Governo pretende responsabilizar redes e influenciadores por fraudes em propagandas de bets
O Ministério da Fazenda pretende responsabilizar plataformas, mídias e influenciadores que desrespeitem as regras de propaganda e publicidade para as apostas de alíquota fixa, as apostas esportivas e os cassinos online.
Confirmada pela reportagem, mas ainda não oficializada, a medida surge no momento em que crescem denúncias de conteúdo irregular, envolvendo figuras públicas como o jogador Neymar e uma atriz do filme da Turma da Mônica e vídeos falsos na internet.
Como será feita essa responsabilização ainda está em debate, mas pessoas envolvidas nas negociações entre governo e casas de aposta afirmam, sob condição de anonimato, que a base deve ser a mais recente resolução do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) sobre o tema.
O número de notícias sobre investigações contra empresas do setor por ocorrências ligadas à publicidade é crescente.
Pesquisa Datafolha mostrou que 15% da população brasileira diz apostar ou já ter apostado de forma online. O fenômeno é disseminado em todo o país, inclusive entre beneficiários do Bolsa Família, mas tem mais força entre os jovens e homens. Quase um terço das pessoas entre 16 e 24 anos diz já ter apostado.
São corriqueiras as propagandas que passam a impressão de que as apostas são um meio de enriquecimento. Têm circulado nas redes sociais postagens patrocinadas, de diversas casas de apostas, que imitam telejornais reais para dar notícias falsas.
Um desses vídeos imita um jornal do canal CNN com a manchete “Neymar e seu novo aplicativo estão quebrando todos os recordes”.
A notícia falsa afirma que mais de R$ 5 milhões foram pagos a apostadores e que o próprio atleta diz que o site oferece percentagem de retorno maior do que qualquer outro. Na sequência, uma voz imitando Neymar afirma: “Toda semana daremos um milhão de reais”.
Procurada, a CNN disse que “repudia veementemente sites e páginas de mídias sociais que se aproveitam da sua credibilidade, de seus atributos e âncoras para chamar a atenção para produtos e serviços fraudulentos”.
“Tão logo a CNN Brasil tem conhecimento dessas fraudes, como no caso citado, imediatamente toma as medidas cabíveis. Reiteramos que tais práticas configuram a reprodução não autorizada de marca, o que é crime passível de detenção”, afirmou a emissora.
A reportagem também procurou o jogador, por meio de sua equipe, mas ele preferiu não se pronunciar.
Outros casos de fraude e irregularidades vêm sendo registrados nos últimos meses, um deles envolvendo o próprio Neymar.
No final do ano passado, a Polícia Civil de São Paulo passou a investigar a Blaze e o seu game conhecido como “jogo do aviãozinho”. A plataforma é acusada de estelionato por não pagar prêmios a apostadores.
O caso fez com que uma série de influenciadores contratados para promover a marca rompesse os acordos. Outros foram às redes sociais dizer que negaram propostas de publicidade e expuseram o valor que a empresa prometia pagá-los.
Neymar, um dos garotos-propaganda da marca, continua estampado nos sites da Blaze – a reportagem novamente procurou o jogador sobre o assunto, mas ele preferiu se calar.
A Justiça já determinou a retirada do site da Blaze do ar, o que foi várias vezes desobedecido com a disponibilização de links alternativos, segundo investigadores consultados pela reportagem. Também foi determinado o bloqueio de R$ 101 milhões de contas da empresa.
Questionada, a defesa da empresa disse que ela opera com “altíssimo nível de profissionalismo”, que manter sites de apostas no exterior não é crime, que pelo menos um dos inquéritos contra ela já foi arquivado e que o site foi desbloqueado.
“A insistência na realização de investigações criminais sem fundamento concreto traz um desnecessário esgarçamento institucional com os demais Poderes que estão regulamentando o tema”, afirmou, em nota.
Em outra frente, uma propaganda da Blaze protagonizada pela atriz Sophia Valverde infringiu resolução do Conar. Valverde, que será protagonista do filme “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo”, tem 18 anos. A norma do conselho determina que apenas maiores de 21 anos podem trabalhar nesse tipo de publicidade e veda a associação do conteúdo ao universo infantil.
A atriz afirmou ao portal Metrópoles que, no momento da postagem, no início de janeiro, a resolução do Conar havia sido apenas publicada, mas ainda não estava valendo – ela só passa a ser efetiva no início de fevereiro.
Essa é a mesma resolução que o Ministério da Fazenda pretende usar como base para responsabilizar plataformas e influenciadores.
O documento diz que as propagandas sobre apostas precisam ser socialmente responsáveis. Devem, por exemplo, ter avisos de que os jogos são proibidos para menores de 18 anos e advertências contra a ludopatia.
“São vedadas as promessas de resultados ou ganhos certos, fáceis e/ou elevados. São também vedados os apelos enganosos ou irrealistas sobre a probabilidade de ganhos ou isenção de risco”, diz o Conar.
Também não podem ser feitas propagandas cujo público-alvo sejam menores de idade. Ou que associem apostas a sucesso, formas de aliviar problemas, alternativa a empregos e forma de recuperação financeira. Ou, ainda que ofereçam crédito e encorajem postura “imprudente, criminosa ou antissocial”.
Os detalhes da portaria do Ministério da Fazenda ainda estão sendo finalizados pela pasta. A intenção é que não apenas as casas de aposta mas também quem contribua para a disseminação de publicidade irregular seja responsabilizado por isso.
A Fazenda será responsável por receber denúncias e apurar casos de irregularidades, em parceria com outros órgãos do governo federal. O documento com os detalhes deve sair ainda no primeiro semestre.
Para Renê Salviano, que é diretor da empresa Heatmap e trabalha justamente intermediando contratos de propaganda entre empresas e personalidades do esporte, a responsabilização é positiva.
Ele vê o momento inicial do mercado como um período de “educação”, no qual serão aprendidas as regras para atuação na área, e acredita que o perfil de garoto-propaganda pode mudar. Por enquanto, segundo Salviano, ainda são poucos os influenciadores que têm uma identificação maior com o setor de apostas online.
“Até a regularização, influenciadores com foco específico em conversão são os mais procurados. Porém, a cada dia, será necessário ter perfis que transmitam autoridade [específica neste mercado]”, diz.
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POR JOÃO GABRIEL E PAULO SALDAÑA