Decisão do TJ deixa moradores dos prédios da CDHU indignados
O acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que deu ganho de causa para a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), provocou grande indignação nos moradores dos prédios do Conjunto Habitacional Paulo Lúcio Nogueira, localizados na zona Sul de Marília.
A população esperava pela remoção para outro local e consequente reforma dos prédios, mas terá que continuar a conviver com o risco de desabamento, uma vez que os imóveis estão em estado precário.
A decisão dos desembargadores afirmou que o problema não era da CDHU. Os magistrados ressaltaram que os problemas seriam oriundos da falta de manutenção adequada. O perigo real de desabamento também consta nos parágrafos destacados pelos desembargadores, mas apesar disso, o TJ decidiu revogar a decisão anterior e manter os moradores correndo risco no local.
O Marília Notícia foi até os prédios da CDHU na tarde desta quarta-feira (31), onde foi possível constatar os inúmeros problemas estruturais do local. A moradora Rúbia Cristina Sanson ficou revoltada com a decisão, que colocaram a culpa nos moradores e tiraram qualquer responsabilidade da CDHU.
“Falam que a culpa é nossa, mas os encanamentos que eles colocaram estão todos podres. São canos de plástico, que estão danificados internamente, infiltrando por dentro do prédio e fazendo com que ele [o imóvel] afunde aos poucos, com real risco de desmoronamento. Não adianta eles tentarem tirar o corpo fora, pois a culpa é deles. Usaram um material bem vagabundo aqui, que todos os apartamentos estão com infiltração”, relata Rúbia.
A moradora afirma que não tem como eles mesmos arrumarem os últimos andares, que estão repletos de infiltrações. Rúbia acredita que houve erro no momento em que o projeto foi executado.
“Não é um problema provocado pelos moradores. Isso é um problema do engenheiro que fez essa obra. Todos os prédios estão na mesma situação e não pode continuar desse jeito”, diz.
A moradora Suzana Félix da Silva ficou sabendo pela imprensa que o TJ-SP havia aceitado o recurso da CDHU, passando por cima da decisão de primeira instância que determinava a remoção dos moradores e reforma dos prédios.
“Eu me senti um lixo. Pago meus impostos e o meu apartamento é quitado. Na época de eleição aparece um monte de gente [político], mas hoje você não encontra ninguém para te ajudar. A gente não pode mexer, pois não sabe como está por baixo. Qualquer coisa que alguém tentar fazer, pode piorar ainda mais a situação”, protesta Suzana.
Além do valor mensal de pouco mais de R$ 400, Maria da Conceição ainda paga dívidas de quem morou antes dela. Pela situação do imóvel, ela não se conforma com o tanto que precisa pagar para permanecer no local.
“No meu apartamento eu pago dívida que não era nem minha. Eu ia perder o imóvel e o benefício ia ser bloqueado. Como vou comer com o que ganho? Ainda tenho medo de tudo cair. Todo mundo aqui tem medo”, confessa Maria da Conceição.
A moradora Fernanda Sigulini afirma que residir nos apartamentos de algum dos prédios da CDHU na zona Sul de Marília é o mesmo que morar em uma favela. Ela conta que todos estão abandonados pelo Poder Público.
“Já que não vão fazer nada por nós, então melhor parar de cobrar. A gente mora numa favela. Estamos largados aqui. A gente não tem uma capinação, não tem lixeiro descente, nada é descente. Os prédios estão tudo caindo, minha caixa d’água vazando, esgoto aberto, com perigo real de cair alguma criança. Ainda querem que eu pague por um lixo desses”, reclama Fernanda.
O Marília Notícia teve acesso ao interior de um apartamento e contatou uma parede que estava com os blocos expostos, além de grande infiltração. Já as rachaduras são visíveis na área externa dos prédios, bem como é possível perceber o chão cedendo por todos os cantos.
Quem também se mostrou indignada com a situação foi a Renata Ferreira. Ela afirma que os moradores já pagam as prestações há 25 anos, e o valor sempre aumenta. A moradora reclama do esgoto a céu aberto, das rachaduras nas paredes e confirmou que o perito disse que existe movimentação abaixo dos prédios, o que provoca os problemas estruturais.
“Estão aparecendo cada vez mais rachaduras nos prédios e isso mostra que ele está se movimentando. As escadas estão caindo e podem provocar graves acidentes. Os telhados já caíram e é uma destruição total. E o pior é que estão fornecendo contratos novos para as pessoas. Estão dando a morte para elas. Estão fornecendo a morte para a gente. Você vai dormir, mas não sabe se vai acordar”, pontua Renata.
Renata conta que dorme orando e acorda pedindo a Deus que os protejam. Ela diz que os moradores precisam fazer a limpeza do local e começou a aparecer ratos, ratazanas e escorpiões.
“Estamos tristes com essa decisão. Nós não temos dinheiro como a CDHU. Se o juiz viesse aqui, ele ia acreditar em tudo que estamos falando. Vem aqui ver como nós vivemos. Dentro dos apartamentos estamos com problemas. Eu já perdi televisão e computador por causa das infiltrações”, diz Renata.
João Mariano relata que todos os banheiros estão com as ferragens aparecendo. Ele diz que não adianta arrumar apenas o problema do próprio banheiro, pois as infiltrações persistem, com diversos vazamentos.
“Estão aparecendo os ferros dentro dos banheiros. Infelizmente estamos abandonados. Estamos largados aqui. O meu contrato é de 2021. Assumi um compromisso de um imóvel novo, que era para estar cheirando tinta nova, mas infelizmente cheira esgoto e está com todas as paredes rachadas. O prédio interditado pela Defesa Civil e mesmo assim eles venderam para mim”, diz Mariano.
Madalena Rangel afirma que o vazamento de água não para, nem de dia e nem de noite. A situação tem deixado a laje com grande quantidade de água, que desce pelas portas das casas, que estão se deteriorando.
“A água desce nas portas dos moradores, entrando nas casas. Tem morador que não tem lâmpada no último andar, pois entrou em curto circuito. A gente conserta, mas depois danifica de novo. Os canos estão rachando direto, não sei se a caixa está cedendo. O perito disse que é perigoso e a gente continua morando aí, com crianças pequenas, idosos e mulheres grávidas”, afirma Madalena.
Rosângela Angélica tem medo de morar no prédio da CDHU. Ela é proprietária de um apartamento no Bloco A3, que afirma não ter mais alguns degraus da escada. A chuva dos últimos dias piorou a situação.
“A chuva que caiu está empoçada no corredor na frente do meu apartamento. Moro no último andar e posso te dizer que as tampas dos esgotos estão afundando. Não tem corrimão nas escadas e eu fico muito preocupada. Fico com medo de dormir e acordar com uma tragédia. Pago IPTU e não tenho o mesmo direito dos demais moradores de Marília”, pondera a moradora.
Ainda cabe recurso em tribunais superiores, contudo, a decisão em segunda instância “cancela” a sentença em primeiro grau e mantém todos os moradores dos cerca de 800 apartamentos nos prédios da CDHU, que não serão interditados e seguem em situação precária, com risco real de desmoronamento para os moradores.