Atriz trans de Marília fala ao MN sobre estreia em novela
A atriz transexual Glamour Garcia, 30 anos, é natural de Marília, e acaba de estrear seu primeiro papel em uma novela com a personagem Britney, de “A Dona do Pedaço”, em horário nobre da Rede Globo. Seus pais, uma psiquiatra e um empresário, ainda vivem na cidade.
Glamour deu uma entrevista exclusiva ao Marília Notícia onde falou de momentos marcantes de sua carreira, seu início e suas principais influências artísticas, além de contar sobre momentos marcantes de sua vida, como situações passadas Universidade Estadual de Londrina (UEL) onde estudou atuação.
Depois de ataques sofridos por ela, um grande movimento de combate ao preconceito foi iniciado no campus. A atriz viverá uma personagem que acaba de fazer a transição de gênero, aos 21 anos. Glamou iniciou seu processo aos 17.
Depois de ir embora de Marília para estudar artes cênicas no Paraná, a jovem foi viver em São Paulo onde continuou sua formação em artes do corpo, teve contato com a dança e fez muitas apresentações.
Recentemente ela viveu a personagem Babete na série da TNT “Rua Augusta” e também contracenou com um dos maiores nomes do teatro brasileiro, Zé Celso, no longa metragem “Horácio”.
Veja a entrevista dada ao MN:
Marília Notícia – Depois de passagens pelo teatro, experiência como performer, dançarina, atuação em produções para a TV fechada e até contracenar em um longa com o mago Zé Celso: Como é estrear em um papel de destaque na nova novela da Globo?
Glamour Garcia – É maravilhoso, fico muito feliz, estou tendo a oportunidade de trabalhar bastante a Britney, espaço criativo muito grande. Quero agradecer a Globo por esse espaço, esse carinho e esse respeito. Estou muito ansiosa.
MN – Quais as principais referências e influências como atriz?
GG – Grandes das minhas maiores referências estou convivendo agora, Sueli franco, Rosi Campos, Bete Faria e a Juliana Paes, que é uma pessoa maravilhosa. São pessoas que estão construindo todo um imaginário novo, para as atrizes, para o trabalho profissional da mulher, então eu estou muito feliz de estar neste trabalho.
MN – Quais os principais pontos de sua carreira para chegar até aqui? Quais os personagens mais marcantes que interpretou?
GG – Pontos mais marcantes, de forma cronológica… um grupo de teatro que tinha com amigos na escola, depois minha ida para a universidade onde aprendi muita coisa e fiz muito contatos. Na minha vida profissional vivi papéis bem interessantes, Salomé, Babete, agora a Britney. Na verdade são muitos trabalhos, estou falando os mais recentes, mas são todos muito valiosos.
MN – Seus primeiros contatos com a dramaturgia e a dança aconteceram em Marília? Como foi isso? Quando e como decidiu seguir o caminho das artes?
GG – Eu decidi muito jovem adolescente, através desse grupo de teatro que participava na escola, a diretora era uma professora nossa. Através desse grupo tive contato pela primeira vez com o que seria o universo teatral, nas suas muitas vivências, atuação, figurino, direção, preparação, principalmente Teatro brasileiro, e a ter essa garra até hoje em todos os papéis que faço. A dança entrou um pouco mais tarde, em uma fase mais universitária, indo para a vida profissional, em que eu fui expandindo meu entendimento de teatro, minha expressão corporal, artística, aprendendo novas coisas.
MN – Depois de adulta, já se apresentou na cidade natal? Tem vontade de que isso ocorra?
GG – Me apresentei em Marília na época de faculdade, mas agora profissional, adulta, com a carreira consolidada, não me apresentei. Tenho muita vontade.
MN – Qual a importância de uma personagem trans em horário nobre da TV Globo?
