Descobri o enredo de ‘A volta ao mundo em 80 dias’, de Júlio Verne (Jules Gabriel Verne, 1828-1905), na minha segunda infância.
Recordo que era um final de tarde e estava procurando na TV algum desenho animado, quando parei ao surgir na tela um leão de cartola e fraque, acompanhado de um ratinho. Eles estavam no convés de um navio a vapor e seus nomes surgiram no diálogo: o leão era Phileas Fogg e o pequeno roedor Jean Passepartout. Comecei a seguir aquela fábula animada inspirada na trama do autor francês.
Os dois estavam numa aposta frenética feita na Inglaterra, sustentada por Fogg que, sim, naquele ano de 1872, afirmava ser perfeitamente possível dar a volta ao mundo em apenas e somente 80 dias. O desenho animado tinha a mesma trilha sonora que marcou os clássicos adaptados para o cinema, inclusive aquele espetacular filme de 1956 que trouxe o humorista mexicano Cantinflas (1911-1993) no papel do mordomo Passepartout.
O cantor Nat King Cole (1919-1965) gravou a música “Around the World”, aliás uma das maravilhosas canções eternas que remetem à sétima arte. Assisti à série até o final e fiquei esperando pelo capítulo em que eles iriam passar pelo Brasil, porém este episódio nunca veio. Como também não há tal passagem no livro de Verne. Mas naquela época, e por muito tempo na infância e adolescência, achava que eles teriam que passar pela América do Sul, justamente para fazer jus ao título do livro: “A volta ao mundo…”
Contudo, depois, compreendi que era isso mesmo: uma volta, uma circunferência completa, saindo de um ponto, em Londres, e voltando ao mesmo ponto, em Londres, mas pela porta da cozinha. Bem, isso se é que Fogg tenha saído para rodar o mundo na sua gincana maluca pela porta da sala.
Este giro realmente não incluiria o Brasil nem a Argentina ou o Equador, mas sim a América do Norte, e por lá Passepartout e Fogg estiveram sim. Do roteiro de Fogg, presencialmente, conheci apenas o Canal do Suez, lá no Egito. As demais paradas e conexões descritas por Verne só conheci mesmo pelo cinema, pela literatura e pelas artes em si, incluindo as pinturas e as canções. Isso porque as músicas nos levam para os quatro cantos da Terra e até mesmo para fora dela.
Bem, porque ao ouvir David Bowie (1947-2016), “Starman”, ou Elton John, “Rocket Man”, me sinto um autêntico viajante interestelar.
Sempre digo assim – que estive presencialmente num lugar – porque o poeta Jorge Luís Borges, o maior nome da Literatura da Argentina e um dos mais injustiçados escritores ignorados pelo Prêmio Nobel de Literatura – outros dois foram Jorge Amado e Guimarães Rosa – afirmava que, presencialmente, estivera nos Estados Unidos só na vida adulta e quando já estava totalmente cego.
Antes, esteve por lá pelas tramas, enredos e poemas de grandes escritores americanos: de Walt Whitman a John Steinbeck, de Jack London a Ernest Hemingway. Não só Phileas Fogg, mas todos os outros personagens da literatura e do cinema costumam nos levar para dar uma volta. Seja ali no sertão de Minas com o Riobaldo, lá na costa baiana com Dona Flor e seus dois maridos, seja com o Capitão Rodrigo nos pampas gaúchos, ou ali no subúrbio do Rio imperial com os personagens de Machado de Assis.
Só para complementar: o escritor Júlio Verne é tido como o inventor do gênero de ficção científica. Escreveu mais de 50 livros, antecipando nos seus textos literários avanços tecnológicos e maravilhas da ciência, como o submarino – afinal, em “Vinte Mil Léguas Submarinas”, o invencível Nautilus, do Capitão Nemo, era um submarino moderno – o foguete espacial e, ao que parece, o arquivamento de dados em nuvem!
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.