A função educadora da fiscalização de trânsito
O Brasil, infelizmente, ocupa lugar de destaque negativo no ranking de mortes ocorridas no trânsito. Segundo dados da OMS, o país figura na quarta posição na referida tabela, ficando atrás apenas da China, Índia e Nigéria.
Estima-se que uma pessoa morra a cada 15 minutos no Brasil em razão de acidentes de trânsito e que, a cada dois minutos, uma pessoa sofra lesões em razão desses acidentes.
Para se ter uma ideia da letalidade do trânsito no Brasil, no primeiro semestre de 2020, ele matou mais que os crimes violentos em seis Estados: São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Mato Grosso, Piauí e Mato Grosso do Sul. Nestes entes federativos, o trânsito ceifou a vida de 5.859 pessoas, enquanto as mortes por crimes violentos atingiram a cifra de 5.119, ou seja, uma diferença de 13%.
Qual seria a solução para diminuir as mortes no trânsito?
Confesso que não tenho a resposta, mas desconfio que um dos caminhos seria investir na educação, não apenas para motoristas, como também para motociclistas, ciclistas, pedestres, etc.
Claro que, parafraseando Cesare Beccaria, o problema da educação é que ela, apesar de ser eficiente, tende a demorar muito para apresentar resultados. Investe-se em educação hoje para colher os frutos no futuro.
Assim, para buscar resultados mais rápidos na redução das mortes no trânsito, outra solução possível é realizar uma fiscalização que tenha como principal objetivo a redução de mortes e a educação das pessoas envolvidas no trânsito.
Nesse sentido, caberia às autoridades verificar os locais com maior incidência de acidentes, sejam eles localizados em perímetro urbano ou não, em avenidas, ruas, estradas ou rodovias, e implementar a adequada fiscalização a fim de evitar a ocorrência de acidentes e, por consequência, de vítimas.
Infelizmente, contudo, essa não parece ser a maior preocupação das autoridades de trânsito. Aparentemente, a realização da fiscalização tem como principal objetivo a punição dos condutores e a arrecadação de recursos.
Vejamos o que tem ocorrido em nossa região.
O trecho do anel viário que passa nas proximidades do Hospital das Clínicas tem se notabilizado pela ocorrência de acidentes de trânsito, em especial envolvendo caminhões de grande porte e, principalmente, após a retirada do radar fixo de aferição de velocidade ali instalado. Ontem, outro acidente ocorreu e, apesar de sua gravidade, não tivemos vítimas fatais.
A situação poderia ter sido ainda pior, pois, apesar de o acidente ter ocorrido no período da manhã, no início da noite o caminhão tombado continuava no local, demonstrando uma ineficiência flagrante da concessionária que administra a rodovia e criando um cenário perfeito para a ocorrência de novos acidentes. Simplesmente lamentável.
Por outro lado, em trecho que passa pela cidade de Oriente (SP), no qual não se tem notícia da ocorrência de acidentes e, portanto, de existência de vítimas, a concessionária responsável pelo trecho (a mesma do anel viário) tem instalado radares de forma oculta, com o objetivo exclusivo de, aparentemente, flagrar condutores incautos em excesso de velocidade para poder autuá-los. A fiscalização de trânsito tem sido adotada, portanto, com único e exclusivo caráter arrecadatório, em flagrante violação à legislação vigente.
Nesse contexto, a conta definitivamente “não fecha”, pois a fiscalização de trânsito ao ser ampliada incrementa apenas a arrecadação de multas e não tem o condão de reduzir o número de acidentes e de vítimas, uma vez que ela é adotada quase que única e exclusivamente para “meter a mão” no bolso dos condutores e não proteger a sua vida.
E a privatização de nossas rodovias não tem mudado esse cenário.
Se no passado dizer que algo era privatizado trazia a esperança de que os serviços públicos seriam prestados com maior eficiência, o momento atual demonstra que, provavelmente, teremos saudades do tempo em que nossas rodovias eram geridas pelo próprio Poder Público.
Vamos ver o que o futuro nos reserva, mas, confesso, está difícil ver luz no fim do túnel.