A parábola do boneco de neve
Já revirei a internet em buscas e pesquisas, mas ainda não consegui localizar o nome deste filme de animação. Só lembro que assisti na antevéspera de um Natal da minha infância, passada integralmente na casa dos meus pais – aliás, a mesma onde eles vivem até hoje – em Paraguaçu Paulista, a 80 quilômetros daqui de Marília.
Naquele ano, final da década de 1980, o Natal cairia numa terça-feira, então a véspera seria na segunda e a programação de domingo das emissoras foi toda dedicada à temática natalina. Em casa, a TV só pegava 5 canais: Bandeirantes – que quase ninguém via – SBT, Manchete, Cultura e Globo. ‘Bambalalão’ passava na Cultura, na Bandeirantes tinha desenhos antigos, o do Space Ghost era o meu preferido. Na Globo, via novelas e o Jornal Nacional.
Lembro, por exemplo, da notícia da morte do poeta Carlos Drummond de Andrade e o que marcou foi que na matéria informaram que poucos meses antes sua filha havia falecido. O SBT era ver o Silvio Santos, a ‘Sessão das Dez’ e também o Gugu. E foi na programação de Natal daquele ano, no SBT, que assisti a uma animação. No dia, o desenho me causou profunda tristeza e, mais tarde, me trouxe um grande – e verdadeiro – ensinamento. A história se passa no Polo Norte, onde um boneco de neve ao querer ver os fogos de artifícios da virada do ano, encantado com tanta luz, vai se afastando do ponto gelado do planeta e se dá conta de duas coisas: 1º, está perdido, e 2º, que, não sabendo voltar, irá descongelar totalmente assim que o sol aparecer.
Pronto, o sofrimento deste bonequinho de gelo – fofinho e inocente – toma conta de toda a animação. Sei que ele consegue a ajuda de pessoas bondosas que o socorreram, até de um garoto que tem um ‘super sopro’ e com este ‘super fôlego’, eles vão conseguir voltar de balão para o Norte.
Até hoje me emociono muito ao recontar essa trama que dei a interpretação de uma parábola. O Cristo ensinava por meio de parábolas, a do Filho Prodígio é perfeita e me ensina quase diariamente. A do boneco de neve aprendi a duras penas, pois algumas vezes, iludido pelos brilhos equivocados de determinadas situações, me afastei de mim mesmo e acabei perdido.
Sorte que sempre existem pessoas que Deus nos coloca no caminho para nos lembrar de quem realmente somos, de onde viemos, para onde iremos e porque vivemos. Muitas histórias tristes acabam se transformando em literatura, em música e em poesia. Semear a vida é também colher aprendizagem. E viver, invariavelmente, não tem como só escolher a parte boa, a parte onde não há sofrimento, nem solidão e nem dor.
O nosso enredo concentra riso, alegria e felicidade sim, contudo vivemos dissabores e tristezas, partidas e muitas perdas. Talvez aquele menino da infância do final dos anos de 1980 ao se emocionar com a inocência que levou o boneco de neve a quase sofrer o descongelamento, possa estar hoje aprendendo algo alusivo ao que “nem tudo aquilo que reluz, é ouro”. Antes de terminar a crônica ainda fiz, sem sucesso, mais uma pesquisa para saber o nome desta animação do bonequinho de neve. Não achei o nome, prometo não desistir da busca.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.