrações, ele prepara a criança para o amadurecimento pulmonar, para respirar melhor quando nasce. Hormonalmente é melhor. As contrações disparam hormônios no corpo da mulher que favorecem o bebê e a amamentação. Deus faz tudo certo, não tem erro no que Ele criou. Deus criou o parto normal assim.

MN – Existem mães que se preocupam com as dores no parto?
Neia Aleixo – Tem gente preocupada com a dor, mas precisa entender que dos dois jeitos vai doer. A diferença é que um dói antes (normal), outro dói depois (cesárea). O processo envolve dor, mas é uma dor com propósito, não sofrimento. Quando as mulheres entendem isso, querem viver porque a recuperação é melhor. A mulher que faz parto normal não tem um corte enorme na barriga. Ela termina o parto, tem cuidado com o períneo às vezes, mas ela está pronta, levanta, vai tomar banho, pronta para cuidar do filho. Muitas buscam parto normal porque tiveram cesárea do primeiro filho e, como ele ainda é pequeno, querem a experiência do parto normal para ter uma recuperação melhor.
MN – Quais os benefícios para o bebê e sobre a amamentação?
Neia Aleixo – Para o bebê tem a maturidade. Ele nasce pronto, na hora dele, menos risco de intervenção, de hemorragias, de intervenções desnecessárias. Não é uma cirurgia altamente invasiva. Na amamentação, aumenta o vínculo, é natural, é o alimento ouro no planeta, o mais perfeito que existe, feito do DNA da mãe para o DNA daquele bebê. É o alimento ideal. O bebê tem preservação da memória imunológica da mãe, com vacinas. O leite materno ajuda na formação da flora bacteriana intestinal, que confere imunidade ao bebê. Isso é conquistado tanto no parto normal quanto na amamentação. Sem contar que é economicamente mais barato, sustentável e ecologicamente correto, não produz resíduos.
MN – Não conseguir amamentar é uma frustração para muitas mães?
Neia Aleixo – Algumas conseguem passar e seguir, outras não, por vários motivos. Quanto ao parto, o que penso é que o parto normal não é para todo mundo, assim como o seu trabalho não é para todo mundo, o meu não é. E está tudo bem. Mas a amamentação geralmente pega muito para as mulheres. Também não é para todo mundo, mas é uma coisa que mesmo aquela que não optou pelo parto normal, ela quer viver a amamentação. Porque ela entende que a amamentação aumenta vínculo, fortalece o sistema imunológico do bebê, é uma outra conexão. É a forma de se conectar com o bebê fora.

MN – Como você se programa para o parto?
Neia Aleixo – Para os partos, vejo a data estimada e deixo mais ou menos reservada. É mais ou menos assim, porque às vezes não acontece na data, às vezes tem correria, o pessoal te liga de madrugada. Essa noite eu passei no quarto. Cheguei em casa era 5h da manhã. Cheguei lá no hospital umas 22h e o nenê nasceu às 3h10. Cheguei em casa perto das 5h, porque tenho todo esse pós com elas que vou ajudar.
MN – Como você consegue programar uma viagem ou férias?
Neia Aleixo – Nossa vida é assim. É normal isso para nós. Nossa vivência é de ‘uma vida sem rotina’. Tô sem férias com minha família faz dois anos. Não conseguimos viajar, tirar férias. É uma vida que a gente não tem muita rotina. Hoje tenho agenda, mas não sei se vou cumprir. Pode me ligar e ter que sair correndo e cancelar tudo que tenho naquele dia.
MN – Já aconteceu de ter partos muito próximos um do outro?
Neia Aleixo – Muito. Mês passado tive um que achei que ia ter um treco. Tive três partos em dois dias. Fiquei quase três dias sem dormir. Foi muito puxado. Resolveram nascer tudo junto.
MN – Mas deu tempo de atender todo mundo?
Neia Aleixo – Ah, deu sim. Graças a Deus. Acabou um, começou outro. Várias vezes aconteceu isso. Falo que Deus é que toma conta da minha agenda. O nascimento é algo Dele, e a gente precisa confiar. Para o médico também é a mesma coisa. Às vezes, ele pode ter mais de uma paciente, igual agora estamos com a mesma médica, duas pacientes aguardando. Pode acontecer de chocar? Pode.

MN – Hoje você só atua nessa área de cuidar de mães e de crianças, de amamentação e parto?
Neia Aleixo – A enfermagem é muito mal remunerada. Enquanto trabalhei no hospital, sempre tive dois empregos. Sempre. Hoje, graças a Deus, consigo me manter só com meu consultório. Só que faço várias coisas. Trabalho com parto, que é meu carro chefe, trabalho com amamentação, trabalho com brinco (perfuração de orelha) e trabalho um pouco com laser e ozônio, que fecha feridas.
MN – É quase uma vocação pelo trabalho?
Neia Aleixo – As pessoas olham pro nosso trabalho, principalmente por sermos da área da saúde, e tem aquela frase batida ‘enfermagem por amor’. A gente trabalha porque ama o que faz, mas como todo mundo, precisamos receber. Nosso tempo é valioso. Você vende seu tempo, eu vendo o meu. Precisamos, não tenha dúvida. Mas quando fazemos com amor, quando entendemos que é chamado, propósito, é diferente. Não pesa.
MN – Você tem uma ideia de quantas mães você já ajudou?
Neia Aleixo – Sabe que me perguntaram isso, e eu precisava pegar os documentos que tenho, porque cada parto é documentado. Só que não é digital, é tudo manual. Precisava sentar com tempo e ver isso. Mas imagino por alto, que já atendi umas duas mil famílias.
MN – Como é depois você encontrar essa mãe com a criança já grandinha?
Neia Aleixo – É muito legal. Falo que é a satisfação da nossa vida. Às vezes, passa tempo, e a gente não reconhece. Elas mudam. Porque quando vejo elas, estão grávidas e depois recém-paridas. A gente vê elas tão magras, com o cabelo de outra cor, as crianças estão grandes. Mas é muito bom. Falo que é uma dádiva mesmo. Tem família que já acompanhei o quarto nascimento. Isso não tem palavras, é maravilhoso quando voltam. É um baita presente pra gente.