Ministro quer ultraprocessados e agrotóxicos com ‘imposto do pecado’ e carnes com tarifa zero
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, defende a taxação dos produtos ultraprocessados e agrotóxicos pelo IS (Imposto Seletivo) na regulamentação da reforma tributária. Na direção oposta, ele defende a desoneração das carnes com a inclusão da proteína animal na lista de produtos da cesta básica nacional, que terão alíquota zero.
O IS, mais conhecido como “imposto do pecado”, foi criado pela emenda constitucional da reforma tributária para sobretaxar bens considerados danosos à saúde e ao meio ambiente.
O projeto de regulamentação da reforma, enviado ao Congresso pelo Executivo em abril, prevê a cobrança do IS sobre veículos, embarcações, aeronaves, produtos do fumo, bebidas alcoólicas e açucaradas, além de bens minerais extraídos. Mas os alimentos ultraprocessados ficaram fora da lista.
“Estamos defendendo nesta nova fase da reforma que os alimentos in natura e aqueles alimentos com baixo processamento não tenham tributação. Em contrapartida, nós achamos que os alimentos ultraprocessados têm que ter uma tributação forte”, diz Teixeira em entrevista à Folha.
Segundo ele, o consumo de alimentos ultraprocessados está associado a uma série de efeitos negativos na saúde da população, entre eles, a obesidade, diabetes e hipertensão.
O ministro conversou com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e com o secretário Extraordinário de Reforma Tributária, Bernard Appy, sobre a proposta de taxar os ultraprocessados. Teixeira afirma que Haddad vai apoiar a ideia.
Além das duas propostas, o ministro do desenvolvimento agrário diz que vai trabalhar no Congresso para colocar os agrotóxicos de maior periculosidade na lista de produtos que serão tributados pelo imposto do pecado. “Quanto maior for a toxicidade dos agrotóxicos, maior deve ser tributação”, diz.
Por outro lado, ele quer diminuir a tributação dos bioinsumos para que ocupem o lugar dos agrotóxicos na agricultura. Bioinsumos são produtos ou processos agroindustriais desenvolvidos a partir de enzimas, extratos (de plantas ou de microrganismos), microrganismos destinados ao controle biológico.
Segundo Teixeira, o governo precisa proteger a saúde da população e desestimular por meio da reforma o consumo de produtos não saudáveis. “Ao não ter uma tributação forte, eles passam a disputar espaço na alimentação com os alimentos saudáveis”, justifica.
Por isso, o ministro uniu as duas propostas do IS e da cesta básica. A ausência da proteína animal na cesta básica é um dos temas mais polêmicos da reforma e levou até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a entrar na discussão, na semana passada, ao defender uma mediação com a inclusão do frango na lista. A pressão, no entanto, é forte para deixar as carnes em geral com alíquota zero e parlamentares nos bastidores já dão como praticamente certa a mudança.
A decisão de não colocar nenhuma proteína animal na lista foi da equipe do ministro Haddad. A justificativa foi evitar uma alta dos dois tributos que serão criados pela reforma: IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), para estados e municípios, e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), para União.
A inclusão da carne pode elevar em 0,6 ponto percentual a alíquota média da CBS e IBS, que passaria de 26,5% para 27,1%. Mesmo fora da lista de produtos da cesta básica nacional com alíquota zero, a equipe de Haddad argumenta que as carnes terão alívio da tributação com a entrada em vigor gradual da reforma, a partir de 2026.
Apesar do posicionamento da Fazenda, que enxerga riscos no aumento da alíquota média, o ministro do Desenvolvimento Agrário manifesta confiança na mudança.
“É evidente que é positiva a decisão de colocar proteína animal na cesta básica”, ressalta ele, praticamente dando como certa a medida. “Pode ter carne de frango, carne de peixe, carne de vaca, pode ter essas proteínas na cesta básica”, diz.
Para ele, o debate sobre o tema na regulamentação não terminou e pode evoluir na direção de ampliar a lista. “O presidente [Lula] quer proteína na cesta básica. Do lado contrário, teria que aumentar os impostos para ultraprocessados e açucarados”, afirma.
Ele defende também a desoneração de todos os produtos in natura e com baixo processamento.
O ministro diz que essa é uma tendência mundial, inclusive por meio de um incentivo cruzado para ajudar na produção e no acesso a frutas, verduras e legumes.
Teixeira afirma que tem havido no Brasil uma tendência na diminuição desses três tipos de alimentos por conta do que classifica de “equívocos tributários” que retiraram impostos e desoneraram a produção de ultraprocessados e de açucarados. “Aqui no Brasil, o ultra-açucarado disputa com o leite nos adolescentes e na [população] baixa renda, e também disputa com a fruta”, diz.
Ele critica a proposta de colocar biscoitos na cesta básica: ” Essa luta para colocar biscoito na cesta básica é do setor econômico, que na minha opinião nós não devíamos adotá-la, não devíamos incorporá-la”.
O ministro afirma que dá tempo de garantir as mudanças até o grupo de trabalho da reforma tributária fechar o relatório do projeto. A expectativa é que o parecer seja divulgado até a próxima quinta-feira (4).
Teixeira pretende se reunir com deputados, nos próximos dias, para buscar apoio às propostas. Ele também quer a ampliação do cashback, mecanismo de devolução do imposto para a população de baixa renda.
O deputado Claudio Cajado (PP-BA), que integra o grupo de trabalho, diz à reportagem que há diversas demandas que são analisadas antes da formulação do relatório. No domingo (30), os deputados se reuniram para tratar ponto a ponto do texto, e uma reunião com o ministro Haddad também está prevista para esta semana.
Ele diz que o grupo parte de duas premissas: manter a neutralidade tributária da atual carga de cada setor e não aumentar a carga total prevista de 26,5%.
Cajado afirma que aumentar os produtos da cesta básica, por exemplo, é uma questão que envolve tecnicidade porque pode afetar a alíquota final, mas também é uma “demanda mais política”.
“Todos aqueles pleitos que julgarmos que tem uma conotação de uma decisão do coletivo da Câmara dos Deputados, nós vamos submeter aos líderes e ao presidente Arthur Lira. Vamos fazer uma instância a mais, para, antes de o projeto ser publicado, eles tomarem conhecimento”, diz.
“Um projeto dessa complexidade e envergadura deve sofrer muitos pedidos. A partir da publicação do relatório, os líderes da Câmara entrarão junto às bancadas para ajustar ou não as condições que eles julgarem necessárias para aprovação do projeto.”
O deputado Mauro Benevides (PDT-CE) diz que o relatório do grupo de trabalho do segundo projeto de regulamentação da reforma, que trata do funcionamento do comitê gestor do IBS, também ficará pronto na quarta-feira.
Os dois grupos vão se reunir para eliminar as incongruências que existem entre os projetos. Na terça-feira à tarde, Benevides vai se reunir com alguns governadores. Na quarta, os dois relatórios serão apresentados a Lira.
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POR ADRIANA FERNANDES E VICTORIA AZEVEDO