Voluntários mantêm viva história de Marília nas redes sociais

Um dos membros do grupo pede ajuda para identificar este endereço atualmente (Foto: Divulgação)
“Amigos virtuais que procuram resgatar a historia da cidade”. Esta é a descrição do grupo Memória de Marília, criado no Facebook há dez anos. Existem outras ações parecidas, mas esta é certamente uma das mais populares e com maior engajamento dos participantes.
“Divulgamos aqui textos, artigos de jornais, revistas e obras no todo ou na íntegra que tragam resgate histórico ou que tenha alguma relação com a cidade”, continua o texto de apresentação, seguido de algumas regras para o bom convívio na web.
Também são divulgadas fotos antigas. Algumas delas, de poucos anos após a fundação da cidade, que completa 93 anos nesta segunda-feira, 4 de abril.

Participantes resgatam fotos e documentos históricos (Foto: Divulgação)
No grupo não são permitidas ofensas pessoais, nem perfis falsos ou tópicos que não tenham relação com o assunto principal. Atualmente, são 19,4 mil membros, alguns deles extremamente ativos.
E a agremiação virtual não para de crescer. Na última semana foram computados 19 novos participantes. No último mês, foram 51 publicações e hoje outras cinco.

Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros em Marília (Foto: Divulgação)
Trata-se de um verdadeiro trabalho coletivo e espontâneo de resgate das memórias marilienses, desde fatos históricos até detalhes sobre a vida, hábitos e costumes da população local.
Não faltam recordações sobre prédios históricos, vias públicas no popular “antes e depois”, retratos de família e muito mais.

Cine Bar e Cine Marília estão entre as recordações populares (Foto: Divulgação)
Além das publicações, os comentários feitos nelas ajudam a resgatar detalhes sobre os fatos rememorados. Participantes relembram nomes, episódios, endereços e fazem correções sobre informações imprecisas.
Uma das pessoas responsáveis pelas publicações mais ricas do grupo – em termos históricos e de estilo, com um texto muito bem acabado – é Liana Eppinghaus Barbalho Silva Teles.

Turma de escola de Marília (Foto: Divulgação)
Segundo seu perfil na rede social, ela é formada em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e, apesar de ter nascido em Marília, hoje vive em Bragança Paulista (distante 438 quilômetros).
Um desses exemplos é a foto publicada por ela em que dois jovens dançam o twist em uma “brincadeira” no Yara Clube, ainda na década de 1960, então na avenida Sampaio Vidal.
“O casal da foto sem dúvida era muito corajoso: ela descalça – uma ousadia! (dá para ver os sapatos de salto alto brancos, debaixo da mesa em frente); e ele, porque pouquíssimos rapazes ousariam dançar um twist assim, na frente de todos”, recorda Liana.

Jovens dança o twist em Marília (Foto: Divulgação)
“Essa foto pertence à Ana Luiza Martins (hoje Camargo de Oliveira), que morava em Marília, cujo avô chegou à cidade à convite de Bento de Abreu Sampaio Vidal”, afirma.
Em uma de suas publicações, a filósofa escreve que “a história de uma cidade, de uma nação, de um povo, não é construída apenas de fatos grandiosos, empreendimentos heroicos, celebrações importantes, comemorações públicas.”

Time de futebol da década de 50 (Foto: Divulgação)
“Muito devemos também aos governantes (aos mais iluminados pelo menos), fazendeiros, banqueiros, políticos, pessoas influentes que tiveram papel da maior relevância para o desenvolvimento e engrandecimento da cidade, da região, do país. Mas hoje quero falar da importância dos ‘pequenos’, dos anônimos. Sem os homens a História é descarnada. A história feita de datas, fatos e elogios aos ‘grandes homens’ é mera compilação, coleção sem vida, que não faz sentido. Por isso, os anônimos: o pipoqueiro, o tintureiro, o padeiro, a costureira, a verdureira, o vendedor, o marceneiro, o garçom, a cozinheira, o operário, o chofer de táxi da praça e muitos outros. Gente comum, desconhecida, não lembrada”, segue ela.

Liana Eppinghaus Barbalho Silva Teles (Foto: Divulgação)
As contribuições de Liana vão além dos resgates históricos, inclusive sobre gente comum que viveu e vive pela cidade. Em outubro de 2020, ela deixou centenas de pessoas tocadas com a publicação do poema transcrito abaixo denominado “Marília”.
Confira a íntegra:
MARÍLIA NÃO É UMA FOTO NA PAREDE
COMO ITABIRA PARA DRUMMOND
MARÍLIA VIVE E CRESCE DENTRO DE MIM
A CADA VEZ QUE PENSO OU SINTO A CIDADE
ELA NÃO ESTÁ FORA, NÃO É PASSADO E NÃO MORREU
ESTÁ ENCRAVADA EM MEU SER
INCRUSTADA NO MEU CORPO COMO CONCHA NA PEDRA
RUAS, PRAÇAS, ESQUINAS
CASAS, EDIFÍCIOS, PARQUES
A ESCOLA, O CLUBE, O CINEMA
PESSOAS, VIZINHOS, AMIGOS, FAMÍLIA
MEU CORPO CONTÉM A CIDADE AONDE VIVI
A MEMÓRIA GENEROSA TUDO ACOLHE
MESMO TENDO SE PASSADO TANTOS ANOS
VIVE EM MIM A CIDADE (DE ONTEM? DE HOJE TAMBÉM?)
NÃO COMO SAUDOSISMO OU NOSTALGIA
COMO SE TIVESSE SIDO O MELHOR DE MINHA VIDA…
NÃO SÓ FLORES COLHI, NEM SÓ AMORES VIVI
COMO TODO TEMPO VIVIDO, E NÃO APENAS SONHADO
EXPERIMENTEI FELICIDADE E DOR
ABORRECIMENTO E ALEGRIA
VIVI EM MARÍLIA APENAS ATÉ OS 15 ANOS
E O PESO DESSE TEMPO PARECE SER MAIOR DO QUE O DE OUTROS TEMPOS
NÃO SEI ANALISAR A RAZÃO, NEM SEI SE ACONTECE A TODOS
SERÁ PORQUE EU TIVE UMA INFÂNCIA E UMA ADOLESCÊNCIA
COM MAIS ALEGRIA DO QUE TRISTEZA, MAIS HARMONIA DO QUE DISCÓRDIA?
PORQUE A ALMA DA CIDADE CONTRIBUIU PARA MINHA EXISTÊNCIA TRANQUILA?
OU PORQUE QUANTO MAIS VELHOS FICAMOS,
MAIS NOS APROXIMAMOS DE NOSSAS ORIGENS?
MARÍLIA PODE SER UM MISTÉRIO…