Artigo: O que a Síndrome de Down me ensinou sobre a vida
Por Marina Tófoli
Hoje, 21 de março, é comemorado o dia internacional da Síndrome de Down. Caracterizada pela existência de um cromossomo extra no par 21, a simbologia da data 21/3 foi adotada para comemorar e dar visibilidade à vida das pessoas com Síndrome de Down, o evento genético de ocorrência mais comum, estimada a cada 600 nascimentos.
É um dia para celebrar a diversidade humana, rememorar as conquistas e refletir sobre os obstáculos impostos pela sociedade às pessoas com Síndrome de Down. E são muitos, todos decorrentes da escassa informação de qualidade sobre a Síndrome.
Quando recebi como presente da vida o João Gabriel, meu filho com Síndrome de Down, confesso que toda a informação que até então havia acumulado na vida sobre a Síndrome de Down me levou a caminhos tortuosos. Em minha mente ecoavam palavras como incapacidade, rejeição, segregação, escolas especiais.
Não poderia estar mais errada.
As pessoas com Síndrome de Down podem, E DEVEM, ter uma vida normal. Eles são capazes de andar, falar, cantar, se divertir, aprender, cursar uma faculdade, se casar, ter vida afetiva e sexual.
Por muitos anos, a figura da pessoa com Síndrome de Down foi usada como sinônimo da caridade e assistencialismo. Hoje vivemos uma fase de protagonismo e independência das pessoas com Síndrome de Down, que querem demonstrar, que podem conduzir as próprias vidas, fazer as suas escolhas e conquistar seus próprios sonhos.
Tudo que a família e a sociedade precisa fazer para garantir uma vida plena a uma pessoa com Síndrome de Down é OPORTUNIZAR, acreditar, investir tempo e dedicação em conduzi-las a uma série de oportunidades que, com certeza, garantirão um futuro de autonomia e independência.
E começa cedo.
João Gabriel faz fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, musicalidade, o que preenche de atividades todos os dias da nossa semana. Regularmente “visitamos” a pediatra, o geneticista, a oftalmologista e a cardiologista. Todavia, isso não é nenhum problema, nem torna minha vida mais difícil: apenas mais corrida. E eu, que nunca tive medo de desafio e não sofro com volume de atribuições, não sofri nenhum grande impacto na minha vida.
João frequenta a escola regular e está completamente incluído com seus amigos, professores e respectivos familiares.
Até hoje, dois anos e oito meses depois, nunca ensinei nada que o João Gabriel não aprendesse. Por vezes foi difícil, demorado. Muitas vezes me senti desanimada, temerosa: mas o amor que sinto pelo meu filho e a fé que tenho na capacidade dele me impediram de parar de tentar e a resposta sempre veio em seguida, com a conquista daquele objetivo por ele, nos mostrando com toda a felicidade que lhe é peculiar, que sim, ele é capaz!
A grande dificuldade e a verdadeira barreira que nós, pais de crianças com Síndrome de Down, enfrentamos diariamente é a falta de informação da população sobre quem são nossos filhos.
Muitas pessoas ainda têm o pensamento retrógrado e veem nossas crianças e adultos com Síndrome de Down como um enorme fardo. A velha e impertinente ideia do “filho eterno”. Permanecem convictos de que são incapazes, não interagem, são improdutivos, incapazes de aprender e de ter uma vida autônoma. E o que impressiona é que é um pensamento massificado e altamente difundido, embora seja absurdo e não corresponda à realidade.
O João Gabriel é um menino lindo, sorridente e amado, com seu tempo de desenvolvimento, que respeitamos muito. Nada de muito diferente do filho da vizinha, do primo, do conhecido da tia. Uma criança como todas as outras crianças, que demanda alguns cuidados diferentes, tão-somente. Não quero que ele seja visto com limitações da Síndrome de Down: ele terá, sim, limitações, mas são as limitações do João Gabriel e não da Síndrome, limitações como todos nós temos. E só vamos conhecer as do meu filho na medida em que ele for crescendo e se desenvolvendo.
