Bolsonaristas articulam tirar poder da AGU após governo Lula mirar fake news
Um grupo de deputados da oposição articulou duas frentes de reação a medidas do governo Lula (PT) contra fake news sobre a tragédia no Rio Grande do Sul.
A mobilização dos parlamentares atinge especialmente a AGU (Advocacia-Geral da União). O órgão comandado pelo ministro Jorge Messias encabeçou ações sobre o tema que desagradaram bolsonaristas.
De um lado, o grupo acelerou a tramitação de um projeto de lei que pode acabar com o recebimento de honorários por advogados públicos. Por outro, tenta extinguir uma estrutura da AGU que trabalha no combate às fake news, chamada Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia.
“A questão envolvendo o Rio Grande do Sul foi a gota d’água de uma série de iniciativas que a AGU tem tomado desde o início do governo Lula que, no nosso entendimento, não é de competência dela”, disse o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Filipe Barros (PL-PR).
Diante das mobilizações, o ministro entrou pessoalmente em uma articulação defensiva. Messias também foi procurado pelas associações de classe, receosas com o movimento.
Ele já tratou do tema com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Passou também a conversar com lideranças do Congresso e acionou procuradores da AGU para a tarefa.
O projeto de lei, apresentado em 2019, tinha relatório contrário à extinção dos honorários e caminhava lentamente. Mas, no início de junho, bolsonaristas conseguiram alterar o relator da matéria e, duas horas depois, uma nova versão do relatório foi apresentada dessa vez, concluindo pelo fim do recebimento.
Os honorários de sucumbência, alvo do projeto, representam cerca de um terço da remuneração dos advogados públicos federais. São os valores pagos pelas partes perdedoras dos processos aos advogados das partes vencedoras.
Filipe Barros diz que há na oposição um grupo que acredita que essas verbas devem ser extintas, mas admite a manobra para pressionar a AGU. “Temos que utilizar os instrumentos legislativos que temos à disposição para colocar um freio de arrumação na AGU”, disse o parlamentar do PL.
Na justificativa do projeto, o argumento é o de que as carreiras que representam a Fazenda Pública são formadas por meio de concurso público, têm estabilidade profissional e não há riscos típicos da advocacia privada.
No entendimento de pessoas próximas a Messias, a medida é uma forma de colocar “uma guilhotina” na cabeça do advogado-geral.
O projeto foi desengavetado pouco depois de a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, o órgão vinculado à AGU, receber a tarefa de lidar com as ações do governo contra fake news sobre a tragédia do Rio Grande do Sul.
A outra frente de atuação bolsonarista é um PDL (projeto de decreto legislativo) que susta os efeitos de portaria do Executivo que criou a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia. Essa estrutura foi criada em janeiro de 2023, início do governo Lula.
O PDL é de autoria do deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), de fevereiro de 2023. Na justificativa, diz que o órgão “pode servir de fundamento para a instrumentalização da censura daqueles que fizerem oposição ao governo”.
Desde o mês passado, deputados da base do presidente Lula passaram a atuar contra a aprovação da matéria, também reanimada nas últimas semanas pela oposição. Em sessão da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara na quarta-feira (19), os deputados bolsonaristas tiveram de recuar diante da possibilidade de serem derrotados.
Essa procuradoria da AGU foi responsável, por exemplo, pelo ingresso de uma ação, em 8 de maio, contra o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) por publicações em que dizia que o governo federal gastou com o show da Madonna no Rio de Janeiro e deixou de investir na calamidade no estado.
Dois dias depois, o governo criou uma sala de situação para lidar com as fake news no Rio Grande do Sul. A estrutura inclui o Ministério da Justiça, Polícia Federal e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência. Ficou definido que a Procuradoria de Defesa da Democracia da AGU faria a defesa extrajudicial judicial da União contra notícias falsas.
A estratégia, quando anunciada, foi criticada por parlamentares da oposição, que consideram que a decisão poderia promover censura e patrulhamento. Já em 4 de junho teve início a empreitada contra as verbas dos advogados públicos.
Houve uma tentativa de aprovar um requerimento de urgência (para tentar acelerar a tramitação), mas sem sucesso. A tática agora é que o texto seja apreciado na CCJ em caráter terminativo, sem necessidade de passar pelo plenário, seguindo direto para o Senado.
O projeto que prevê extinção dos ganhos é de autoria do deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). Após a manobra, o deputado Gilson Marques (Novo-SC) foi definido como novo relator.
Os parlamentares pretendem retomar a tramitação nos próximos dias. “Estamos apenas construindo maioria para a aprovação”, diz Barros.
Messias convidou e recebeu um grupo de opositores na sede da AGU para falar da situação. No gabinete do ministro, estiveram Filipe Barros, Bia Kicis (PL-DF), líder da minoria na Casa, Caroline de Toni (PL-SC), presidente da CCJ, e Van Hattem.
Na reunião, o ministro defendeu que a Procuradoria age de forma técnica e apenas mediante requisição, segundo relatos. Messias afirmou, também, que a AGU é uma instituição do Estado brasileiro, na defesa da democracia e dos agentes públicos federais, incluindo os próprios parlamentares.
Desde sua criação, o órgão recebeu 93 pedidos para atuação em enfrentamento à desinformação. Desse total, 53 foram indeferidos, 3 foram arquivados, 9 estão sob análise e 28 tiveram andamento.
Até o momento, foram 18 notificações extrajudiciais e nove ações contra fake news que atingiram, segundo a AGU, políticas públicas de interesse da União.
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POR ANA POMPEU