Procrastinação: Por que adiamos tanto?
Olá, caro leitor!
Em primeiro lugar, agradeço a você pela iniciativa em lançar os olhos para o que venho a escrever. Obrigado, ainda, ao Marília Notícia pelo convite à coluna. Sinto-me gratificado e privilegiado por poder dividir com vocês algumas importantes reflexões sobre a mente humana sob a ótica da psicologia.
Pois bem, é fato que vivemos tempos de ansiedade. Temos a sensação de que o tempo nos engole. Vivemos em um tsunami de informações, prazos, competições, cobranças profissionais, na família, no âmbito social, econômico, no amor, concursos, faculdade, vestibulares, entre outros. A lista é grande. Por meio do microscópio das ciências sociais, toda essa engrenagem por trás da nossa sociedade envolve a cultura, o político, o social, que se fundamentam no funcionamento de modelos econômicos e organização dos macro grupos humanos através do desenrolar da história. A biologia e a medicina trazem o vértice da saúde e da doença, envolvendo o funcionamento fisiológico do corpo humano e sua interação com o meio. Mas o que acontece dentro da nossa mente? Vou tentar ser o mais didático possível e para isso, penso que podemos seguir três regrinhas capitais básicas sempre em nossos textos, para que possamos compreendê-los bem:
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Bem, retomando, dizia eu que vivemos em tempos difíceis. Vivemos constantemente angustiados com o tempo e a procrastinação é algo que está intimamente relacionada com os tempos atuais. Venho, então, propor uma breve reflexão.
Penso que a procrastinação, ou o ato de se protelar os afazeres é, por excelência, um drible. Sim, um drible. No entanto, o que se procura evitar no fim das contas não é a tarefa em si, mas aquilo que ela representa.
O leitor se pergunta, então: por que os afazeres são evitados? Porque eles, em verdade, representam algo em território inconsciente (regra nº 1, ok?). O que se procura evitar no fim das contas, não é a tarefa em si, mas o que ela representa (regra nº 2). Os afazeres todos, acumulados, empilhados, largados ao porvir, não acontecem. E já adianto: eles não podem acontecer. Não podem vir-a-ser. Talvez eles, se concluídos, representem uma catástrofe.
Vamos pensar na mente como sendo uma pizza (regra nº 2). Na mente,considerando suas partes, na medida em que para avançar é preciso ser ofensivo, há uma involuntária e inconsciente renúncia a umafatia que de fato existe dentro da gente,que é potente, cheiade impulsos vitais e que nos levaria ao sucesso na realização das tarefas.Mas que também dá medo.O vir-a-ser vem acompanhado, para o procrastinador, de uma ameaça que não tem nem conversa.
Mas qual seria o motivo de ter medo desse pedaço (de fato, o que ele representa), já que elepoderia trazer boas coisas? Em primeiro lugar, lembre-se da regra número 1. Em segundo lugar,caro leitor, penso que enquanto está em terreno inconsciente, o medo vence.Trago à coluna de hoje um mito da Grécia antiga politeísta, que pode lançar luz sobre nosso assunto de hoje:
Conta a lenda que o Olimpo, antes de ser governado pelos deuses, era dominado pelos titãs. Filho de Urano (céu estrelado) e Gaia (Terra), Cronos era o mais velho dos titãs. A pedido de sua mãe, Cronos destituiu seu pai, dono de uma crueldade inabalável, do trono e passoua ser o novo rei dos deuses. Uniu-se, então, a uma de suas irmãs, a titânide Réia.Também muito cruel, Cronos se tornou um déspota tão maligno quanto seu pai e, após Urano e Gaia profetizarem que seria destronado por um de seus filhos imediatamente após seu nascimento, passou a devorá-los toda vez que estes nasciam. Auxiliado por Réia, sua mãe, Zeus foi o único filho que não foi engolido. Assim, Zeus lutou contra Cronos e os outros titãs.Venceu e o obrigou a regurgitar seus irmãos, tornando-se o deus do céu. Poseidon passou a ser o deus dos mares e Hadeso do submundo. (adaptação de “O Livro de Ouro da Mitologia”, de Thomas Bulfinch)
Cronos é um titã e deus do tempo. Como tinha medo de perder o poderpara seus filhos, em função da maldição, passou a engoli-los assim que nasciam. Zeus, que alcançou os céus, conseguiu escapar à maldição. Convido a você, leitor, a analisarmos o mito sob dois vértices: o de Cronos e o de Zeus.
O procrastinador vive, psiquicamente, uma profecia semelhante (lembremo-nos da regra nº 1).Assim como no mito de Cronos, tem emsuas tarefas filhos que não podem existir (regra nº2). Fazendo uma alusão ao mito,há uma renúncia não às tarefas em si, mas àquilo que vem, àquilo que representa atransformação, o novo.Devora as oportunidades e aborta (com excelência) aquilo que poderia nas-SER e aconte-SER. Em outras palavras, um auto boicote.
Porém, a coisa também pode (sempre em território inconsciente) mudar de figura. O procrastinador também pode estar vivendo como um filho, herdeiro portador do bastão continuidade, carregando para o futuro tudo aquilo que há de mais valiosona família (regra nº 2, ok?). Um filho com a temida importância de carregar o que há de mais importante nas costas e dar conta das expectativas. Assim são os filhos. Assim também foram os pais, filhos outrora.
Pois bem, é aí que dá medo. É onde a realidade de todas as coisinhas, afazeres e tarefas viram coisonas e tarefonas tão importantes e grandes quea pessoa pode passar a se ver como um filho de Cronos, através das lentes de um infante atemorizado.Os afazeres e tarefas viram uma coisa só, grande, e que engolfa e devora.Assim ficam as tarefas e afazeres prometidos no nosso mundo interno. Elas se tornam enormes perante a pessoa. Não é difícil notar a função da evitação nesses termos.As coisas não acontecem. Como num país onde o tempo não existe (regra nº2).
Por fim, não tenho a pretensão de esgotar o assunto. A proposta de agora, assim como a dos próximos textos é a reflexão. Os mitos podem nos ajudar a compreender o ser humano e as suas relações com as coisas. Trarei, sempre que puder um mito para conversarmos. Quanto ao mito de hoje, ouso dizer que ambas as ocasiões coexistem no mundo interno, considerando a importância da regra número três, central nessas reflexões.Procrastinar torna-se uma forma de se distanciar (ou de lidar de forma primitiva) da intensa angústia na qual os próprios anseios ou expectativas sobre Si Mesmo (regra nº 3) e o porvir estão acoplados.O Cronos é cruel. O tempo é cruel. E nós também o somos, por vezes, conosco.