Um pastor e um sicômoro
Jericó, na Palestina e porta de entrada da Terra Prometida – conforme é narrado no Velho Testamento, mais especificamente em Deuteronômio 32,48-49 “… Defronte de Jericó e contempla a terra de Canaã” – me inspirou a dar nova entonação a um romance que vinha maturando tempos atrás.
Ao final do dia nesta cidade emblemática, que tem passagens transformadoras tanto no Velho quanto no Novo Testamento, cânticos muçulmanos ecoam pelos quatro cantos. No hotel que ficamos hospedados por duas oportunidades, do quarto que me acolheu, conseguia ver ao menos uma mesquita e, ao fundo, as águas brilhantes, extremamente salgadas, e densas do Mar Morto.
Jericó é um oásis e a cidade mais antiga do mundo, com dez ou 11 mil anos de história. Ao longo destes dez ou onze milênios, o oásis palestino foi permanentemente habitado. Ali, no Monte da Tentação, o Cristo jejuou numa gruta, sozinho, e recebeu por três malditas ocasiões a desagradável visita de um ser maligno.
Este ser lhe fez propostas indecentes, mas Jesus, fortemente, resistiu e o expulsou. Em Jericó vi pela primeira vez a árvore sicômoro. Foi num sicômoro que Zaqueu, por ser de estatura pequena, precisou subir para contemplar a passagem do Cristo, conforme é minuciosamente narrado por São Lucas no capítulo 19, versículos de 1 a 10 de seu Evangelho. Um dos quatro canônicos.
Confesso que até então não tinha feito uma conexão que, só mais tarde faria. Dias depois, a Imersão Hadassa 2022 nos leva para Cairo, a capital do Egito. Visitamos as pirâmides, as milenares testemunhas de mundos e civilizações. Nos dias do Egito, estivemos no centro comercial da capital e numa caminhada encontrei uma livraria de rua.
Na verdade, um sebo muito bem montado com bancas dispondo livros seminovos e conservados. Comecei a conversar com o vendedor seu nome era Mohamed – o mesmo nome do menino que me colocou num camelo ao pé do Monte da Tentação, em Jericó. Quando digo que sou brasileiro, Mohamed abre um sorriso e, ao contrário do que muitos egípcios declaravam quando descobriam a minha nacionalidade – ‘Futebol… Neymar… World Cup… Ronaldinho…’ – o vendedor fala: ‘Paulo Coelho!’.
E, rapidamente, retira da banca um exemplar em inglês de ‘O alquimista’ – ‘The alchemist’. Imediatamente disse que se tratava de um presente, porque ele era leitor assíduo de Paulo Coelho e eu era o primeiro brasileiro que ele conhecera e, por coincidência, o primeiro escritor brasileiro que estava ali na sua livraria. Tirei uma foto com Mohamed.
Tanto para mim quanto para o meu momentâneo amigo do Egito, ‘O alquimista’ significou uma mudança na forma de pensar, de encarar a vida. Quando li a história do jovem pastor Santiago tinha de 15 para 16 anos e Paulo despontava como autor que vivia dos seus direitos autorais, era lido por muita gente – muita gente importante, por sinal – e transmitindo uma mensagem de valorização da nossa intuição, a lenda pessoal.
Folheei o presente e, em inglês, achei o nome da árvore sicômoro [sycamore]. A conexão com o próprio Santiago foi de pronto: precisei cruzar o mundo para entender o sentido do sicômoro naquela abertura de romance. Na trama, o pastor cumpre primeiro todo um traçado de destino para só depois compreender o sentido de seu sonho recorrente.
Quanto ao romance que recomecei a escrever durante a primeira passagem por Jericó e que me perseguiu por todos os 35 dias em que estive na Imersão Hadassa 2022, sigo escrevendo. Chama-se ‘Dias de pães ázimos’. Retirei o título de uma passagem de Atos dos Apóstolos, perfeito texto bíblico redigido por São Lucas, que era médico e, na minha modesta opinião, o principal repórter lá do tempo do Cristo.