Vladimir Putin anuncia gasto militar recorde desde a Guerra Fria
A Rússia deverá gastar neste ano 8,7% de seu PIB com defesa, o maior dispêndio do tipo desde o fim da União Soviética, império comunista centrado em Moscou que implodiu em 1991.
O dado foi citado nesta quarta (15) por Vladimir Putin durante reunião do Conselho de Segurança do país que apresentou seu novo ministro da Defesa, o economista Andrei Belousov, que substituiu Serguei Choigu, um aliado do presidente russo que passou 11 anos e meio à frente da pasta e agora é secretário do órgão consultivo.
“Certamente não é 13%, como era o caso na União Soviética, mas ainda é uma quantia sólida, um grande recurso, que nós temos de usar de forma muito cuidadosa e eficiente”, afirmou o presidente.
Os 13% do Produto Interno Bruto, a soma de riquezas produzida no país em um ano, se referem ao nível do gasto com defesa soviético no auge da Guerra Fria, nos anos 1980, um dispêndio estimulado pela corrida armamentista proposta pelos Estados Unidos que ao fim ajudou a fazer desmoronar o Estado fundado em 1922.
“A relação entre canhão em manteiga deve ser integrada organicamente na estratégia geral de desenvolvimento do Estado russo”, afirmou Putin, confirmando que a indicação de Belousov visa uma estratégia de longo prazo de militarização da economia do país.
“Canhões e manteiga” foi o apelido dado à definição de política públicas nos EUA antes da entrada do país na Primeira Guerra Mundial (1914-18), em 1917, sugerindo a oposição no investimento em defesa ou na produção de bens de consumo.
Gastos militares em 2023
Ranking, em US$ bi
1º EUA – 905,000
2º China – 219,500
3º Rússia – 108,500
4º Índia – 73,600
5º Reino Unido – 73,500
6º Arábia Saudita – 69,100
7º Alemanha – 63,700
8º França – 60,000
9º Japão – 49,000
10º Coreia do Sul – 43,800
11º Austrália – 34,400
12º Itália – 32,700
13º Ucrânia – 31,100
14º Brasil – 24,200
15º Canadá – 24,200
41% – é a proporção dos EUA no gasto militar global
10% – é a da China
5% – é a da Rússia
17% – é de países da Otan, menos EUA
70% – do gasto da Otan é dos EUA
27% – é o restante do gasto global
Fonte: Balanço Militar 2024, IISS
A metáfora ficou famosa na boca do comandante da Força Aérea da Alemanha nazista, Hermann Göring, que em 1936 defendeu o rearmamento do país dizendo: “Canhões nos farão poderosos; manteiga só nos fará engordar”.
Desde a Guerra Fria, a Rússia viu cair seu gasto com Defesa, embora todas as medições anteriores fossem estimativas por opacidade nos números. A partir de 1992, oscilou entre 3% e 4% do PIB, com um tombo na crise econômica de 1998 (2,7%).
Os primeiros anos de Putin no poder, na década de 2000, viu uma estabilização na casa dos 3,5%, mas a partir de sua volta à Presidência em 2012 houve um crescimento: em 2015, um ano após a anexação da Crimeia, o gasto chegou a 4,85% -3,83% na rubrica “defesa nacional” e o restante, com outras despesas.
De lá para cá, houve oscilações, com uma baixa a 3,6% em 2021, um ano antes da guerra. Em 2023, o dado inicial de 4% já foi revisado pelo IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres), para 5,83%. O órgão previa um dispêndio na casa dos 7,5% neste ano, mas Putin subiu ainda mais o valor.
São todas estimativas complexas, dado que não se sabe o que o presidente russo coloca na conta. No ano passado, a rubrica “defesa nacional” russa consumiu 3,33% do PIB nas contas do IISS, sendo o restante decorrente de outros gastos militares relacionados.
Em termos de proporção do PIB, os mais transparentes EUA gastam menos (3,36%), mas o tamanho das economias é incomparável. Com isso, em 2023 a despesa com defesa americana foi a maior da história, equivalente a US$ 905,5 bilhões, enquanto os russos ficaram em terceiro lugar no ranking nominal, com US$ 108,5 bilhões.
Os opacos chineses, que empregam 1,24% de seu PIB com defesa, ficaram em segundo na tabela com os critérios do IISS, com US$ 219,5 bilhões. Tanto no caso de Moscou quanto no de Pequim o gasto é considerado potencialmente maior, dado que o custos de produção e aquisição de armamentos são menores nesses países.
Além de confirmar o papel econômico de Belousov na gestão da Defesa, Putin confirmou que não haverá mudanças na orientação da área militar do país. O chefe do Estado-Maior, general Valeri Gerasimov, permanecerá no cargo.
Ele estava presente ao encontro. Número 2 de Choigu, ele é visto como o cérebro por trás das decisões do ex-ministro, que nem militar era, apesar de ter ganho a patente máxima de general de exército. Foi objeto de críticas pelo desempenho pífio no início da guerra.
“Eu quero deixar claro a todos: a unidade do trabalho de combate evoluiu, funciona de forma rítmica, opera de forma bem-sucedida e não há mudanças esperadas aqui”, disse Putin. O presidente tentou marcar isso simbolicamente, tendo a seu lado na reunião Choigu, agora envergando um terno, e Belousov. Gerasimov também estava à mesa.
A fala sugere que Choigu, que irá para o lugar do influente Nikolai Patruchev na administração do Conselho de Segurança do país, poderá reter poder, talvez esvaziando decisões do tecnocrata Belousov. Mas isso precisará ser testado pela realidade para ser comprovado.
Putin elogiou o trabalho recente das forças russas, que estão em plena ofensiva no norte ucraniano, gerando uma situação que a inteligência militar de Kiev diz estar próxima de crítica na defesa do país. “Estamos avançando em todas as frentes”, afirmou.
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POR IGOR GIELOW