

11 anos. Mais de 97 mil artigos.
O jornalista José Ursílio é um dos nomes mais emblemáticos da comunicação em Marília. Com uma carreira iniciada de forma inusitada — como entregador de jornal aos 15 anos —, ele testemunhou, ao longo de quase cinco décadas, a profunda transformação dos veículos de imprensa, desde os tempos da tipografia até a chegada da inteligência artificial.
Autodidata, começou escrevendo sobre esportes amadores no Correio de Marília e logo mergulhou nos bastidores da política e da polícia, enfrentando riscos que marcaram sua vida pessoal e profissional.
Ursílio acompanhou de perto a evolução tecnológica no jornalismo e as mudanças nas relações entre mídia e poder público. Crítico ferrenho da influência política sobre os meios de comunicação, viveu períodos de tensão e enfrentamento, incluindo processos judiciais, tentativas de atentado e o fechamento da CMN, conglomerado de mídia no qual chegou a ocupar cargos de liderança.
Suas denúncias chamaram atenção nacional e internacional, evidenciando um estilo combativo e destemido — mas também controverso.
Mesmo longe das redações tradicionais, José Ursílio segue atuando por meio das redes sociais, com foco em reportagens exclusivas e independentes. Sem apoio financeiro, ele mantém viva a motivação de praticar um jornalismo independente, que ainda carrega em seus vídeos.
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MN — E como foi sua transição de entregador para jornalista?
José Ursílio — Eu sou autodidata, mas terminei o segundo grau. Apenas quatro anos depois de começar como entregador, em 1980, eu já estava escrevendo, mesmo com toda a dificuldade e sem saber escrever muito bem, mas eu ia tentando. Comecei escrevendo uma coluna de esportes amadores. Depois, em 1981, passei para uma outra coluna de “notinhas”, que trazia informações de eventos locais como festas da Apae ou promoções do Lar da Criança — coisas para as quais não havia repórter na época. O jornal era muito de colunas, com colaboradores. Os repórteres eram o Jocelin Machado de Oliveira, Salvador Rodrigues e, depois, João Marcos Gomide. Era um jornal pequeno, mas influente, junto com a Rádio Clube e a Rádio Dirceu.
MN — E sobre a evolução dos veículos de comunicação em Marília?
José Ursílio — O Correio de Marília melhorou. Depois veio o Diário de Marília, em 1980, com José Nelson Carvalho, dono da Rádio Dirceu. A mídia passou a ter grande influência de políticos. Eu acredito que o jornal e as rádios fizeram uma história grande, mas tiveram fases promissoras e fases mais difíceis, especialmente quando o agente público se misturava com a mídia. No Brasil, somos ricos em produzir histórias ruins e complicadas. Até hoje há influência política, embora os políticos não sejam donos, mas influenciam.
MN — Como você vê as redes sociais?
José Ursílio — As redes sociais deram voz aos cidadãos, mas os veículos de comunicação continuam influenciando muito, porque manter equipes é caro. Marília foi um celeiro de bons jornalistas e radialistas.
MN — O senhor acompanhou de perto a evolução tecnológica do jornalismo. Quais foram as transformações mais marcantes?
José Ursílio — Sim, peguei uma revolução em todos os aspectos. E na mídia, ela passou por várias fases muito rapidamente. Antigamente, era muito difícil pesquisar informações. Os gravadores eram grandes; a gente tinha que segurar com as duas mãos. Vi a transformação dos jornais da tipografia para o offset. Quando o offset chegou, a qualidade de impressão de fotografia foi algo incrível. E, no final da década de 80, em 1989, chegou o primeiro computador na redação. Em 1993, já não havia mais tipografia, era tudo offset, com grandes máquinas. As fases de evolução passavam de 10 em 10 anos, era muito rápido. A gente ficava espantado com o nível da tecnologia. Hoje, não consigo mais acompanhar tudo o que a tecnologia oferece.
MN — Como enxerga o impacto das novas tecnologias, como a inteligência artificial, no futuro do jornalismo?
José Ursílio — A tendência é a evolução ser cada vez mais rápida. É fácil hoje pegar e escrever tudo por inteligência artificial, mas você perde a humanização das coisas. Você tem que ter emoção, tem que vir me entrevistar e olhar minha reação, se estou mentindo. A máquina agiliza, mas perde a humanização. Eu acredito que ela vai continuar evoluindo, mas o ser humano não será substituído completamente. Acho que vai chegar um limite em que o próprio ser humano vai retroagir, por causa da necessidade de ter vida, de ter contato, de ter sentimentos e emoções — coisas que a máquina não tem.
