‘Vamos enfrentar as filas e resgatar a motivação dos profissionais’, promete Paloma
A futura secretária da Saúde de Marília, Paloma Libânio Nunes, assumirá o comando de uma das pastas mais desafiadoras da cidade após oito anos como superintendente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília (HCFamema).
Formada em Medicina pela Famema, Paloma possui experiência na saúde pública, iniciando sua trajetória profissional em Pompeia antes de retornar a Marília para se especializar e ocupar posições estratégicas na gestão hospitalar. Sua formação inclui especialização em Medicina de Família e Comunidade, além de qualificações em gestão pela FGV e pelo Hospital Israelita Albert Einstein.
Entre os principais desafios do sistema público de saúde de Marília estão a demanda reprimida em áreas como Ortopedia e Saúde Mental. Paloma destaca que pretende utilizar tecnologia para melhorar o acesso e a qualidade dos serviços, incluindo iniciativas como Saúde Digital e Telemedicina.
A futura secretária também reconhece a complexidade de liderar a pasta após um período de instabilidade na gestão, com frequentes trocas de comando. Entre suas prioridades estão a redução das filas para consultas e exames, a revisão de contratos, e a captação de recursos junto aos governos estadual e federal para reforçar a infraestrutura e garantir atendimento equitativo à população.
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MN – Quando surgiu a vontade de se tornar médica?
Paloma – Quando eu comecei a falar, perguntavam para mim, como você se chama? E eu falava doutora Paloma. Não sei porquê. Na minha família ninguém tinha feito nem faculdade. Eu fui a primeira a fazer faculdade na família. Mas eu lembro que ia um médico na minha casa que achava muito legal, pois ele cuidava da minha avó. Ele chamava doutor Emílio. Acho que era isso. Eu sempre gostei de cuidar de gente. Meu avô, minha avó, que não fizeram faculdade, mas eram minhas grandes inspirações. Eles cuidavam de todo mundo com chá, erva e eu fui gostando desse cuidado.
MN – Como foi quando decidiu fazer medicina?
Paloma – Quando eu falei que queria fazer medicina, todo mundo estranhou. Venho de uma família humilde e não podia pagar a faculdade. Tinha que fazer uma faculdade pública. Estudei em escola pública a vida inteira em Uberaba, Minas Gerais. Não é muito comum alguém de escola pública passando em uma faculdade pública de medicina. Tinha que estudar muito, mas tive professores que me ajudaram muito.
MN – A senhora prestou em muitos lugares?
Paloma – Medicina tem que prestar em muitos lugares, porque é bem concorrido. Eu tinha parentes que moravam aqui em Marília e faziam Unimar. Meu pai disse que eu só poderia ir onde tivesse algum conhecido. Eu tinha 17 anos e era bem novinha. A família tinha conhecidos em Marília, em Maringá, no Pará e na nossa cidade, em Uberaba. Prestei as quatro e só não passei em Uberaba.
MN – A senhora fez Famema?
Paloma – Passei aqui em Marília na Famema, vim para cá e conheci meu marido no primeiro ano da faculdade. Começamos a namorar e estamos há 24 anos juntos. Foi assim que começou a minha história com Marília. Eu era do diretório acadêmico e sempre gostei da questão. Sempre estava envolvida junto com os diretores da faculdade, viajava e fazia parte do movimento estudantil. Eu sempre gostei muito. Fazia projetos com a comunidade, com a população. Me envolvi tanto, que escolhi como especialidade Medicina de Família e Comunidade.
MN – A senhora se formou e já trabalhou aqui em Marília?
Paloma – Eu me formei, fiz a especialização e fui pra Pompeia trabalhar. Trabalhei na Atenção Primária. Tive minha primeira experiência em gestão lá. Fui diretora da Atenção Primária. Fiquei um ano nesse cargo, até que o diretor da Famema me chamou. Eu já tinha feito a especialização no Einstein e estava no MBA da FGV. Foi quando eu fui lá para o Hospital São Francisco e fiquei quase quatro anos na gestão dele.
MN – Quando a senhora foi para o Hospital das Clínicas (HC)?
Paloma – Todo mundo lembra da Operação Esculápio. Foi algo bem complicado. O HC virou uma superintendência e depois disso ninguém queria assumir. Eu também comecei a dar aula e eu fui professora homenageada, virei paraninfa e estava toda feliz. Sentei ao lado do diretor da faculdade e ele falou que eu tinha que ser a superintendente do HC. Eu estava toda emocionada e ele conseguiu me convencer na noite de uma sexta-feira. Na segunda-feira, eu fui conversar com ele e queria voltar atrás, mas tinha dado minha palavra e acabei aceitando.
MN – Faz quanto tempo isso?
Paloma – Já são oito anos. Quando eu entrei era bem diferente. Não tinha automóveis. A tomografia era feita na Santa Casa, e depois o paciente voltava para o HC. Era uma realidade bem difícil.
