Morte na USP faz 20 anos e mãe de estudante pede justiça
Vinte anos depois, com o processo arquivado na Justiça, a mãe e professora Yen Yin Hwa Hsueh, de 74 anos, ainda sonha com justiça e pede reabertura do caso. “Ainda não sei o que aconteceu com o meu filho. Após tanto tempo, só queria as fitas das filmagens que sumiram e nos prometeram”, diz. “Precisamos de justiça. Abafaram o caso.”
O jornal O Estado de S. Paulo localizou Yen Yin Hwa em uma espremida loja de presentes no Alto da Boa Vista, zona sul de São Paulo. Ela é a dona e única funcionária do estabelecimento, que não tem placa, apenas numeração. No alto da porta de entrada, há dez anos, está a placa “Aluga-se”.
A princípio, relutou a conversar pessoalmente. Por telefone, disse: “Quero ficar quieta”. Mas ontem aceitou conversar por uma hora. “É bom tirar do coração o que está preso.”
Yen Yin Hwa mora sozinha em Santo Amaro e não tem com quem conversar. O filho do meio, Emílio Hsueh, é engenheiro e mora em Jundiaí. O mais velho mora nos Estados Unidos, com a mulher e a filha, neta de Yen Yin Hwa. O pai do calouro morreu em 2008. “Ele já não comia. Ficou magro e doente. E morreu de depressão. Tudo por causa do meu filho que já foi”, diz ela. “Ele vinha no Ministério Público quase todo dia. Não se conformava”, conta a promotora responsável pela denúncia, Eliane Passarelli.
“Fico pensando que meu filho caçula está viajando para longe”, diz a taiwanesa Yen Yin Hwa. Ela conta que sente raiva da Justiça e da universidade. E considera injusto nunca ter recebido indenização. “O dinheiro não seria para mim. Eu queria indenização para poder fazer alguma coisa para ajudar pessoas a não sofrerem.”
‘Desumanos’
Uma das promotoras que atuaram no caso, Eliana afirma ter sido ameaçada, até de morte, na época que investigava o caso. Segundo ela, os filhos, à época com 12 e 14 anos, receberam ameaças de sequestro na escola. Ela não sabe, no entanto, os autores das ameaças. E diz que nunca denunciou por considerar que não valeria a pena, embora afirme ter notificado o próprio Ministério Público Estadual (MPE) e o procurador-geral do Estado da época.
A postura da comunidade médica, afirma Eliana, foi “totalmente corporativista” no caso. “Professores deram declarações e depois se desdisseram totalmente. Eles chegaram a fazer passeata na porta do fórum porque foram contra a gente ter feito a denúncia. Chegou a ser até ridículo e desumano”, diz ela.
‘Sombra’
Na denúncia oferecida pelo MPE à Justiça foram acusados quatro veteranos, hoje médicos: Frederico Carlos Jaña Neto (o Ceará), Ary de Azevedo Marques Neto, Guilherme Novita Garcia e Luís Eduardo Passarelli, o Tirico. Ceará foi o único estudante preso, por cinco dias, em 1999. O mandado de prisão ocorreu após a gravação de um vídeo em que dizia, em tom de brincadeira: “Eu sou o assassino do calouro da USP. Eu matei o japonês afogado”.
José Roberto Batochio, advogado de Jaña Neto e Marques Neto, disse que o processo foi “justamente arquivado”. “Foi um acidente igual ao que acontece mensalmente em clubes do Brasil e piscinas residenciais”, afirma ele.
Tirico é hoje médico do esporte e ortopedista, com clínica no Itaim Bibi, zona sul de São Paulo. Novita Garcia é especialista em mastologia e atende em uma clínica na Bela Vista, no centro. Jaña Neto é ortopedista e atende na região de Higienópolis. Marques Neto é cirurgião plástico e tem clínica com seu nome, no Jardim América. Chegou a ser nomeado médico preceptor da Disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP.
Procurado, o delegado do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) que investigou o caso, Marcelo Damas, não quis falar. A presidência da atual Atlética não respondeu. A reportagem também procurou Luís Passarelli, mas não obteve retorno. O advogado Aloíso Lacerda Medeiros, que atuou na defesa de Novita Garcia, não foi localizado.
Trote proibido
Em nota, a USP destacou que desde o episódio do calouro morto na piscina, a instituição proíbe trotes em quaisquer câmpus universitários. Um Disque-Trote foi criado um ano após a morte do estudante para receber denúncias de trotes violentos. Neste ano, duas décadas após a tragédia, a instituição lançou também um aplicativo.
A sindicância feita pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) concluiu que não houve responsáveis diretos pela morte de Hsueh. Em nota, a faculdade informou que em dezembro de 2014 reforçou, por meio de três portarias, o veto ao “trote ou qualquer atividade que atente contra a integridade física e moral, além da proibição do comércio e consumo de álcool em quaisquer atividades relacionadas à recepção dos calouros, interna e externa do câmpus”.
Além disso, informa a faculdade, “todas as atividades de recepção aos calouros são organizadas e têm proposta detalhada aprovada pela Comissão de Integração da FMUSP”.
Segundo a faculdade, também foram criados espaços que dispõem de serviços e programas voltados para o suporte dos alunos. “É uma rede interligada para o acolhimento, providências e acompanhamento, visando ao bem-estar e à integridade de todos que fazem parte da instituição”, informa.
Estupros
Nos últimos anos, a Faculdade de Medicina da USP se viu envolvida em nova polêmica, desta vez relacionada a abusos sexuais em festas universitárias. Em 2014, alunas da unidade denunciaram terem sido estupradas em festas promovidas por estudantes da instituição. As denúncias motivaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa e investigação do Ministério Público Estadual. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.