Votação encerrada. E agora, leitor?
Humanos desassossegam-se mais com a ideia do que com as coisas em si: o medo e a dor da represália dos pais é infinitamente maior do que a repreensão dada ao lhes entregar o bilhete de suspensão da escola por baderna.
Passadas as eleições, eis os pilotos escolhidos do transatlântico (Brasil e Estados) que aguardam o primeiro dia de 2023 para começarem a concretizar o que propuseram.
Ou não.
O foco do segundo turno das eleições foi o de escolher os realizadores, os executores: os chefes dos Poderes Executivos estaduais e federal.
Agora, esses devem se portar como os mais competentes administradores públicos, os mais eficientes, cuidadosos e preocupados com os nossos bolsos de contribuintes (cada centavo a mais em tributos dói se não retorna em qualidade, em excelência).
Líderes públicos qualificados em gestão orientada ao bem comum. Dentre outras virtudes.
Sonhar é livre. Cobrar também.
Há mais de 120 anos, em solo nacional e com interrupções, ocorrem eleições diretas com típica característica: são menos racionais e mais emocionais. Tomam nossas vísceras. Analisamos pouco as propostas: o fervor de votar nos delicia.
Votamos cheios de aspirações, plenos de que o nosso candidato vença todos os problemas – até mesmo aqueles que, muitas vezes, nós mesmos poderíamos resolver.
Um salvador da Pátria, um Dom Sebastião tupiniquim, ora empunhando espada e escudo, ora nos esperançando.
Tomados por este espírito, polarizamos e nos distanciamos do que poderia ser um bom e raro momento de debate nacional. Viramos extremistas, radicalizamos. Torcemos.
Torcer tem a ver com afetividade: é um desejar vivo, colorido, de se entregar a emoções inesquecíveis, intercalando angústias e prazeres.
O clima da disputa atual não foi diferente das anteriores: de “Prudente de Moraes x Afonso Pena” (1894) a “Luiz Inácio Lula da Silva x Jair Messias Bolsonaro” (2022), passando pelos vitoriosos General Eurico Gaspar (1945), Juscelino Kubitschek de Oliveira (1955), Fernando Affonso Collor de Mello (1989) e Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998): é sempre o mesmo – o de “Fla x Flu”, “Brasil x Argentina”, “Corinthians x Palmeiras”.
“MAC x Noroeste”.
Diante do que acompanhamos, inclusive com manifestações, paralisações e bloqueios, resta-nos o que disse o sábio Drummond: “e agora, você? / você que é sem nome, / que zomba dos outros, / você que faz versos, / que ama, protesta? / e agora, José?”
Agora, é tempo de unir.
Há ameaças, forças externas famintas que nos bicam as costas: superpotências incomodadas observam um país abaixo do Equador – geograficamente dominante e de gente simpática e trabalhadora – influenciar todo seu hemisfério.
O país que, sozinho e entre os demais 244, reconhecidos ou não, alimenta cerca de 10% da população mundial com eficiência, conhecimento e habilidades de alto rendimento, cultivando apenas 7% do território – somente o correspondente aos estados do Sul do país alimenta 800 milhões de pessoas ou toda a população dos 58 países europeus.
Aliás, neste exato momento e enquanto não se sabe como lidar com a suspensão de fornecimento de grãos pela Rússia e a guerra com a Ucrânia, toda a Europa reativa suas usinas altamente poluentes para gerar energia vital visando ao menos a sobrevivência de seus cidadãos e de cada um de seus países às portas do inverno que se aproxima e que poderá enterrar sua economia literalmente no gelo.
O Brasil, ao contrário, amplia sua oferta interna de energia em 1,3% em relação a 2021, além de incrementar em 46,4% suas fontes renováveis.
Renováveis e mais limpas, combinadas à reserva de ativos de pegada de carbono e de água: somente a que está sob o solo brasileiro pode sustentar o planeta inteiro por 250 anos.
O Brasil ensina ao mundo.
Precisamos ficar atentos: feras encurraladas ou feridas podem rosnar feio. Morder até. Atacar.
O pior adversário do homem é o seu ego; o da nação, a alma de seu povo. Portanto, nosso maior opositor não são os outros: precisamos de coesão e de controle emocional – o que vem de dentro pode infectar e corromper o espírito.
Ou revigorar, nos agigantando.
Compreendamos as variações emotivas desta e daquela parcela da sociedade na ressaca pós-eleitoral: todo aquele que é saudável emocionalmente se sensibiliza. Sorri. Chora.
Mas seu coração tem que continuar inabalável.
Mantenhamos, pois, os nossos sempre inquebrantáveis e serenos, mesmo porque todos ganhamos: preservemos a nossa democracia, defensável e viva na frase de Evelyn Beatrice Hall em seu livro sobre Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você as dizer.”
E não nos entreguemos a sono profundo: a democracia como a conhecemos é uma criança carente de proteção, enjaulada por gente que, por vaidade ou ignorância, a machuca por seus atos e omissões, tentado moldá-la às próprias vontades e desejos.
Diante das atitudes de autoridades que têm o dever de zelar por ela, repensá-la talvez seja a melhor forma de a protegermos.
Uma casa dividida não se sustenta: esmorece e cai.
Hora de nos unirmos para a reformar, fortificando-a e fortalecendo a nós mesmos.
Sucesso. Sempre.
Marcos Boldrin
Coronel da reserva, é arquiteto, urbanista e ex-gestor público estadual e municipal