Delegado da Polícia Federal descartou disputa política entre Brazão e Marielle
Um delegado da Polícia Federal que participou da investigação sobre a obstrução à apuração da morte de Marielle Franco (PSOL) afirmou à Justiça não ter identificado uma disputa política entre a vereadora e Domingos Brazão, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Rio de Janeiro, agora apontado como mandante do crime.
A declaração foi dada em depoimento em dezembro de 2022 no curso do processo em que um ex-policial militar e uma advogada foram condenados pela tentativa de atrapalhar as investigações do homicídio.
Brazão e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido), foram acusados em maio pela PGR (Procuradoria-Geral da República) de serem os mandantes do crime após investigação da PF. A denúncia tem como base a delação do ex-PM Ronnie Lessa, que confessou ter realizado os disparos contra a vereadora e seu motorista Anderson Gomes. Como a Folha mostrou, a PF não encontrou provas de corroboração no caso. Os irmãos negam envolvimento no crime.
O conselheiro foi um dos alvos da chamada “investigação da investigação” realizada pela PF entre 2018 e 2019. Ela tinha como objetivo apurar as motivações das declarações supostamente falsas do ex-PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, que atribuiu o crime ao miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, e ao então vereador Marcello Siciliano.
Uma das suspeitas na ocasião era de que o objetivo de Ferreirinha era desviar o foco dos reais executores e mandantes do crime. Contudo, o inquérito foi encerrado em 2019 indicando que o ex-PM havia prestado o falso testemunho para se proteger de um possível atentado de Orlando Curicica.
“Ficou bem nítido para a gente que não tinha nenhum mandante para o surgimento dessa testemunha. Foi uma coisa pontual da situação do próprio Rodrigo Ferreira e foi estruturada com participação direta da ex-namorada Camila [Nogueira, advogada também condenada]”, afirmou o delegado da PF Leandro Almada em depoimento à Justiça em 2022.
O delegado Milton Neves, que participou da apuração, também afirmou que não foi possível identificar um conflito entre Brazão e Marielle.
“Uma das linhas de investigação tentada foi no sentido de verificar a existência de vínculo entre o Rodrigo e o conselheiro do TCE, Domingos Brazão. Mas, no final, essa relação acabou sendo descartada”, disse ele.
“Foi feita análise, inclusive incluindo a Marielle nessa disputa política. Analisamos o mapa político para ver a distribuição dos votos, para ver se tinha alguma área de confronto, principalmente entre Marielle e Marcelo Siciliano ou Domingos Brazão e Marielle para tentar achar uma motivação política e disputa territorial, disputa de votos e acabou sendo verificado que ficou bem dispersos os votos e vimos que não tinha muita disputa”, disse Neves.
O inquérito foi encerrado tendo como indiciados apenas Ferreirinha e Camila. Apesar disso, o relatório serviu como base para uma denúncia oferecida contra Brazão pela então procuradora-geral Raquel Dodge. A acusação acabou rejeitada pela Justiça do Rio de Janeiro.
Cinco anos depois daquela investigação, a PF afirma que os irmãos Brazão decidiram matar a vereadora para impedir que ela prejudicasse os interesses da família em práticas de grilagem de terras e para dissuadir outros integrantes do PSOL a adotar a mesma postura.
O conflito seria, segundo a PF, o ápice de desavenças entre os Brazão e integrantes do PSOL desde 2008, quando o conselheiro teve o nome citado no relatório da CPI das Milícias.
Os conflitos eram conhecidos durante a “investigação da investigação”. Eles ganharam peso na apuração da PF após Ronnie Lessa apontar em sua delação, fechada no ano passado, que esses foram os motivos do crime.
Como a Folha mostrou em março, a delação também fez a PF alterar a interpretação sobre mensagens trocadas por Ferreirinha com o policial Marco Antônio de Barros Pinto, o Marquinhos DH.
O agente foi indiciado em março sob suspeita de usar o ex-PM para atrapalhar as investigações do caso Marielle com base nas mensagens. Em 2019, a corporação entendeu não haver crime nos diálogos.
O delegado Leandro Almada assina os relatórios finalizados em 2019 e este ano.
A PF no Rio de Janeiro afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o relatório final de 2019 apontou irregularidades de Marquinho DH. Disse que o contexto voltou a ser analisado quando a corporação entrou oficialmente na apuração do homicídio.
A corporação também declarou que à época da primeira investigação não tinha conhecimento do envolvimento dos delegados Rivaldo Barbosa e Giniton Lages na suposta obstrução da apuração do assassinato. A informação consta da delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, acusado de ser o executor do crime.
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POR ITALO NOGUEIRA