Meu desejo é que ele seja feliz e o aceito exatamente como ele é. Porém, acredito que ele é capaz de fazer qualquer coisa: desde que ele queira, eu acredito que ele possa fazer – no tempo dele e leve o tempo que for. Quero que ele tenha uma vida autônoma e possa exercer o direito de fazer escolhas sobre o caminho que quer tomar na vida. E acreditamos que a única forma de isso acontecer é com muito estímulo, amor e respeito.
O que posso afirmar categoricamente é que a felicidade de ter um filho com Síndrome de Down é imensa. Cada pequena evolução é comemorada como uma grande conquista. O João Gabriel me ensinou a ver o mundo com mais paciência, entendendo que cada um tem seu tempo e que todos merecem nosso respeito.
Meu filho veio ao mundo pra eu poder externar o amor mais sublime que jamais imaginaria ser capaz de sentir. Ele veio como um grande presente pra mim, me mostrando aquilo que realmente importa. Me ensinou a dar valor àquilo que realmente merece ser valorizado.
É esse aprendizado que quero passar adiante: um filho com Síndrome de Down foi o maior presente que recebi em toda a minha vida e serei eternamente grata e feliz, pela dádiva que é meu João Gabriel.
O que é Síndrome de Down?
Todo mundo ouve falar de Síndrome de Down, mas poucas pessoas sabem o que realmente significa.
A maior parte de nós possui 23 pares de cromossomos em cada célula, totalizando 46 cromossomos. A Síndrome de Down é causada pela presença de 3 cromossomos 21 nas células de uma pessoa que possui, assim, 47 cromossomos em todas ou parte de suas células.
Por esse motivo, a Síndrome de Down também é chamada de Trissomia do cromossomo 21 ou apenas Trissomia 21. Trata-se de um evento genético, que pode ocorrer com qualquer pessoa no momento da concepção, independente de credo, raça, posição social.
Existem 3 tipos de ocorrência da Síndrome de Down:
- Trissomia Livre do Cromossomo 21 – Quando, por acidente genético, todas as células da pessoa possui 47 cromossomos, sendo 3 deles no par 21. É a manifestação mais comum, cerca de 92% dos casos
- Translocação – Ocorre em apenas 5% dos casos de Síndrome de Down. Quando a pessoa possui Síndrome de Down por translocação os pais devem fazer um mapeamento genético, pois um deles pode ter uma translocação balanceada, de forma que o risco de recorrência é bastante alto.
- Mosaico – Acidente genético que ocorre na divisão celular, de forma que apenas algumas células do corpo possuem 47 cromossomos, sendo que o restante possui 46 cromossomos.
As principais características das pessoas com SD são olhos amendoados e inclinados para baixo, cabeça levemente achatada, hipotonia – flacidez do tônus muscular, frouxidão dos ligamentos e articulações, face achatada, língua grande e sulcada, orelhas pequenas e de baixa implantação, ponte nasal achatada, pescoço curto, prega palmar única e comprometimento intelectual.
Nem todas as pessoas possuem TODAS as características. As manifestações variam de pessoa pra pessoa e, embora existam características comuns, a criança com Síndrome de Down vai parecer muito mais com a sua família do que com outra criança Síndrome de Down.
É importante esclarecer que Síndrome de Down NÃO É DOENÇA, mas uma ocorrência genética que pode ou não gerar algumas questões de saúde.
Ainda, não existem graus de Síndrome de Down. As diferenças entre as pessoas decorre de sua própria natureza e dos estímulos que as diferentes pessoas recebem.
Assim, a pessoa com Síndrome de Down vai poder fazer tudo o que qualquer outra pessoa faz: no tempo dela. Com amor e paciência eles aprendem tudo e avançam no desenvolvimento de suas capacidades pessoais e autonomia: podem estudar, trabalhar e ter condições de viver dignamente em sociedade.
Marina Tófoli é advogada em Marília