Prefeituras levam reabertura à Justiça, mas resultados são diferentes
A Prefeitura de Marília vem sofrendo sucessivas derrotas jurídicas na tentativa flexibilizar medidas restritivas para controle da Covid-19, como o fechamento de comércio e serviços não essenciais. Por outro lado, o resultado foi totalmente diferente para outros dois municípios da região, o que chama a atenção.
O decreto do governador João Dória (PSDB) já deixou de ser seguido à risca em Tupã e Bastos, que iniciaram na segunda-feira (11) a retomada da atividade econômica.
Ambos os municípios foram atendidos por decisões de caráter liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em mandados de segurança – julgados pelo mesmo desembargador – contra o chefe do Executivo estadual.
O Marília Notícia questionou o TJ-SP, por meio da assessoria de comunicação, a respeito de decisões tão diferentes sobre do mesmo tema, já que esta semana o presidente da Corte paulista manteve a obrigatoriedade de Marília seguir o que manda o Estado – ou seja, a prorrogação da quarentena até o fim do mês.
O órgão informou que “as análises dos processos são feitas por cada magistrado em cada processo, respeitada sua independência e livre convencimento, tendo como base os critérios legais e os documentos juntados aos autos. Em caso de discordância da decisão, é cabível recurso pelas partes”.
Para tentar entender as diferenças e explicar ao leitor, o MN procurou juristas e fez uma retrospectiva da situação em cada localidade.
Pandemia nos tribunais
A principal diferença entre Marília, Bastos e Tupã é o fato de que nas cidades menores as próprias prefeituras procuraram a Justiça para reivindicar a reabertura do comércio – isso, em meados de abril. Ou seja, foram utilizados diferentes “remédios jurídicos” para enfrentar o problema.
Em Marília, a judicialização começou mais cedo e com o Executivo municipal pressionado, alvo de uma ação do Ministério Público (MP) que, na prática, obriga o fechamento físico das lojas não essenciais enquanto o Estado determinar. Ou seja, a Prefeitura de Marília não foi a autora do processo.
No final de março o prefeito Daniel Alonso (PSDB) sinalizou a possibilidade de reabertura – com restrições – após buzinaço no Centro, o que motivou a reação da promotoria.
Em liminar, três dias depois, a Vara da Fazenda Pública de Marília fixou multa diária de R$ 100 mil caso as decisões da Prefeitura frente à pandemia destoem dos decretos pulicados pelo governador João Dória. Mais tarde a decisão liminar foi confirmada por sentença em primeira instância.
Além a ação movida contra a Prefeitura pelo MP, houve outro processo iniciado na comarca. A Associação Comercial e Industrial de Marília (Acim) ingressou com mandado de segurança contra o decreto do prefeito Daniel Alonso também na tentativa de retomar as atividades vetadas. O pedido da entidade foi negado.
O município de Marília fez ainda duas tentativas de reverter a situação. A primeira foi através de recurso chamado agravo de instrumento no TJ-SP contra liminar que mandou a cidade seguir caminhando com o Estado. O pedido foi igualmente negado.
Uma segunda tentativa, paralela, sequer foi analisada. No recurso chamado reclamação, feito ao Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia negou seguimento do pedido sem analisar seu conteúdo (ou mérito). O documento ainda não foi disponibilizado ao público.
Tupã e Bastos
As prefeituras dos municípios da Alta Paulista, conforme explica o prefeito de Tupã, Caio Aoqui (PSD), não ficaram em nenhum momento no polo passivo, ou seja, não foram representadas ou interpeladas judicialmente.
Enquanto Marília já se defendia na Justiça, os prefeitos das localidades vizinhas foram autores de ações cíveis contra o governador do Estado por “Violação aos Princípios Administrativos”. Pedidos de liminar, em primeira instância, também chegaram a ser negados.
“Nós não recorremos. Desistimos da ação local e impetramos um mandado de segurança no Tribunal de Justiça. Primeiro o de Bastos e, depois, o nosso, tiveram resultados favoráveis”, disse Aoqui. Ambas as liminares no TJ foram concedidas pelo desembargador Jacob Valente.
O magistrado autorizou os prefeitos a editarem atos normativos para disciplinar a suspensão e o retorno da atividade econômica local a partir do dia 11 de maio, “desde que pautados em dados estatísticos e científicos epidemiológicos do Ministério da Saúde e da Secretaria de Estado da Saúde” e sem afronta direta às determinações do Estado – o que na prática vem acontecendo.
Recentemente o MP informou ao MN que avalia quais medidas podem ser tomadas.
Análise
Professor de Direito Constitucional, Emerson Ademir Borges de Oliveira é doutor em Direito de Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e leciona na Universidade de Marília (Unimar).
Ele vê muitas diferenças entre os casos de Marília e das outras localidades – ao longo das diversas decisões judicias – mas acredita que a escolha do instrumento jurídico faz muita diferença, além do entendimento de quem vai julgar.
“É a forma como o instrumento é utilizado. Não sei o motivo de não ter tido seguimento, mas a Reclamação do STF me pareceu bastante adequada, porque o próprio Supremo já havia deliberado sobre a autonomia dos municípios”, destacou.
Tayon Berlanga, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Marília e professor de Direito, acredita que o TJ-SP é o âmbito mais adequado para se discutir o assunto já de início.
“O ato que está fechando o Estado é do governador, logo o Juízo competente para a matéria é o Tribunal da Justiça. Entendo que Tupã, juridicamente, agiu adequadamente entrando direto no TJ e comprovando, principalmente, os índices pequenos de contaminação e que sua estrutura de saúde não sofre sobrecarga”, afirmou.
Fontes da área jurídica e política, porém, acreditam que decisões que reduzem as restrições do decreto estadual em Bastos e Tupã são frágeis e os decretos podem ser considerados ilegais em breve.
“A ordem judicial é clara em dizer que deveria ter aval da secretaria de Estado da Saúde e as prefeituras não buscaram esse aval. Outro ponto é que os municípios poderiam editar medidas diferentes a partir de 11 de maio, considerando a flexibilização no Estado, o que não aconteceu, já que houve prorrogação do decreto do João Doria”, disse um dos interlocutores do governo Daniel Alonso, que pediu para não ser identificado.