‘É preciso uma geral no RH do governo’, diz Arminio Fraga
Para o ex-presidente do Banco Central, é necessária profunda reforma do Estado, que inclua adoção de metas e sistemas de avaliação de programas, órgãos e servidores, repensando a estabilidade no funcionalismo. Ele acredita que o País precisará promover um ajuste fiscal de 5 pontos porcentuais do PIB (equivalente a R$ 330 bilhões) e reorganizar o orçamento, desvinculando todos gastos públicos. “O governo precisa se forçar a viver dentro do seu orçamento.”
O sr. atuará na campanha?
Pretendo votar em Geraldo Alckmin, mas não estou trabalhando com ele nem com Persio Arida (coordenador do programa econômico do tucano). Resolvi levar adiante projetos de forma apartidária, entre eles um desenho de reforma do Estado já codificado em projeto de lei. Se alguém quiser usar, ficarei satisfeito. Não tenho vontade de ir para o governo.
Mas com Luciano Huck iria?
Com ele, teria ido. Casava com muita coisa que vinha pensando. Essas decisões não são 100% racionais, requer sintonia fina com o candidato. Conversei muito com Aécio Neves em 2014. Depois as coisas se complicaram bastante para ele. Dediquei muito tempo recentemente com Luciano e resolvi parar. Não estou me mobilizando nem disposto, para ser franco.
Seu voto é por Geraldo Alckmin ou é por ele ser do PSDB?
Por ele. O PSDB perdeu muito do espírito de sua fundação. Como nunca fui filiado, não passei pelo dilema de me desfiliar. Fui sócio-atleta do PSDB por duas vezes. Sou mais liberal e mais progressista do que o partido. No momento, a cena partidária no Brasil não me entusiasma. A política carece de reforma importante. Ninguém sabe mais o que é o quê. O centro é uma gororoba, que, no fundo, é conservadora de maneira muito primitiva. É o conservadorismo para manter poder e dinheiro. Não tem valor.
No que consiste a reforma do Estado na qual o sr. trabalha?
Existe uma incapacidade do Estado de entregar mais em relação ao que gasta. Melhorar isso exige, em boa parte, repensar os recursos humanos. Será preciso dar uma geral no RH do governo. Avaliar para se ter, permanentemente, certeza de que é o melhor a ser feito. Tudo tem de ser desenhado já pensando em avaliação. Existe uma cultura dos cantinhos orçamentários. Cada um controla seu espaço. E quem sofre é a sociedade, com esse Estado corrompido, capturado e ineficaz. É fundamental que os que trabalham no governo sejam avaliados e que ninguém seja promovido de forma automática ou só em função do tempo.
Fixar metas aos servidores?
Os órgãos, ministérios, programas e pessoas precisam ter metas e serem avaliados. A avaliação do diretor de programa é diferente da de um funcionário de nível mais básico. Estamos falando de um RH que respeite peculiaridades de cada setor. Uma ou outra área precisa ter carreiras de Estado, mas o tema precisa ser repensado.
O ajuste não é prioridade?
Nada recomenda que um governo dê apenas um passo. Há aspectos na área econômica em torno dos quais já existe razoável consenso. O primeiro é que o Estado está quebrado, no cheque especial. Necessitamos de ajuste fiscal de uns cinco pontos porcentuais (do PIB). Eliminar subsídios e desonerações, reformar a Previdência, desmontar o “bolsa empresário” e apertar do lado do gasto com gestão mais eficiente. É urgente uma reforma da Previdência que inclua temas polêmicos, como desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo. Já se sabe que o buraco é grande. A pergunta a ser feita é se é correto jogar toda a conta na folha de pagamentos. Defendo que não. É preciso outras formas de tributação.
Por que 5 pontos porcentuais?
Nos últimos anos, a dívida cresceu muito e houve colapso do saldo primário, que saiu de 3,5% (do PIB) para -2,5%. Seriam então 6 pontos porcentuais de ajuste. Mas acredito que um governo que entre com boa agenda consiga produzir mais crescimento do que temos. Então, de forma otimista, penso que 5% do PIB talvez dê.
