Comerciantes sustentam esperança de permanência no Camelódromo
O tradicional Camelódromo de Marília, que há mais de 30 anos abriga diversos comerciantes e é palco de muitas histórias de vida, enfrenta momentos de incerteza. Os trabalhadores, que empenharam décadas de esforço e dedicação ao local, agora se veem diante da possibilidade de serem obrigados a deixar o espaço, que representa não apenas um local de trabalho, mas também o sustento de suas famílias.
O Marília Notícia foi até o centro popular e ouviu relatos de comerciantes que nutrem uma grande esperança de continuar trabalhando no local. Para alguns, a idade dificulta a saída para procurar outro emprego e não conseguem imaginar a vida longe de lá.
Uma das figuras mais antigas do Camelódromo de Marília é a comerciante Deralda Ribeiro Sampaio, de 82 anos. Há décadas, ela vende brinquedos de plástico e, mesmo enfrentando diversas dificuldades ao longo do tempo, nunca desistiu de lutar para garantir seu sustento. Deralda paga aluguel e não teria para onde ir se fosse retirada do local que, ao longo dos anos, se tornou sua segunda casa.
“Estou aqui desde o começo. Já são 32 anos. O trabalho aqui significa tudo para mim. Eu dependo daqui para viver. Pago aluguel e não posso sair daqui, que é de onde tiro o meu sustento. Trabalho com brinquedos desde o começo. As vendas estão bem fracas, pois as crianças de hoje em dia só querem eletrônicos, não querem mais brinquedos. Está um pouco difícil, mas tenho que continuar, não posso parar de trabalhar”, diz a comerciante.
A incerteza sobre o futuro desses trabalhadores surge devido a uma disputa jurídica envolvendo o comércio popular da cidade. Sem saber se poderão permanecer no local, eles se mantêm esperançosos, mas também preocupados com as possíveis consequências.
Um desses comerciantes é o Luiz Carlos Borges Pereira, de 59 anos. Para ele, o espaço é mais do que um ponto de venda, é onde ele garante o sustento de sua família e criação de seus filhos. Ele é uma voz ativa entre os representantes do comércio e também atua no local desde o seu início, em 1991.
“É com o que ganho aqui que eu crio meus filhos e levo o sustento para minha casa. É praticamente uma vida inteira. Eu tenho confiança e acredito que vamos vencer, porque tem a boa vontade do pessoal daqui. Se as autoridades nos ajudarem, tomando uma posição de realmente ajudar a gente, nós vamos vencer, pois o problema não é tão complicado. Acredito que com o empenho de todos temos como vencer”, analisa Pereira.
Luiz Carlos acredita que os problemas enfrentados conscientizaram todos sobre a importância da união entre os comerciantes e que, a partir de agora, é preciso mudar o rumo que estava sendo tomado.
“Precisamos nos valorizar mais. Temos que nos unir em prol de uma causa maior, para o bem de todos, tanto da população que frequenta, dos nossos clientes e para nós mesmos. Não tenho saúde mais. Já passei por infarto e com a idade avançada, vou trabalhar onde? Já fui caminhoneiro, mas hoje eu não posso mais. Isso aqui para mim é essencial, não só para mim, como para muita gente. Tenho cinco filhos e não posso parar”, explica.
Outro comerciante que enfrenta essa incerteza é Celso Luiz Barbosa, de 59 anos. Antes de se estabelecer no Camelódromo, ele trabalhava em uma modesta banquinha na rua Nove de Julho. Com a inauguração do espaço pelo prefeito Domingos Alcalde, em 1991, ele viu a oportunidade de expandir seu negócio. Hoje, além de sustentar sua própria família, Barbosa também emprega dois funcionários que dependem do trabalho.
“Domingos Alcalde fez o Camelódromo e tirou quem trabalhava na rua Nove de Julho, perto do Pastorinho. O objetivo era desafogar o trânsito no local e seu entorno, que incomodava algumas pessoas. A mudança para cá foi muito boa. Naquele tempo, nós trabalhávamos com uma barraquinha na rua, sujeito à chuva e outras situações. Quando viemos para um lugar coberto, mudou mil por cento”, relembra Barbosa.
Celso afirmou que várias melhorias foram feitas até chegar ao estágio atual do centro comercial. Ele revelou que sempre existe algo para ser corrigido e que estão dispostos a melhorar os apontamentos necessários para continuarem trabalhando no local.
“Nos olhos de um profissional tem sempre algo a corrigir. E nós queremos corrigir esses erros o mais rápido possível, para podermos trabalhar tranquilos e atender nossos clientes com muita qualidade e segurança. Não tenho outra renda e tenho um problema muito sério de saúde, que é uma doença autoimune. Em que lugar conseguiria um emprego? Eu dependo 100% daqui para minha sobrevivência”, diz o comerciante.
Barbosa conta com dois funcionários, que viajam até São Paulo para buscar os produtos que serão comercializados em seu estabelecimento. Ele revelou que cerca de 200 famílias estão trabalhando no local, com uma média de 900 pessoas que direta ou indiretamente dependem do Camelódromo para sobreviver.
“Não posso viajar por conta dos problemas de saúde. Dois funcionários viajam e dependem deste trabalho. Se eu parar, eles param. É uma corrente e não podemos quebrar esse elo. Ainda bem que a juíza é uma pessoa muito boa. Tenho certeza que ela vai dar um prazo e vamos fazer tudo o mais rápido possível para resolver, de uma vez por todas, qualquer problema”, declara o comerciante.
Com 63 anos, o comerciante Pedro Sobral é mais um exemplo de trabalhador dedicado ao comércio popular de Marília. Comerciante de relógios, mochilas, despertadores e outros produtos, ele construiu sua vida e viu seus dois filhos se formarem na faculdade, graças ao sustento conquistado como vendedor no local. Para ele, o Camelódromo não é apenas um espaço comercial, mas um local de histórias e conquistas.
