De novo as licitações
A regra válida para a Administração Pública é que toda aquisição ou contratação depende da realização de prévia licitação, a fim de que, dentre os interessados em fornecer algo ou contratar com o Poder Público, seja escolhida a melhor proposta.
Como já mencionado, contudo, essa é a regra, existindo exceções nas quais a contratação poderá ocorrer de forma direta, sem a realização de prévia licitação. São os casos de inexigibilidade e dispensa de licitação.
Inicialmente, contudo, importante deixar claro que a não realização de licitação não quer dizer que inexistem formalidades a serem observadas.
Neste sentido, o art. 72 da Lei nº 14.133, de 1° de abril de 2021, exige que seja formalizado um processo prévio anterior à realização da contratação direta, o qual deverá ser instruído: “I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo; II – estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei; III – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos; IV – demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido; V – comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária; VI – razão da escolha do contratado; VII – justificativa de preço; VIII – autorização da autoridade competente”.
A formalização deste processo prévio é necessária tanto no caso de inexigibilidade quanto de dispensa de licitações e tem como objetivo demonstrar o acerto da contratação direta e de que ela preenche os requisitos legais, inexistindo desvios que visem atender interesses pessoais em detrimento dos interesses públicos.
A primeira situação que permite a contratação direta consiste na inexigibilidade de licitação, a qual é cabível quando for inviável a competição. O art. 74 da Lei n° 14.133/2021 prevê algumas situações em que a competição é inviável: “I – aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos; II – contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública; III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação: a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos; b) pareceres, perícias e avaliações em geral; c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico; h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso; IV – objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento; V – aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha”.
Dentre tais opções de inexigibilidade, uma delas, infelizmente, é aquela na qual ocorre a maioria dos casos suspeitos de fraude. Trata-se da contratação “de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”. O problema está, justamente, na exigência de que o artista seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública, adjetivos bastante subjetivos e que admitem uma margem muito grande de interpretação.
Ao lado dos casos de inexigibilidade, nos quais a competição é inviável, temos os casos de dispensa de licitação, que são aqueles em que a competição é viável, mas, diante da ocorrência de algumas condições específicas, opta-se por não realizar a licitação e realizar a contratação direta.
O art. 75 da Lei n° 14.133/2021, em 16 (dezesseis) incisos e 17 (dezessete) alíneas, apresenta várias situações nas quais a licitação é “dispensável”. Isso significa que a Administração Pública, ao constatar a ocorrência de uma dessas situações, tem a opção de realizar ou não a licitação, de acordo com a sua oportunidade e conveniência. A título de exemplo, a Administração Pública poderá dispensar a licitação para as contratações que envolvam valores inferiores a R$ 100 mil no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores, ou até R$ 50 mil, nos casos de outros serviços e compras.
A licitação também poderá ser dispensada quando da “aquisição de medicamentos destinados exclusivamente ao tratamento de doenças raras definidas pelo Ministério da Saúde” (letra “m”, inciso IV, art. 75), alínea que deve ter sua inclusão inspirada pela pandemia de Covid-19.
Assim, preenchidos os preceitos legais, a contratação direta será lícita e permitirá que a Administração Pública ganhe agilidade, tornando mais eficiente a gestão da coisa pública.
Se, contudo, a contração direta ocorrer de forma ilegal, ou seja, sem a observância das formalidades legais, os seus responsáveis ficarão sujeitos às sanções do art. 337-E, do Código Penal (incluído pela Lei n° 14.133/2021), que prevê pena de reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, para a conduta de “Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei”.
O que se espera é que a lei seja devidamente cumprida e que as contratações diretas sejam realizadas de forma lícita, sem que seja necessária a aplicação do Código Penal.
Oxalá!