Condomínios de luxo assorearam represa Água do Norte, diz laudo
Um parecer expedido por setor técnico do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) aponta que o assoreamento da represa Água do Norte, integrada ao sistema Cascata, foi provocado pela construção de condomínios de luxo e de classe média alta na zona Leste de Marília.
Com a estiagem persistente, há aproximadamente dois meses, a captação de água naquele ponto precisou ser suspensa.
Segundo documentos da administração municipal, o acúmulo de sedimentos no fundo da represa e outros danos ambientais ameaçam o fornecimento de água para aquela região da cidade.
O laudo – assinado pelo analista técnico-científico Ângelo José Consoni – foi concluído no final de maio e entregue ao promotor José Alfredo de Araujo Sant’Ana, que solicitou investigação sobre a suposta ocorrência de crimes contra o meio ambiente.
Nos últimos dias, a Polícia Civil solicitou mais prazo para confirmação das graves informações existentes no parecer expedido no âmbito de um inquérito civil aberto ainda em 2018.
Diante de queixas de falta de água pela cidade e da ameaça atual de rodízio no fornecimento, a situação se torna ainda mais preocupante.
Há três anos, a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano de Marília constatou “intensa elevação na turbidez da água na represa Águas do Norte, em decorrência de inadequações em empreendimento imobiliário limítrofes, com risco ao abastecimento público da zona Leste”.
Desde então, uma série de tentativas de resolver o problema vem sendo tomada pelo Poder Público municipal, Promotoria, Polícia Ambiental e Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), inclusive com aplicação de multas (não pagas, ao menos a princípio). Entretanto, o problema persiste.
A análise do MP-SP se baseia em documentos públicos, perícia nos locais, imagens de satélite e estudos sobre registros e volumes de chuvas.
Entre as medidas sugeridas para regularização dos problemas está a instalação, em diversos empreendimentos imobiliários em construção ou concluídos, de dispositivos capazes de dissiparem “a energia da água pluvial lançada”. Cobrar tais medidas seria uma responsabilidade da Prefeitura.
RESPONSABILIDADE
O laudo técnico aponta que possuem grau alto de responsabilidade – pelo assoreamento na represa Águas do Norte – dois empreendimentos imobiliários, especificamente, o Residencial Silenzio Esmeralda e o Residencial Portal dos Nobres.
Juntos, os dois condomínios teriam contribuído para 70% do total do assoreamento, sem diferenciação entre eles.
O problema, no entanto, seria ainda mais antigo que a instalação dos residenciais que mais prejudicaram (segundo o laudo) o açude, remontando há cerca de 20 anos.
Conforme o parecer, também contribuíram com cerca de 30% do assoreamento os empreendimentos Residencial de Recreio Maria Izabel, Residencial Reserva Esmeralda, Residencial Cascata I, Condomínio Residencial Recanto das Esmeraldas II, Residencial Cascata II.
Em relação ao Portal dos Nobres, por exemplo, teria ocorrido o rompimento do talude da bacia de detenção de águas pluviais.
SILENZIO
O foco inicial da apuração era o Residencial Silenzio Esmeralda e a construtora responsável pelo condomínio. O empreendimento estaria envolvido com o carreamento – ou arrastamento – de solo para dentro do reservatório, e outros danos ambientais.
O documento apresentado pelo MP aponta que houve “movimentação de terra para execução do viário no empreendimento, em período de maior intensidade pluviométrica local e sem os adequados dispositivos de drenagem provisória, resultando no carreamento de grande quantidade de sedimentos para a Represa Água do Norte”.
Isso teria resultado no “subsequente assoreamento e redução da capacidade de reservação daquele manancial, acrescido de elevação da turbidez e de incremento dos custos de tratamento da água bruta captada”.
Ainda em 2018, representantes da empresa teriam prometido ao Departamento de Água e Esgoto de Marília (Daem) obras para mitigar os danos ambientais, bem como recuperar a área degradada e reverter o assoreamento. Posteriormente, no entanto, a autarquia não encontrou as melhorias anunciadas.
Ao longo do tempo, a Cetesb constatou outros problemas, como construção em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e impedimento de regeneração da vegetação nestas reservas. A construção do salão de festas em uma dessas áreas chegou a ser embargada.
Termos de Compromisso de Recuperação Ambiental foram firmados pelos responsáveis em relação ao Silenzio Esmeralda, mas teriam sido descumpridos.
O laudo técnico aponta ainda a existência de diversos pontos de erosão nas proximidades da represa e elevada taxa de perdas de mudas plantadas na região, bem como outras irregularidades.
Para ler a íntegra do laudo técnico, [clique aqui].
OUTRO LADO
A reportagem do Marília Notícia não conseguiu contato com a maioria dos responsáveis pelos empreendimentos citados nesta matéria. O espaço está aberto para manifestação e esclarecimentos.
No caso do Residencial Silenzio Esmeralda, o condomínio informa que foi contratada empresa especializada para a realização de serviços de terraplanagem e pavimentação. “Durante a execução do serviço, ocorreu uma maior intensidade pluviométrica no período e ao tomarmos conhecimento dos fatos, foram tomadas de imediato as medidas de contenção”, diz.
Em nota, a empresa pontua que o empreendimento possui cinco dispositivos dissipadores de energia de águas pluviais, como medida preventiva. “No tocante as áreas não edificantes de proximidade ao Itambé, o município exige 30 metros de recuo e distanciamento e o empreendimento atende lei federal que menciona 100 metros, dando uma maior proteção ambiental a área. Além desses fatos, que demonstram nossa responsabilidade socioambiental, a nascente existente na área primitiva, está devidamente protegida e preservada, contribuindo assim com o maior fornecimento de água ao município”, afirma.
O residencial destaca ainda que o empreendimento tem tomado todas as cautelas necessárias para evitar qualquer tipo de dano ambiental, inclusive estando arquivado o procedimento administrativo no tocante aos cuidados em área de preservação permanente (APP) com laudo favorável da polícia ambiental, estando todas as obras de benfeitorias devidamente regularizadas. “Em relação à informação sobre o Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental (TCRA), o empreendimento informa que está sendo cumprido regularmente”, pontua.
A nota na íntegra pode ser conferida, [clique aqui].
Já em relação aos residenciais Cascata I e Cascata II foi dada a resposta de que “não há como assorear a Represa do Norte”. “É de conhecimento, geográfico, que não temos como atingir a Represa do Norte”, disse um dos responsáveis pela construção.
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