Lei impede prefeitos eleitos de ‘abrir cofre’ em 2021
Os candidatos que saíram vitoriosos da eleição de 2020 com promessas de aumentar o serviço público e fazer concursos para funcionários encontrarão, no próximo ano, uma barreira legal. Custos com o funcionalismo e contratações devem ficar congelados durante todo o primeiro ano de mandato dos prefeitos eleitos. Uma lei aprovada em maio deste ano pelo Congresso Nacional impede a União, os Estados e os municípios de fazer qualquer contratação, reajuste ou reforma administrativa que traga aumento de despesa.
A regra foi incluída na lei complementar 173, que criou o programa federal de enfrentamento à pandemia do coronavírus. O congelamento de vagas e salários foi a contrapartida a um alívio financeiro de R$ 125 bilhões e à suspensão de pagamentos da dívida com a União, e vale até 31 de dezembro de 2021.
Todos os municípios do País estão submetidos à regra. Na lei, há exceções previstas apenas para a reposição de cargos e contratações temporárias, inclusive para prestação de serviço militar.
O secretário executivo da Frente Nacional de Prefeitos, Gilberto Perre, critica a aprovação da regra única para os mais de 5 mil municípios brasileiros. Ele diz que as contas públicas em cidade têm situações muito diferentes, e lembra que a crise econômica tem pressionado o setor público a oferecer mais serviços nas áreas de saúde, educação e assistência social.
“Esses regramentos nacionais, para um país tão heterogêneo, sempre podem trazer complicações”, diz Perre, ex-prefeito de São Carlos, no interior paulista. “É óbvio que teremos de conter despesas, porque as receitas estão desfavoráveis. Mas engessar, de norte a sul e de leste a oeste, é generalizar demais.”
Entre os prefeitos da FNP, segundo Perre, ainda não há um movimento para alterar as regras da lei. Ele diz, no entanto, que isso pode mudar caso o cenário econômico de 2021 melhore a ponto de trazer mais arrecadação. “Se a economia demonstrar sinais de volta aos padrões pré-pandemia, eventualmente essa medida pode não se fazer tão necessária, ser até abreviada. Isso depende do ambiente político de 2021.”
Rio de Janeiro
A exigência da lei dificulta o cumprimento dos planos de governo mais ambiciosos, que prometeram a expansão do atendimento e criação de novos serviços públicos. No caso do Rio de Janeiro, algumas propostas do prefeito eleito Eduardo Paes (DEM) são dificultadas não só pela lei complementar 173, mas pela situação fiscal da prefeitura.
Uma das promessas, exibida em vídeos da campanha na TV e nas redes sociais, é recontratar mil médicos e outros 5 mil profissionais da saúde no primeiro ano de governo. Outras promessas de campanha são contratar mais de 3 mil professores, expandir programas de segurança, voltar a dar prioridade aos investimentos sociais e criar um novo plano de carreira para servidores da área de saúde no ano que vem. A campanha não divulgou a previsão de impacto das medidas no Orçamento municipal.
Na primeira semana após a eleição, porém, a equipe de Paes anunciou que deve receber a prefeitura com um rombo de R$ 10 bilhões. Futuro secretário municipal de Fazenda, Planejamento e Controladoria do Rio, o deputado federal Pedro Paulo (DEM) classificou a situação das contas na cidade como “muito calamitosa”. A equipe prepara um pacote de ajuste fiscal para a primeira semana de governo que inclui congelamentos nos gastos, renegociação de contratos e corte de incentivos fiscais.
Contexto
O Rio é, entre todas as capitais do País, aquela que tem a maior proporção da sua receita dedicada ao pagamento de servidores. Segundo os dados mais recentes do Tesouro Nacional, referentes a 2019, o gasto bruto com pessoal equivale a 79% do dinheiro que sobra após o município pagar transferências previstas na Constituição.
A situação do Rio é discrepante se comparada a outras capitais mais ricas. São Paulo, Belo Horizonte e Salvador, por exemplo, estão na situação inversa, abaixo dos 50% da receita corrente líquida comprometida.
“Nós vamos trabalhar para que esse ajuste possa ser implementado o mais rápido possível, e, com a recuperação da capacidade fiscal da cidade, vamos progressivamente implementando o plano de governo que o prefeito pactuou com a cidade”, disse Pedro Paulo, que estuda propor uma espécie de teto de gastos municipal com validade de ao menos dois anos. A medida teria de ser votada na Câmara Municipal. “Sem dinheiro, não tem política social nem valorização do servidor.”
Insuficiente
Para o economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o congelamento de contratações e salários exigido na lei complementar 173 “é uma boa regra, mas insuficiente”. Ele lembra que o próprio governo federal incluiu a contratação de 50,9 mil servidores na proposta de lei orçamentária para 2021. A justificativa é que essas contratações seriam reposições de aposentados, exceção incluída no texto aprovado pelo Congresso.
Como a lei não estipulou prazo para essas reposições, essa exceção é considerada uma brecha. “A lei é importante para evitar o uso de recursos públicos gerados pelo não pagamento de dívida ou pelas transferências feitas em 2020 em despesas de caráter permanente. Segue, inclusive, o espírito dos gatilhos do teto de gastos”, diz Salto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.