Moradores de rua em que caiu Fokker 100 da TAM revivem memórias com acidente da Voepass
A rua Luís Orsini de Castro, no Jabaquara, zona sul de São Paulo, é tão simpática quanto milhares de outras em bairros residenciais, cheia de casas.
Há quase três décadas, em 31 de outubro de 1996, parte dos imóveis da rua foi destruída por destroços e pela explosão do jato Fokker 100 da Tam, que caiu no local dois minutos após decolar do aeroporto de Congonhas. Com 99 mortos, foi um dos acidentes mais letais já registrados no Brasil
A rua e seus moradores mudaram. Parte de quem vivia na área atingida pelo acidente foi embora, vendendo ou alugando os imóveis. Quem ficou conta que mantém na memória os sacos de corpos enfileirados e o cheiro de querosene.
A queda do avião modelo ATR 72-500 da Voepass, que deixou 62 mortos em Vinhedo (SP) na última sexta-feira (9), também disparou outras lembranças entre moradores da rua Luís Orsini de Castro.
“Logo que vi pela televisão, lembrei da velha TAM”, diz à reportagem Solemar Schimith, 70, na manhã desta quarta-feira (14). “Se for dano estrutural [a causa do acidente da Voepass], é brincadeira. Isso não se faz, acho uma falta de respeito muito grande.”
O avião da Voepass passou por manutenção antes do acidente, afirma a companhia aérea, e especialistas apontam que não é possível fazer relação entre um suposto dano estrutural e o desastre.
Na época do acidente com o Fokker 100, Solemar vivia com o marido e os dois filhos a 178 km de distância dali, em Bauru, no interior paulista. Recebeu na hora um telefonema da mãe, Abigail Schimith, que morava em uma rua no final da Luís Orsini, e seguiu para a capital.
“Ela disse que estava trancada em casa e falou de uma explosão na rua”, conta. Daquele dia ela também se lembra do padrasto falando sobre o combustível da aeronave. Como o avião havia acabado de decolar, o combustível escorreu ao longo da rua, incendiando carros e danificando outras casas.
Solemar afirma que, traumatizada, a mãe decidiu deixar São Paulo de van, porque não viajaria mais de avião até o fim da vida. “Nós fomos morar no Nordeste, ficamos lá por 26 anos”, diz a filha, que voltou há seis meses à capital paulista para morar na antiga casa da família.
Edmar de Oliveira, 57, afirma que também não viaja de avião. Prefere se deslocar de carro, ônibus ou barco, ainda que a viagem dure dias. Paranaense, ele conta que se mudou para a rua das Aningas, paralela à Luís Orsini de Castro, meses antes do acidente com o avião da TAM em 1996.
“Acordei com aquele estrondo, olhei da varanda e vi fumaça subindo. Fui até a esquina e vi aquela imensidão de fumaça e fogo.”
Atualmente ele toca uma oficina de eletrodomésticos com um sócio na rua do acidente. E conta que por anos ficou apreensivo com cada ruído de avião que ouvia. “É um trauma muito forte para quem viu corpos em saco plástico.”
Outro morador, Antonio Sabino, 71, conta que estava trabalhando no Jaguaré, na zona oeste, quando viu o acidente da TAM pela TV naquela manhã de 31 de outubro. “Me perguntei se era aqui mesmo, mas reconheci quando vi a reportagem.”
A casa da família, um sobrado no fim da rua, não foi atingida pelo avião, mas o calor do incêndio danificou parte de um parapeito no segundo andar, derretendo a tinta. Sabino diz que ele e o pai foram indenizados pela companhia aérea.
A casa, assim como parte do Jabaquara, ficou sem energia elétrica por alguns dias. Depois do susto, a família retomou a rotina, embora o ruído dos aviões assustasse especialmente as crianças. “Todo mundo fala que é como raio, espera que não caia duas vezes no mesmo lugar. Queríamos que não acontecesse nenhuma [vez].”
Sabino, que viveu por 71 anos na rua Luís Orsini de Castro, limpava pichações na fachada do imóvel na manhã desta quarta-feira. Conta que acabou de colocar a casa à venda, quer se mudar com a esposa para um lugar mais tranquilo.
Movimento oposto ao do desenvolvedor de sistemas Dimitri Sidney, 44, que alugou uma das casas reconstruídas no início da rua e faz parte de uma nova leva de moradores da vizinhança. “Achei o aluguel até bem barato, acho que é porque o pessoal tem medo.”
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POR LUCAS LACERDA E DANILO VERPA