Há espaço para aumentar a carga tributária?
A carga tributária já esteve uns três pontos porcentuais acima do nível atual. Caiu em função das muitas desonerações e de brechas como a “pejotização” (contratação por meio de empresas de só um funcionário). Vejo o corte de gastos resolvendo três quartos do ajuste e um quarto resolvido com crescimento da economia, eventualmente com algum aumento de carga tributária, além do fim das desonerações.
O que mais deve haver na reforma do Estado?
É preciso olhar o estado geral do Orçamento, hoje praticamente todo engessado. Será necessário desvincular tudo. As necessidades de uma nação evoluem. As nossas, cristalizadas no que se tem hoje, precisam ser repensadas. Não há razão para se ter medo. Quem debaterá isso serão os eleitos no Executivo e no Legislativo. Precisa ser feito o quanto antes.
Não faz sentido garantir recursos para saúde e educação?
Pode ser feito no Orçamento. O que está em jogo é certa dificuldade com a própria noção de orçamento, o que é muito frustrante. Existe certo valor que o governo pode gastar. E o governo precisa se forçar a viver dentro do seu orçamento, sob pena de entrarmos num endividamento em bola de neve, como esse que já está aí, com consequências sociais dramáticas se não for revertido. Não adianta tapar o Sol com a peneira: os recursos são finitos.
O que fazer para melhorar a produtividade?
O Brasil precisa investir muito mais. A lista de propostas inclui as reformas que estão em discussão: do Estado, da Previdência, tributária. Nosso sistema tributário é complexo e cheio de distorções. O custo de capital continua alto. O diálogo com o empresariado tem de ir na linha de melhorar muita coisa, mas também de desentubar o paciente, que está vivendo a custa de subsídios, desonerações e proteção contra a concorrência externa
Marcio Pochmann, do PT, diz que a produtividade das grandes empresas do País é boa e que a abertura afetaria as pequenas
Os estudos que olham para a produtividade sugerem que esse não é um problema setorial. Temos uma economia pouco capitalizada, com pouco capital humano. Agora, é inegável que, se o Brasil abrir a economia da noite para o dia, sem evoluir um pouco nas outras frentes, o resultado pode ser dramático.
Como combater a desigualdade social no País?
A desigualdade tem de ser separada da pobreza. O Brasil tem um ótimo programa de combate à pobreza extrema, o Bolsa Família, que não custa tanto. A questão desemboca mais em formas de garantir a igualdade de oportunidades. Claro que se pode ter um sistema tributário que faça um pouco desse trabalho, mas o que fará diferença a longo prazo é avançar na frente da igualdade de oportunidades. São coisas básicas, mas que exigem um Estado eficaz: educação, saúde, saneamento e transporte. Existe papel importante para um governo numa sociedade desigual como a nossa para lidar com essas questões fundamentais. O governo pode financiar algumas coisas, não necessariamente produzi-las. Pode-se terceirizar ou privatizar.
Teme mais a vitória de um candidato de esquerda ou de direita, como Jair Bolsonaro (PSL)?
Páreo duro. Vejo problemas muito sérios tanto de um lado como do outro. O ideal seria alguma coisa num centro, com posição mais equilibrada e compatível com necessidades de um país desigual que quer se desenvolver no século XXI.
Acredita que Bolsonaro abraçou de fato a agenda liberal?
Acredito em muitas das ideias do Paulo Guedes (responsável pelo programa econômico de Bolsonaro), por quem tenho muito respeito e de quem fui aluno. Bolsonaro não sei. Não está muito claro quais ideias ele vai abraçar e, depois, se for eleito, como seria seu governo. Ciro (Gomes, pré-candidato pelo PDT) é mais transparente, o PT também. Mas mesmo sendo algo conduzido com mais competência e seriedade, também não vejo aí um bom caminho. Acredito num modelo liberal, progressista. Não acredito no Estado mínimo, mas também não acredito no Estado empresário. Tem de achar alguma coisa aí no meio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.