Bandeira de Tarcísio põe agência sob risco de captura por interesse privado, diz fiscalização
A terceirização expandida pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na agência paulista responsável pelas concessões de rodovias tem indícios de ilegalidade e representa um risco de captura do órgão público por interesses privados, de acordo com fiscalização do TCE (Tribunal de Contas do Estado).
O alerta foi enviado em 2023 à Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), que, mesmo assim, decidiu em maio de 2024 prorrogar até agosto do ano que vem, pelo valor de R$ 25,25 milhões, a contratação alvo de questionamento.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a bandeira política de Tarcísio enfrenta a suspeita de conflito de interesses. Empresas com concessionárias de rodovias como clientes fornecem funcionários terceirizados que trabalham para a agência pública para lidar com os interesses dessas mesmas concessionárias.
Uma representação entregue ao Ministério Público apontou a existência de terceirizado designado na fiscalização de lotes de concessão, em pedido de projetos e estudos de obras, em grupo de discussão de termo aditivo, como destinatário de pleito de reequilíbrio contratual de concessionária e como representante em processos judiciais e em negociações com a Promotoria.
Em relação à fiscalização do TCE, as irregularidades apontadas se referem à contratação do consórcio EAG-SP (formado pela Sondotécnica e pela CAA Companhia) para a prestação de serviços especializados de engenharia para consultoria técnica. As empresas acabam cedendo funcionários que são usados pela Artesp em diversas funções, prática iniciada na gestão anterior e expandida sob Tarcísio.
Além de citar um “possível direcionamento do certame”, um relatório de maio de 2023 assinado por agente de fiscalização do TCE apontou “risco de captura identificado pela constante contratação de empresas de consultoria com consequente dependência destas para desenvolvimento das atividades da contratante”.
Em julho do mesmo ano, um diretor técnico do TCE escreveu que a contratação “denota características de terceirização de atividade-fim”, proibida por lei, “ocasionando a dependência deste tipo de acordo para que a Artesp possa viabilizar as competências que lhe foram atribuídas”.
Segundo especialistas, a jurisprudência é clara em não admitir a possibilidade de delegação do poder normativo, fiscalizatório e sancionador da agência pública.
A fiscalização do TCE apontou ainda que, no processo de licitação, visitas técnicas não foram realizadas devido à falta de pessoal da Artesp.
Questionada pela Folha de S.Paulo, a agência disse que prestou esclarecimentos ao tribunal e negou conflito de interesses na terceirização. O TCE afirmou que a tramitação do processo ainda prossegue e que se manifesta apenas nos autos do processo.
As terceirizações são uma bandeira política de Tarcísio, ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) e cotado para a disputa presidencial de 2026.
Em junho, ele publicou um decreto autorizando uma parceria público-privada para terceirizar serviços de construção e manutenção de 33 novas escolas estaduais. No caso da privatização da Sabesp, como revelou a Folha de S.Paulo, a presidente do conselho de administração ocupava, até dezembro de 2023, um cargo no conselho da Equatorial, a única interessada em virar acionista de referência da companhia.
Líder do consórcio contratado pela Artesp, a Sondotécnica apresenta, em sua lista de clientes particulares, empresas como Arteris e grupo CCR, responsável por concessões como a da AutoBAn, ViaOeste, RodoAnel e Renovias, que são reguladas pela agência pública.
Representação entregue ao Ministério Público aponta que, em nome do órgão regulador, uma funcionária cedida pelo consórcio EAG-SP solicitou em 2024 estudos e projetos para obras da AutoBAn e foi destinatária de pleito de reequilíbrio contratual enviado pelo grupo CCR.
Também já foi indicada pelo diretor de investimentos, João Luiz Lopes, para representar os interesses da agência em audiência com a Promotoria de Justiça de Campinas sobre a implantação de passarela em trecho da Renovias.
O Grupo CCR afirmou que seu relacionamento com a Artesp “está respaldado pela legislação” e por um “sólido programa de interno de integridade” e que seus contratos atuais com a Sondotécnica envolvem rodovias federais.
OUTRO LADO: AGÊNCIA NEGA CONFLITO DE INTERESSES E DIZ ESTAR À DISPOSIÇÃO DO TCE
A Artesp disse à reportagem que prestou todos os esclarecimentos ao TCE e que segue à disposição do órgão.
“Importante informar que não há conflito de interesse, considerando que a finalidade do contrato de consultoria é a sistematização de informações e não a tomada de decisões em relação às concessionárias, restritas exclusivamente aos empregados públicos da agência”, afirmou em nota.
O órgão disse ainda que “funcionários de empresas regularmente contratadas não são autorizados a se manifestar em nome da agência”.
Diz o comunicado da agência que, no último mês, o Governo de São Paulo enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei “que visa reformular e modernizar a estrutura das agências reguladoras do estado, fortalecendo a governança das agências reguladoras, além da previsão de realizar concurso para preencher o quadro atual da autarquia”.
Em sua defesa no TCE, a Artesp afirmou que a contratação do consórcio EAG-SP visou apenas serviços de apoio auxiliar e complementar ao trabalho da agência, sem incluir a tomada de decisões e a atividade-fim do órgão público. Negou haver risco de captura da agência por interesses privados.
A Artesp foi questionada pela reportagem, mas não detalhou seus argumentos sobre irregularidades apontadas pela fiscalização do tribunal.
Também não explicou por que a Artesp ignorou os apontamentos do TCE ao prorrogar a contratação do consórcio EAG-SP – que, procurado, não se manifestou.
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POR ALENCAR IZIDORO