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Entrevista da Semana
ter. 23 dez. 2025
LITERATURA

‘A neurodivergência é também terreno fértil’, diz mãe que escreveu livro com o filho em Marília

'Come-recreio', de Angélica e Joaquim Masson, nasce da imaginação de uma criança que questiona a produtividade precoce.
por Ramon Barbosa Franco
Angélica Masson e o filho Joaquim durante a realização do 1º Festival Literário de Marília (Foto: Divulgação)

O que acontece quando o olhar lúdico de uma criança de nove anos encontra a voracidade do tempo moderno? Para a escritora e advogada Angélica Masson, a resposta não veio em forma de tese, mas na figura de um monstro “carnudo” e inquietante imaginado por seu filho, Joaquim Masson. O personagem, que começou como uma anedota escolar para impor disciplina, ganhou alma, linhagem e fisionomia nas mãos do menino, revelando-se uma metáfora potente sobre como a sociedade contemporânea consome a infância.

A obra, que chega agora ao público após vencer o edital da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), é um exercício de resistência à era da produtividade cronometrada. Angélica, que transitou entre o papel de mãe e o de escriba das anotações do filho, define o livro como um “desaforo” necessário. Segundo ela, a voz de Joaquim se impõe na literalidade e na clareza de quem processa o mundo sem as barreiras do óbvio, transformando a neurodivergência em um território fértil, onde o tempo não é sentença, mas ritmo próprio a ser respeitado.

Com ilustrações em colagem de Paula Mello, que expandem a narrativa em múltiplas camadas, Come-recreio será lançado pelo selo Tagarela, da Editora Polifonia, com um destino ambicioso: das bibliotecas de Marília às areias de Paraty, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2026. Mais do que um lançamento literário, o projeto se apresenta como um manifesto pelo afeto e pela leitura compartilhada, provando que a imaginação, quando floresce em liberdade, é capaz de devorar estereótipos.

Capa de Come-recreio revela a estética de colagens da artista Paula Mello e sintetiza o projeto (Foto: Divulgação)

Confira a seguir a entrevista completa com a escritora e advogada Angélica Masson, que no primeiro semestre deste ano foi uma das realizadoras do 1º Festival Literário de Marília, o Flim.

***

Marília Notícia: O Come-recreio nasceu de uma observação do Joaquim aos nove anos. Quando percebeu que aquilo era mais do que uma inquietação infantil??

Angélica Masson – O que começou como uma dessas pequenas ficções que professores plantam para colher disciplina criou raízes e floresceu na imaginação do Joaquim em algo muito mais… carnudo. Uma professora da escola, na sua didática sagaz, mencionou um “monstrinho” que teimava em encurtar os recreios de crianças pouco comportadas. Para muitos, talvez, uma anedota eficiente. Para Joaquim, aos nove anos, foi o prólogo de uma epopeia.

Ele não apenas ouviu; ele construiu. Descrevia minuciosamente a criatura: nome, linhagem, fisionomia, até a alma da coisa, com suas manias e manobras. Um universo inteiro. Só percebi a dimensão disso quando fui compartilhar com a professora como era divertida essa história da escola. Foi então que descobri que o “monstrinho”, em toda a sua voracidade e urgência, era inteiramente criação do Joaquim.

Naquele instante, a preocupação com o tempo do recreio, que a ouvidos apressados poderia parecer miúda, revelou-se uma metáfora inquietante e extremamente contemporânea. Mais assustadora ainda quando percebi que essa criatura não era nem boa nem má em sua natureza: ela era um espelho.

MN – Como foi escrever o livro a partir da imaginação do seu filho?

Angélica Masson – A coautoria com Joaquim foi um exercício de escuta atenta e respeito ao tempo dele. Entender que o interesse do Joaquim, guiado pelo hiperfoco, seguiria seu próprio ritmo — e que o tempo do edital não necessariamente se alinharia ao dele — foi fundamental. O hiperfoco é uma característica de algumas neurodivergências, e não há como escolher tema, início ou fim.

Em 2023, o Come-recreio dominava nossas conversas. Felizmente, dessa vez fui esperta e fiz anotações, algo que não fiz com muitas outras histórias e personagens dele, e de que já havia me arrependido.

Em 2024 surgiu a oportunidade do edital e, em 2025, veio o resultado positivo. Foi então que retomamos o trabalho no livro, mas os interesses do Joaquim já haviam mudado. Minha tarefa passou a ser de resgate das anotações e também do próprio Joaquim, usando artifícios sutis, como visitas à escola inventadas apenas para que ele me contasse ou mostrasse algo do personagem.