MN – Hoje a situação é muito diferente?
Paloma – Completamente diferente de quando você olha para trás. Hoje temos um parque tecnológico. A gente avançou muito. Só de tomógrafo hoje temos três. Temos ressonância magnética, microscópio para neurocirurgia, ultrassom em todos os andares e em quase todos os serviços. O ultrassom é quase um estetoscópio hoje. Foram várias reformas, vários credenciamentos, várias habilitações, programas e projetos. Zeramos a infecção na UTI. Conseguimos diminuir a superlotação. Um dia ou outro é normal isso acontecer, mas antes era todo dia.
MN – Como foi o início no comando do HC?
Paloma – Quando eu comecei a superintendência, eu era sozinha. Não tinha ninguém na gestão comigo. Eu só consegui as pessoas para me ajudar na gestão em 2019. Eu conheço todos os processos, porque eu tive que fazer isso sozinha. Tenho orgulho de falar isso. Na época foi difícil, mas hoje eu conheço todos os processos do HC, porque tive que cuidar pessoalmente de cada um daqueles processos.
MN – Como foi comandar um grande hospital durante a pandemia?
Paloma – Em 2020 veio o segundo gestor. Eu achei que a gente tinha aquela tranquilidade, mas veio uma pandemia. Nós aprendemos todos juntos a fazer uma gestão de crise. A gente conseguiu dobrar o número de leitos de UTI. Fazíamos reuniões todos os dias, decidindo todas as ações e como seria a data seguinte.
MN – O que ficou de legado dessa época da pandemia?
Paloma – Nós ficamos com várias UTIs. A gente conseguiu 22 leitos. Ficou um legado importante, mas o principal de tudo isso foi o aprendizado. Os equipamentos foram importantes, conseguimos respirador, monitor e cama, mas o mais importante foi o aprendizado.
MN – Como foi ser convidada para ser secretária da Saúde?
Paloma – São oito anos de HC e o deputado sempre ajudou muito o hospital. Sempre foi um parceiro. Eu conheço o deputado desde a época da faculdade, que ele ajudou a gente também, mas assumir a secretaria, por mais que as pessoas falassem, é um desafio e uma honra. Apesar de já ter experiência num hospital, é diferente numa cidade. É um desafio enorme. É um município que está encontrando uma Saúde que foi um pouco, não vou te falar abandonada, mas foi um pouco negligenciada. A gente tem muita demanda dentro da área da Saúde e eu espero que, com a minha experiência em gestão, possa trazer um quadro melhor. Trazer qualidade, acesso para as pessoas e um serviço de saúde. O SUS tem que garantir isso. Saúde é tripartite, ela é responsabilidade do município, do Estado e da União. A gente tem que fazer com que esses três entes se comprometam em dar para o cidadão aquilo que é prometido, que está na Constituição.
MN – Como está sendo feita a transição de governo?
Paloma – São 17 secretarias e quatro pessoas fazendo a transição. É uma responsabilidade muito grande. A gente está tentando entregar um bom material para o prefeito, para ele ter uma noção e para os secretários que vão chegar. Para todos terem noção do que está acontecendo, de como está, para fazer uma tomada de decisão. A partir desse relatório vai ter que ter um planejamento.
MN – Marília tem demanda reprimida na Saúde?
Paloma – A gente sabe que a demanda reprimida é muito alta. Tem especialidades com [demanda] de nove mil consultas.
MN – Qual especialidade?
Paloma – Ortopedia e Saúde Mental são as duas principais, mas todas as especialidades contam com uma demanda reprimida muito grande.
MN – A mudança contínua de secretários foi ruim para Marília?
Paloma – Eu tenho certeza que todo mundo que passou tentou dar o seu melhor, mas foi muita gente. Não teve uma continuidade de processo. Foi uma média de um ano e pouquinho para cada secretário. Em oito anos, Marília teve sete secretários da Saúde. Os servidores tentam dar essa continuidade, mas mudou muito.
MN – É possível trazer mais recursos para Marília?
Paloma – A gente tem possibilidade de ter mais financiamento da União e do Estado. Tem como a gente buscar mais habilitações, mais credenciamentos, para não ter que utilizar o recurso do fundo municipal. É só a gente buscar, ir atrás, fazer projetos, ter certeza que os convênios vão ser entregues, acompanhar e monitorar. Tem como a gente fazer isso porque está disponível. Hoje a Saúde está terceirizada, né? Hoje a gente tem a UPA, PA, Melhor em Casa, o Samu, residência terapêutica.
MN – Pretende rever alguns destes contratos?
Paloma – Nós temos que rever. Contrato é uma questão que a gente tem que rever. Contrato e convênio. Vamos adequar, de repente melhorar algumas coisas no contrato, ainda mais os que vão finalizando. Essa questão de gestão de contratos, vamos ter que fazer continuamente. Não estou falando que vai deixar de ser esses prestadores, mas temos que rever o contrato.
