MP-SP investiga contrato da coleta e destinação de lixo em Garça
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) abriu, no final do mês passado, um Procedimento Preparatório de Inquérito Civil com o objetivo de investigar a contratação da Macchione Projeto, Construção e Pavimentação Ltda. pela Prefeitura de Garça (distante 35 quilômetros de Marília).
A empresa é contratada ao menos desde 2009, inicialmente de forma emergencial e, no mínimo há seis anos – com base em certames temerários -, em uma suposta trama de irregularidades que vem perpassando diferentes gestões e atores políticos.
O chamado Procedimento Preparatório de Inquérito Civil inclusive serve para identificar quem são os eventuais responsáveis por possíveis ilegalidades ao longo destes 12 anos em que foram dispendidos milhões de reais dos cofres públicos municipais.
A Marcchione é até hoje a responsável pela coleta do lixo domiciliar, comercial e industrial, tanto do município quanto do distrito de Jafa.
A mesma empresa também opera a usina de reciclagem e compostagem de lixo e o aterro sanitário, e ainda fica com os lucros obtidos pela venda de materiais recicláveis e resíduos transformados em adubo, sem qualquer repasse para a Prefeitura.
A investigação que acaba de ser iniciada pela Promotoria foi motivada por uma representação feita pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), que apontou uma série de problemas na contratação.
Foram considerados irregulares, por exemplo, a forma de contratação, pelo menos desde 2014 e 2015, os contratos em si, e diversos aditivos feitos ao longo do tempo, que encareceram o que havia sido pactuado inicialmente.
IRREGULARIDADES
A Corte de Contas considerou ilegal a dispensa de licitação realizada em 2014 pelo ex-prefeito José Alcides Faneco, que resultou na contratação da empresa por 180 dias pelo valor total de R$ 979 mil – ou R$ 163,2 mil por mês – entre outubro de 2014 a abril de 2015.
Naquele mesmo ano, uma licitação acabou sendo realizada e a empresa vencedora foi novamente a Macchione.
Desta vez, por 12 meses de contrato entre setembro de 2015 e o mesmo mês de 2016, pelo valor mensal de R$ 184,6 mil, o que equivale a mais de R$ 2,2 milhões por ano.
Neste caso, apesar da realização de licitação, pela segunda vez – ao menos -, o TCE considerou a contratação da empresa irregular.
Em decisão de setembro do ano passado, pela irregularidade das contas de 2015, o conselheiro da Corte de Contas Antônio Roque Citadini detalhou as diversas irregularidades verificadas no contrato.
Uma representação ao TCE, citada pelo conselheiro, apontou que “os materiais reaproveitáveis serão de propriedade da contratada, ressalvando que, sendo a Usina de Compostagem de propriedade do município, tal procedimento implica subtração de receitas”. O assunto aqui é a venda de reciclados e a compostagem.
Outro problema, conforme representação, envolveria o pagamento dos serviços por “valores globais, não considerando a quantidade de resíduos coletados, ensejando prejuízo significativo ao erário público, ao não pesar tais resíduos, haja vista que a Prefeitura pagaria pelo processamento de 900 toneladas por mês, sendo a quantidade real de apenas 455 toneladas por mês”.
Foi apontado também “dissonância entre o valor estimativo da planilha de custo do Orçamento Básico – Anexo II – R$ 79.740,00 por mês, com o praticado no mercado, estimado aproximadamente 51% a menor do que o constante na planilha orçamentária”.
Uma fiscalização do TCE apontou ainda mais problemas, como “a forma de pagamento estabelecida no ajuste (valor fixo independentemente da quantidade de resíduos coletada) em desacordo com a regular liquidação da despesa”.
A fiscalização também questionou “a indevida destinação de toda renda oriunda da comercialização dos produtos resultantes da operação das usinas, tanto os materiais reaproveitáveis como o composto orgânico para livre comercialização da contratada”.
Em relação à licitação, contrato e aditamentos, o Órgão Fiscalizatório condenou a “aglutinação de serviços distintos em um único lote, causando restrição à ampla competição no certame” e a “publicação extemporânea do extrato do contrato e dos termos de aditamento”.
No primeiro caso, significa que deveriam ter sido realizadas licitações diferentes para coleta de lixo, destinação e operação da usina de reciclagem e compostagem.
A assessoria técnica do TCE também apontou “irregularidade da licitação e do contrato, devido à vedação da participação de empresas consorciadas, diante da aglutinação de diversos serviços”.
O Ministério Público de Contas, por sua vez, indicou “que a junção dos três objetos numa única contratação comprometera a competitividade da disputa e que a permissão da participação de empresas consorciadas, efetivada em retificação do edital pela origem – por si só – seria insuficiente para ampliação dessa competitividade”.
A promotoria do TCE também “considerou prejudicial, ao erário, a cláusula a qual estipulava que o lucro obtido com a venda dos produtos resultantes das operações da Usina de Reciclagem e Compostagem fosse todo da contratada, bem como irregular o pagamento com um valor fixo, sem a devida pesagem dos resíduos, em afronta à regular liquidação da despesa”.
OUTRO LADO
A reportagem questionou José Alcides Faneco sobre os problemas referentes ao seu governo. Ele contesta os dados apontados pelo TCE e afirma que a Prefeitura contratou a empresa para coleta de 900 toneladas/mês porque esta é a real demanda de Garça. “O TCE disse que Garça coleta 455 ton/mês. Queria saber onde eles [conselheiros] arrumaram essa pesagem. Será que ficaram aqui 30 dias pesando o lixo diariamente?”, indaga.
O ex-prefeito pontua ainda que conta com planilha da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), que atesta a coleta de 32,28 ton/dia, o que resulta em 968,4 ton/mês. “E não 455 ton/mês, como foi publicado pelo TCE. O que precisamos fazer para corrigir essa situação?”, questiona.
Faneca afirma ainda que anualmente sua gestão foi aprovada pelo TCE, o que constam como irregular são “apartados” de algumas prestações de contas.
O ex-chefe do Executivo também afirma que não foi citado oficialmente para apresentar sua defesa à Corte de Contas e alega que a atual gestão, que atuou junto ao TCE nos casos e não se esforçou para comprovar a regularidades dos atos.
Faneco também critica os apontamentos feitos pelo órgão fiscalizador. Para o ex-prefeito, caso as licitações fossem fragmentadas conforme o objeto delas, dificilmente haveria empresa interessada no contrato.
“A realidade de um município pequeno é diferente de uma cidade como Marília ou outras maiores. O TCE insiste em aplicar as mesmas regras para realidades distintas. Nossas decisões sempre foram no sentido de economia aos cofres públicos”, afirma.
A reportagem também procurou a empresa contratada, que não retornou até o fechamento desta matéria. A Prefeitura disse que só se manifestaria após a publicação do texto.