GG – Para imprimir autenticidade, a vivência de uma pessoa trans, no caso de uma menina, uma jovem, para que essa personagem possa ser autêntica, ser verdadeira, para que essa personagem possa representar, uma vez que a gente está falando de novela, estamos falando sim de representatividade, de grandes públicos, de discurso até. Primeiro de tudo, autenticidade. Segundo, que é sempre uma tendência pessoal minha, acreditar que vai se abrir uma discussão muito interessante através da trama dessa personagem e dos ocorridos durante essa trama, da forma como essa personagem se desenvolve, da forma como o Walcyr Carrasco (autor da novela) tem escrito e criado essa personagem. Eu acho fundamental, não teria como ser de outra forma, uma vez que estamos cada vez, nas novelas, na televisão, trabalhando mais a realidade, tentando trazer mais questões do dia a dia de uma forma mais justa do que só ficar categorizando, colocando em caixinhas, e não tratando as verdadeiras problemáticas de cada assunto.
MN – Quais os paralelos entre a história da personagem Britney e sua experiência de vida?
GG – Os paralelos são vários, mas elas são bem diferentes, são de gerações diferentes. Obviamente, como atriz, tem pontos da minha personalidade que tento criar a Britney, para ir construindo, mas é só um caminho inicial. Ela é bem diferente de mim. Ela é uma jovem bem destemida, bem corajosa, uma pessoa que ocupa seu espaço com bastante respeito e carinho.
MN – Como foi se descobrir uma pessoa trans em uma cidade como Marília, no interior de São Paulo? Como foi sua transição de gênero?
GG – A questão de uma readequação é uma questão de vida, não é só em Marília, é em qualquer lugar que a gente seja, esteja, viva, produza, no meu caso como artista, crie. Mas acho que com certeza a experiência do interior vem sim para a minha vida, vem de forma forte. Acho que eu fui aquela pessoa que quis sair, ver o mundo e depois voltar. Tenho as raízes muito fortes em Marília, mas sinto que também foi um lugar muito escasso para produzir e criar da forma que eu queria, da forma que eu acreditava que as coisas deveriam ser. E acho que estava certa. Tenho trabalhos muito interessantes na minha trajetória que me fazem ter certeza que eu tinha que estar participando dessas discussões, nesses trabalhos, com essas problemáticas. E a Britney é maravilhosa
MN – Na novela Britney participa do núcleo de humor e conforme declarações recentes sua família deve encarar sua transição de forma leve. Como foi a aceitação de sua família e como é sua relação com seus pais hoje?
GG – A relação com minha família é maravilhosa, super amorosa, assim como é a relação da Britney com a família dela. A questão mais é ficção e realidade. Realidade, querendo ou não, a gente acaba vivenciando experiências difíceis e complicadas, mas a família é sempre um ponto de apoio para a gente superar e crescer e aprender também.
MN – Existe algum episódio específico de discriminação ou superação ou aceitação que a marcou em Marília?
Em Marília especificamente não, mas em Londrina me marcou muito um episódio onde fui ofendida e agredida e as pessoas fizeram um levante público na universidade onde eu estudava para me defender, para me proteger, e assim nasceu uma parada que tinha lá uma época. Esse é um momento bem marcante.
MN – Você tem alguma mensagem para pessoas trans que estão se descobrindo e para familiares delas?
GG – Tenho sim. Que vocês tenha paciência consigo mesmas, acreditem em seus ideais, permaneçam com fé e, acima de tudo, com bastante força naquilo que vocês sentem, naquilo que vocês acreditam. Quanto aos seus familiares, tenham paciência com eles. Se você é familiar de uma pessoa trans, tenha amor, tenha carinho e, acima de tudo, tenha muita paciência. Friso a paciência porque só as experiências podem realmente com o tempo trazer o entendimento do que é a transexualidade e o respeito.
12 – Em uma entrevista há alguns anos para a revista virtual Vice você declarou pensar em entrar para a política. Em outra entrevista recente, para o UOL, refutou a ideia. O que mudou?
O que mudou é que é impossível pensar em coisas construtivas dentro do atual cenário político brasileiro. Impossível.
MN – Quais seus sonhos e planos para a carreira de atriz?
GG – Sonhos e planos eu realizei, trabalhar profissionalmente de carteira assinada, pagar minhas próprias contas, sempre dignamente, com meu trabalho, com o amor que tenho pelo teatro, pelo cinema e pela televisão.