MN – Tem algum projeto que pretende implantar?
Paloma – A coisa que eu mais gosto na minha vida é planejamento. Eu amo planejamento. A gente tem ideias para a Secretaria Municipal da Saúde. Os documentos da Saúde Digital que vamos implantar. O plano dos 100 dias contempla 10 ações principais, só que o prefeito quem vai anunciar. São as 10 prioridades que a gente tem na área da Saúde. Tem a demanda reprimida que eu já falei, a Saúde Mental, a implantação de uma Saúde Digital. Estamos atrasados com essa questão de prontuário eletrônico. O paciente pode agendar a consulta, acompanhar pelo celular e receber no WhatsApp. Tem tanta tecnologia para a gente utilizar, mesmo a telemedicina. Se a gente tem dificuldade de trazer o especialista aqui para Marília ou uma fila de espera muito grande, vamos usar a telemedicina para isso. A tecnologia está aí para nos ajudar. Vamos voltar alguns projetos que o Vinicius tinha na época dele, como o Mãe Mariliense. Tem ainda o Ganha Tempo da Saúde. O AME também vamos atrás, com o governo do Estado.
MN – Qual local receberia o AME ou o Ganha Tempo da Saúde?
Paloma – Onde hoje funciona o Hospital Materno Infantil é um local muito bom, no Centro da cidade. Seria ótimo. Qualquer equipamento de Saúde ali é estratégico. A única questão ruim ali é o estacionamento, mas é o local mais estratégico para qualquer equipamento de Saúde.
MN – Está dentro do planejamento usar aquele prédio?
Paloma – Sim. Aquele prédio é da Prefeitura. Tem que ver se vale a pena reformar ou vale a pena construir outro. Tem que fazer uma análise mesmo, com o setor de Obras. Avaliar porque é um prédio com acessibilidade difícil. Mas o local é estratégico.
MN – Quando fica pronto o novo Hospital da Mulher e da Criança?
Paloma – A ideia era ficar pronto agora no começo de 2025, mas já tive informações que não vai ficar pronto. Vai ficar ótimo, maravilhoso. O projeto tem tanta coisa bacana. Na verdade, um hospital não tem que ter cara de hospital. Precisamos melhorar o local, também para os funcionários, mas principalmente para os pacientes.
MN – Pretende ampliar o programa Melhor Horário?
Paloma – Isso daí é algo que facilita muito para o trabalhador. Se ele não tem acesso à Atenção Primária, tem que acabar indo para uma UPA. Ele está com alguma coisa que poderia ser resolvida ali, não precisa ir para uma UPA. A gente tem várias estratégias para poder aumentar esse horário, não só em uma unidade. Estamos organizando tudo. Se eu for falar muito, eu vou contar. A Saúde sempre tem uma demanda diária, 24h. Eu falo que a Educação tem muita demanda, mas a escola fecha. A Saúde não.
MN – A senhora viu o vídeo do médico que negou ouvir o tradutor por chamada de vídeo em Marília?
Paloma – Eu vi. Quando eu falo de ser acessível, é acessível para todo mundo, de todas as formas. Não é só de deficiência física. É acessível de ter consulta para todo mundo. Acessibilidade é consulta para todo mundo. O médico não pode se recusar a um atendimento. Tudo bem que não era um atendimento de urgência e emergência, mas o surdo só estava tentando se expressar. O médico, neste caso, deixou de cumprir um dos princípios que é a equidade. Se a forma de atender aquele paciente é com o intérprete, é como ele tem que atender.
MN – Qual é o seu compromisso para os próximos anos?
Paloma – Eu acho que o meu compromisso é poder ajudar na construção de políticas públicas, que realmente beneficiem a população na área da saúde, trazendo qualidade para o atendimento. Se a gente garantir acesso e garantir que este atendimento seja de qualidade, pronto. É fácil? De jeito nenhum. Tem pessoas que estão cansadas. A gente tem que trabalhar o nosso funcionário também, que está desmotivado. Tem que resgatar essas pessoas, porque são elas que vão cuidar da nossa população.
MN – Como está sendo a despedida do Hospital das Clínicas?
Paloma – Desde 2001, eu tenho algum vínculo com o HC, como aluna, estudante do mestrado e plantonista. Já trabalhei no ambulatório e já trabalhei na gestão. Eu estou superintendente, mas eu já passei por tudo ali. Vai ser a primeira vez que eu não vou ter nenhum vínculo com o HC. Você cria um filho e o prepara. Agora teu filho cresceu e você tem que se despedir. Hoje eu me despeço, com saudade, claro, mas feliz, com a certeza do dever cumprido. Que os próximos gestores façam mais.