Deep fake: entenda a tecnologia tema da novela ‘Travessia’
Os novos crimes digitais e os perigos que chegam com os avanços tecnológicos dominam parte dos debates sociais de hoje. E essas questões chegam pela primeira vez como protagonistas de uma novela em horário nobre da Rede Globo.
Travessia, que promete manter o sucesso da faixa das 9h da emissora após o remake de Pantanal, traz uma trama que retrata estupro virtual, dependência tecnológica e fake news.
Glória Perez, a escritora do folhetim, quer questionar até que ponto a relação dos seres humanos com a tecnologia é algo saudável.
“Eu gosto muito de olhar a sociedade e como nos comportamos hoje através do avanço da tecnologia, porque cada tecnologia nova introduz possibilidades novas de dramas para a humanidade”, explicou a autora em entrevista coletiva realizada com o elenco.
Na trama de Glória, a protagonista da novela, Brisa (Lucy Alves), tem o rosto trocado em um vídeo de uma mulher correndo com uma criança no colo.
O que é Deepfake?
A personagem em questão é vítima de uma deepfake, técnica de Inteligência Artificial (IA) que altera áudios e vídeos para promover desinformação. Isso pode ser feito com troca de rostos e clonagem de voz, por exemplo, e ser utilizada para simular atitudes que nunca aconteceram. A técnica é usada, principalmente, na política para criar conteúdos falsos ou maliciosos.
Por conta do poder da difusão da fake news criada por uma inteligência artificial, Brisa sofre uma mudança radical de vida após ser reconhecida na rua. A protagonista é cercada por um grupo de pessoas e precisa fugir para evitar que uma tragédia aconteça.
Apesar de se limitar às telas, a história de Brisa se confunde com uma realidade não tão recente. Há 8 anos, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi linchada por um grupo de pessoas no Guarujá, litoral paulista, após ser confundida com uma sequestradora de crianças.
Relembre caso de linchamento que envolveu pelo menos 100 pessoas
Fabiane Maria de Jesus foi vítima de um linchamento no dia 3 de maio de 2014 no bairro de Morrinhos. Conforme os registros da época, pelo menos 100 pessoas haviam participado da agressão e, segundo a Polícia Civil, outras 1.000 foram até o bairro para assistir ao crime.
Segundo relatos colhidos pelos parentes da vítima com testemunhas à época, Fabiane morreu após brincar e oferecer uma fruta a um menino que ela não conhecia.
A dona de casa ainda carregava uma Bíblia com fotos das filhas dela, emprestada para uma amiga dias antes. A Bíblia foi confundida com um “livro satânico” e foi rasgada pelos criminosos na ocasião.
Na época, cinco homens que participaram ativamente do crime, Valmir Barbosa, Lucas Rogério Fabrício Lopes, Carlos Alex Oliveira de Jesus, Abel Vieira Batalha Júnior e Jair Batista dos Santos, foram denunciados por homicídio triplamente qualificado.
Ao contrário de Brisa, porém, Fabiane não foi vítima de uma deepfake. O rosto dela apenas foi confundido com um retrato falado compartilhado em um grupo de Facebook chamado “Guarujá Alerta”.
Deepfake em Travessia
O caso deu o pontapé inicial aos debates sobre as consequências das notícias falsas e da difusão das redes sociais e inspirou a escritora para costurar a história de Travessia. “Foi um caso que me impressionou muito”, comenta Glória.
“A nossa Brisa não terá esse fim, mas eu quis trazer essa história para mostrar até onde pode chegar um caso desses. Uma pessoa perdeu a vida e todas aquelas pessoas que estavam ali responderam a um chamado, sem pensar, de forma mecânica”, acrescenta a autora.
Em Travessia, a deepfake foi escolhida para mostrar como os recursos tecnológicos vão tornando as fake news mais “sofisticadas”, como explica Mauro Mendonça Filho, diretor artístico responsável pela novela.
“Em um futuro bem próximo, você não vai conseguir identificar o que é verdade e o que é montado. A tecnologia também pode trazer temores do futuro. Foi um retrato falado que gerou aquilo, então imagina o que pode acontecer quando vai ficando mais sofisticado”, diz Mendonça Filho.