Cidade cercada por fogo teve resgate em rave e ‘lockdown’ para respirar
Fumaça e labaredas na serra entre Patrocínio Paulista e Altinópolis fizeram voltar à memória de Lázaro Antônio de Oliveira, 58, o desespero ao fugir do fogaréu há um mês. Quando ele recebeu a reportagem em seu rancho na última terça (24), focos de incêndio não muito distantes ainda consumiam a mata em uma das áreas do interior paulista mais afetadas pelas queimadas de agosto.
Oliveira estava sozinho na pequena propriedade onde produz leite quando fagulhas trazidas pelo vento de uma colina em chamas incendiaram o pasto, avançando também ao curral no morro onde ele cria 78 vacas.
“Uma novilha tinha acabado de parir e ela, brava, não deixava eu pegar [o filhote]. Aí eu vi que não dava tempo, para não morrer junto com ele, eu corri. Ele morreu. Na hora que cheguei no curral, estava coberto de fumaça. Sufoquei. Soltei a égua com arreio e tudo e corri. Cheguei lá embaixo com esse carro aqui, saí com a cerca no peito, no meio do fogo, igual motoqueiro fantasma”, conta.
O fogo no limite com Patrocínio Paulista era só uma das muitas queimadas que simultaneamente passaram a cercar Altinópolis no final de agosto. A cidade possui o maior número de focos de incêndio registrados em São Paulo, segundo a Defesa Civil do Estado, com base em dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Dos 4.242 focos anotados de 23 de agosto e 23 de setembro, 123 estavam em Altinópolis. Em segundo lugar aparece São Carlos, com 93, seguida de Santo Antônio do Aracanguá, com 75. São dados que podem divergir a depender do período da análise e do satélite utilizado, entre outros fatores.
Levantamento da associação de produtores Canaoeste e da empresa GMG Ambiental aponta 252 focos em Altinópolis só em agosto, deixando a cidade atrás de Pitangueiras (354) e de Sertãozinho (296) no ranking das mais incendiadas.
Da janela fechada na casa do técnico contábil Márcio Galerani, 57, não dava para contar nem enxergar sequer uma fogueira. A fumaça transformou a vista em breu. Ele e os 16 mil habitantes do município precisaram repetir o confinamento dos tempos de pandemia para respirar com segurança, dentro de casa. Máscaras também voltaram ao rosto de quem precisou sair para a rua onde a visibilidade ia pouco além dos 200 metros.
“Muita fuligem, fogo e muito vento, não dava para sair, muitos animais [silvestres] mortos”, relata Galerani. “Fiquei com muito medo, a coisa foi feia.”
Visitantes desconhecidos dos moradores, porém, são os personagens da história mais contada na cidade sobre a crise.
Centenas de jovens vindos de outros lugares estavam em uma festa de música eletrônica em uma chácara distante alguns quilômetros do centro. Na tarde de sábado (24), o fogo que parecia distante na véspera avançou rapidamente para o gramado onde carros estavam estacionados.
“Eles viram que tinha um fogo vindo de Serrana [cidade vizinha], mas continuaram na festa, e quando perceberam o fogo já estava em cima deles, então foi uma correria”, relata o coordenador da Defesa Civil local e secretário municipal de Meio Ambiente e Agricultura, Renato Theodoro.
O resgate mobilizou a cidade. Funcionários da prefeitura e voluntários usaram veículos oficiais e carros particulares para buscar as vítimas.
Cerca de 500 pessoas salvas foram abrigadas no ginásio de esportes e 100 precisaram de atendimento médico por terem inalado fumaça “Colocamos ambulância, ônibus, tudo o que tinha na frota, para buscar eles”, diz Theodoro. “Graças a Deus nenhum deles estava em estado grave.”
Além da vegetação de cerrado, foram perdidas produções de eucaliptos, cana, café e hortaliças espalhadas por uma área preliminarmente estimada em 33 mil hectares pela prefeitura, o equivalente a um terço do território do município.
Também queimaram com vegetação centenas de apiários. A criação de abelhas para produção de mel está entre as culturas praticadas na região.
“Tem lugar que queimou todas as colmeias e agora estão só cinzas”, relata o apicultor Getúlio Gomes Cardim. “Perdi em torno de mil colmeias com incêndios”, diz.
A reportagem percorreu locais indicados pelo produtor para localizar vestígios dos apiários e abelhas nas divisas de Altinópolis com Patrocínio e Serrana.
Como ele havia alertado, porém, nada foi encontrado além de galhos queimados e da grossa camada de pó acinzentado que hoje cobre uma porção imensa do solo no interior paulista.
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POR CLAYTON CASTELANI E ZANONE FRAISSAT