MN — Sua carreira também foi marcada por um período como repórter policial. Como foi essa experiência?
José Ursílio — Comecei como repórter de polícia de 1982 a 1986. Meu viés era polemizar. Eu não ia só atrás da notícia oficial do boletim de ocorrência. Pegava o boletim, olhava e procurava o que estava por trás. Em 1986, tive um grande caso. Fui atrás de uma fuga de um cara e acabei presenciando um assassinato, o que me levou ao meu primeiro processo judicial.
MN — Quando a política entrou na sua vida profissional?
José Ursílio — Depois de ser repórter de polícia, em 1986, me colocaram para escrever sobre política também. Fiz uma campanha forte no jornal contra o aumento de salário dos vereadores, e os parlamentares contrataram gente para me bater. Em 1989, compraram o Correio para me demitir, mas eu era do sindicato, acabei ficando lá porque teriam que me indenizar com um valor muito alto. Em 1992, me tornei editor-chefe do jornal, quando o Diário Notícias se juntou ao Correio de Marília. Fiquei lá até 1996, quando o Diário e as rádios Dirceu e Diário FM foram comprados e reunidos na CMN, que passou a funcionar no prédio da Coronel Galdino, em 1997.
MN — Como se sentiu com o fechamento da CMN?
José Ursílio — No início, senti a perda do emprego e da influência. Tínhamos 200 funcionários na CMN, e a Rádio Dirceu era histórica. Mas depois percebi o quanto estava errado em defender algo que não tinha independência. A emissora de rádio é concessão pública e não pode ser instrumento de um grupo para perseguir ninguém, seja jornalista ou grupo opositor. Os políticos usavam “testa de ferro” para se eximir de responsabilidade. Percebi que fui envolvido emocionalmente e perdi a noção dos valores de moralidade e liberdade. Fui processado mais de 100 vezes, sofri comprovadamente três atentados, e ganhamos notoriedade mundial entre 2005 e 2007, com matérias no The New York Times, The Washington Post, e solidariedade de entidades de direitos humanos e mídia do mundo inteiro.
MN — Em meio a todos esses acontecimentos, o senhor chegou a se candidatar a prefeito. Como avalia essa decisão hoje?
José Ursílio — Sim, fui candidato a prefeito em 2008. Acho que o primeiro erro foi ter aceitado entrar em um partido político, e o grande erro foi ter aceitado ser candidato a prefeito. Você perde sua identidade, vira instrumento daquele grupo. Perdi tudo que eu tinha, paguei tudo, não tenho nada em meu nome hoje. Meu foco era enfrentar figurões poderosos, que tentaram me matar várias vezes, e denunciar o roubo do dinheiro público. Continuo lutando por liberdade, moralidade e democracia até hoje. Tenho fama de corajoso e de louco.
MN — O senhor acha que poderia ter sido eleito com boa votação para vereador naquele ano?
José Ursílio — Seria o mais votado até hoje. Ia ter 10 mil votos. A política é uma porcaria. Você entra e todo mundo fala que você não pode ser vereador, tem que ser candidato a prefeito, porque puxa voto e tem chance. Acho que teria me valorizado muito mais se tivesse continuado só no jornal.
MN — Atualmente, como o senhor atua no jornalismo, considerando os desafios que enfrenta?
José Ursílio — Como não tenho recursos para pagar advogados e montar um site, optei por atuar nas redes sociais, que hoje são suficientes para ter repercussão. No entanto, meu trabalho não me dá renda. O que faço é focar em coisas exclusivas, voltando a ser o repórter que eu era, capaz de correr mais riscos e fazer um jornalismo diferenciado — quase uma opinião.
MN — E qual o prazer ou a motivação para continuar com tantos desafios e riscos?
José Ursílio — O prazer é estar ali, mostrando uma realidade, discutindo o assunto, sem ter nada por trás. É um grande desgaste emocional. Nós que resolvemos fazer o mínimo de jornalismo, com o mínimo de independência, somos os que mais sofremos, os mais taxados e os menos respeitados. As pessoas te temem, mas não te respeitam. A gente só ganha problema, processo, dor de cabeça, inimizade. Por exemplo, fui condenado recentemente a uma multa de R$ 36,5 mil em um processo. Para nós, jornalistas, já existe regulamentação legal. Respondemos perante o Código Civil, a Constituição e o Código Penal. O advento da internet, de certa forma, piorou muito a situação, pois o cidadão comum reproduz fake news sem consequências, mas nós respondemos judicialmente.