Angélica e Joaquim ladeados pela família; o suporte fundamental para transformar o hiperfoco criativo em obra publicada (Foto: Divulgação)

MN – Como a forma única de ele processar o mundo ajudou a dar vida a esse personagem que ‘devora minutos’?

Angélica Masson – A imaginação do Joaquim nunca conheceu barreiras. A superação, aqui, é do nosso próprio olhar, que insiste em confundir dificuldades, como a alfabetização, com limitações absolutas, inclusive para a literatura. Uma dificuldade não precisa ser sentença; às vezes, nem é dificuldade, mas apenas um tempo diferente. E quando esse tempo é respeitado, tudo pode acontecer.

MN – Como você enxerga o papel da literatura infantil em questionar essa pressa e essa busca por produtividade que já atinge as crianças tão cedo?

Angélica Masson – Vivemos numa era em que até o lazer é cronometrado e otimizado. “Mastigar o tempo devagar” é um desaforo, um ato subversivo com o qual a literatura infantil pode e deve dialogar. Ela evidencia o absurdo dessa corrida sem fim e dessa exigência constante de produtividade, e reforça que o tempo da infância precisa ser defendido.

Joaquim mergulhado em seu processo criativo, batendo as primeiras descrições do personagem em sua máquina de escrever (Foto: Divulgação)

MN – Como foi o diálogo entre o texto de vocês e a arte visual dela para garantir que a obra não subestimasse a inteligência do pequeno leitor?

Angélica Masson – Desde o início, sabíamos que as ilustrações precisavam ir além de um complemento ao texto; elas deveriam expandir a narrativa e oferecer múltiplas camadas de interpretação. Por isso, optamos pela técnica da colagem, que provoca, desafia o olhar e convida à leitura de imagens. Convidamos Paula Mello, uma referência na área, que aceitou prontamente.

MN – O que significa vencer um edital da Política Nacional Aldir Blanc?

Angélica Masson – O PNAB foi um divisor de águas. Mais que reconhecimento, foi a chancela que permitiu tirar uma ideia nascida em casa e levá-la para o mundo. Com esse incentivo, o projeto ganhou fôlego, saiu do campo familiar e chegou ao selo Tagarela da Editora Polifonia. E o impacto é visível: já temos o primeiro lançamento agendado na biblioteca de Marília, eventos em livrarias de São Paulo e até a honra de estar na Flip de 2026 em Paraty. Isso mostra a força de um projeto que, com o apoio certo, transcende expectativas.

Para a família, Política Nacional Aldir Blanc foi um divisor de águas (Foto: Divulgação)

MN – Você acredita que a publicação deste livro pode servir de inspiração para outras famílias com crianças no espectro autista?

Angélica Masson – A coautoria deste livro, entre mim e meu filho Joaquim, é, por si só, uma poderosa afirmação contra os estereótipos que cercam o autismo. Frequentemente, a mídia perpetua visões extremamente limitadas: ou o indivíduo autista é apresentado como um “gênio” isolado, com habilidades extraordinárias que fogem à regra, ou como alguém incapaz, dependente e sem autonomia. Essas representações existem, mas raramente capturam a vivência da maioria das famílias.

Para as famílias de crianças neurodivergentes, sabemos que a inspiração não vem de histórias de “superação” excepcionais ou de talentos fora do comum. Ela vem da validação de que seus filhos têm direito ao respeito, aos direitos básicos e ao pleno desenvolvimento de suas capacidades. Por fim, a neurodivergência é também um terreno fértil para a arte e a criatividade sim, pois essas qualidades são inerentes a todos os seres humanos.

MN – Qual é o sentimento de ver esse projeto finalizado agora que o Joaquim tem 11 anos?

Angélica Masson – Ver o Come-recreio finalizado traz uma profunda satisfação. As histórias surgiram quando ele tinha nove, e poder concretizar este projeto em coautoria com ele é um motivo de grande alegria. O tempo avança, e essa colaboração é um marco importante.

MN – Para finalizar?

Angélica Masson – Ao fecharem a última página do Come-recreio, esperamos que os leitores tenham se divertido, tanto na leitura autônoma quanto, e de forma primordial, na leitura compartilhada. É fundamental recordar que, mesmo para crianças que já dominam a leitura de forma autônomas, a prática da leitura conjunta com os pais é essencial. O afeto gerado nesse encontro se torna parte indissociável da formação do leitor. E torço para que, assim como tive o prazer de desenvolver este livro em parceria com meu filho, muitas mães e filhos possam desfrutar de momentos especiais juntos por meio dele, vivenciando o prazer da leitura e da companhia mútua e multipliquem esses instantes de leitura e presença.

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