“Vendo relógios, mochilas, despertadores, troco pilhas. Já é algo sólido na minha vida. Não dá para fazer outra coisa. Já são mais de 30 anos fazendo isso. Formei dois filhos aqui. Um deles fez Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, enquanto o outro se formou na área de TI na Univem. Não tenho hoje como sair daqui. Ninguém está preparado para isso. É muito importante trabalhar e preciso disso para pagar minhas contas”, diz Sobral.
Marlene Brás, 61 anos, é outra comerciante que enfrenta a incerteza sobre o futuro. Desde a inauguração do Camelódromo, ela está presente no local, vendendo seus produtos e garantindo o sustento de sua família. A persistência e dedicação de Marlene são admiráveis, pois mesmo diante das dificuldades, continua lutando para manter seu negócio funcionando.
“Estou aqui desde quando foi inaugurado. Eu não tinha nem meu filho e agora ele já vai fazer 32 anos. Isso aqui é muito importante para mim. Com minha idade, se tirar a gente daqui, onde vou trabalhar? Não tenho para onde ir. Meu marido é deficiente e não consegue arrumar serviço em uma firma. Minha filha ainda depende de mim. Vou fazer 62 e fica difícil arrumar um emprego fora daqui”, explica Marlene.
A comerciante ficou emocionada e seus olhos se encheram de lágrimas ao falar da possibilidade de deixar o local.
“É uma situação meio complicada, que pegou todo mundo de surpresa. Se fosse para sair hoje, passaria necessidade, porque não sou aposentada. Não só eu, como todo mundo daqui, que está aqui porque precisa. Trabalho com eletrônicos e na época do frio eu vendo luvas, toucas e meias. Tenho que diversificar um pouco para poder vender, para sobreviver”, conta a comerciante.
Diante dessa situação delicada, os comerciantes do Camelódromo de Marília pedem apoio e solidariedade da população e das autoridades, para que suas histórias de vida e dedicação não sejam interrompidas. Eles desejam continuar servindo à comunidade e contribuindo para o comércio local, mantendo viva a essência do espaço que se tornou parte da identidade de Marília.
Enquanto aguardam a decisão judicial que determinará o futuro do Camelódromo, esses trabalhadores confiam que a Justiça levará em consideração o impacto social e econômico de suas remoções. Para eles, o Camelódromo é mais do que um lugar de comércio, é um pedaço de suas vidas e um símbolo de superação e dedicação.
ENTENDA O CASO
Os comerciantes que atuam no Camelódromo da cidade foram surpreendidos na manhã da última quarta-feira (5) com uma decisão da Justiça para desocupação do local.
O despacho da juíza Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira, da 1ª Vara Cível, atendia ao pedido de uma ação civil ajuizada pelo promotor José Alfredo de Araújo Sant’Ana, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), contra a Prefeitura de Marília. O processo corria desde 2010.
O Executivo foi notificado no último dia 4 de julho para interditar o local no prazo de 15 dias. O despacho também determinava a realocação dos comerciantes em um espaço apropriado, compatível e seguro, em até 30 dias.
No entanto, no dia 7 de julho, a Prefeitura de Marília conseguiu um efeito suspensivo contra a determinação que exigia a realocação dos comerciantes. A decisão foi assinada pelo desembargador Vicente de Abreu Amadei, da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP).
A partir de agora, a única obrigação jurídica que o Executivo ainda possui é de interditar o local no prazo de 15 dias a partir da notificação, sob multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento.
REUNIÃO E RISCO DE INCÊNDIO
No dia em que receberam a notícia da decisão da Justiça, a Associação dos Comerciantes do Terminal Rodoviário Urbano de Marília realizou uma reunião para explicar a todos os lojistas locais sobre o ocorrido e o que seria feito para evitar o fechamento.
No primeiro passo, a liderança do grupo contratou um advogado para tentar ampliar o prazo para adequação, antes de uma possível interdição.
O promotor de Justiça José Alfredo de Araújo Sant’Ana, responsável por solicitar a medida, confirmou a existência de três laudos que indicam irregularidades no local e descartou a possibilidade de concordar com um prazo maior para obras de adequação.
Em entrevista exclusiva ao Marília Notícia, Sant’Ana demonstrou preocupação com os riscos de incêndio constatados e questionou: “Vai repetir o caso da boate Kiss?”, em alusão ao incêndio em casa noturna que matou 242 pessoas em 2013 na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
REUNIÃO NO FÓRUM
O capítulo mais recente do imbróglio foi uma reunião realizada na tarde desta terça-feira (11), no Fórum de Marília, que deve ajudar a selar a manutenção dos comerciantes no Camelódromo.
Representantes da Prefeitura de Marília se comprometeram em apresentar um cronograma de trabalho para a Justiça nos próximos dias, surgindo a possibilidade de prorrogação do prazo que a própria Justiça deu para que a administração municipal interdite o tradicional espaço por falta de segurança.
Luís André Marques, presidente da Associação dos Comerciantes do Terminal Rodoviário Urbano, que esteve presente no encontro, classificou como ‘produtiva’ a reunião com a juíza Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira. Além do preposto dos camelôs, representantes da Prefeitura e da Câmara de Marília também participaram.
“A Prefeitura de Marília vai criar um cronograma com todas as medidas para sanar os problemas, a partir de uma análise de engenheiros. Assim que tivermos esse documento, ele será apresentado para a juíza, que nos informou que vai analisar a proposta. Temos que protocolar tudo até a data limite para interdição, mas existe a possibilidade de prorrogação do prazo para isso”, finaliza Marques.