Um olhar sobre o Bullying
Olá, caro leitor!
Nesse início de ano letivo nos deparamos com um assunto bastante comentado nos últimos tempos. Do inglês bully (valentão, brigão), o bullying é caracterizado por comportamentos violentos e tirânicos que vão desde a hostilidade e chateações até fatos realmente agressivos.
Ocorre sempre repetidamente e sem motivação aparente, sendo de maneira intencional e normalmente provocado por uma ou mais pessoas em relação a outras. Normalmente ocorrendo em grupo, nem sempre é de caráter físico, podendo ser verbal (com palavras), sexual ou por meio da internet (o chamado cyberbullying). No entanto a principal característica é que ele ocorre de maneira constante e envolve uma relação de poder entre agressor e agredido. Mas será que o bullying é só isso?
Não é difícil notar que esse é um assunto de interesse atual. Mas engana-se quem acha que tal fenômeno começou há pouco tempo. Ele sempre existiu na história dos seres humanos desde que o homem passou a conviver em grupos. E não é só na escola. Ele pode ser visto na turma da rua de trás, ocorre por conta da orientação sexual ou política de uma pessoa, em função de um cabelo diferente ou das tendências de moda que uma pessoa se veste.
É muito comum vermos por aí muito mais artigos que focam nas consequências desse tipo de agressão. De fato, esse fenômeno pode ocasionar importantes efeitos para os envolvidos. No entanto, parto aqui para outra via acerca desse acontecimento tão presente nas escolas. O bullying é fruto de processos mentais profundos. Ele não é, necessariamente e somente, a origem do problema. Ele é também uma expressão de algo da intimidade humana, uma expressão do território interno das pessoas envolvidas. É, portando, uma via de mão dupla. Para a coluna dessa semana trago o mito de Narciso.
Conta a lenda que Narciso era um belíssimo jovem que caçava sobre as montanhas. Cruel, rejeitava todas as ninfas que tentavam se aproximar dele. Certo dia, uma donzela que havia, em vão, procurado atrai-lo, lançou uma prece em que pedia que algum dia Narciso pudesse sentir o que é amar sem ser correspondido. A deusa da vingança ouviu a prece e consentiu que o pedido se realizasse. Certa vez, então, Narciso, cansado da caça, inclinou-se para beber água em uma fonte de águas prateadas e viu a sua própria imagem refletida na água. Admirado pelos traços e contornos faciais tão harmoniosos, apaixonou-se perdidamente por aquela imagem. Porém, a imagem se desfez com seu toque, voltando a se formar após alguns instantes, renovando o estado de fascinação do rapaz. Narciso ficou totalmente fora de si. Preso aos seus próprios encantos, aos poucos foi perdendo a cor, o vigor e a beleza que encantavam a todos, definhando e vindo, então, a falecer. As ninfas, então, desejando fazer um velório, o procuraram e o corpo jamais pôde ser encontrado, assim como os encontros que Narciso poderia ter tido em vida. No lugar dos restos mortais do rapaz, foi encontrada uma flor que recebeu o nome de Narciso (resumo adaptado de O Livro da Mitologia de Thomas Bulfinch).
Narciso é um personagem fictício e faz parte das lendas da antiguidade greco-romana. O mito retrata a estória desse rapaz, que foi condenado a não se interessar por nada além de si. O pintor italiano Caravaggio representou Narciso de uma forma interessante (ver imagem).
Pois bem, há um lado narcísico que compõe a personalidade de todos os seres humanos – sim, de todos (regra nº2)! E ele tem vários aspectos. Mas o que o tema da coluna de hoje tem a ver com isso? Bem, antes vamos chamar as nossas regrinhas:
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Bem, retomando, Narciso representa um lado do ser humano que tem dificuldades em aceitar as diferenças. Penso que isso, essa coisa de narcisismo, pode se estender aos grupos humanos. Basta pensar nos grupos como se fosse uma unidade, como se fosse alguém, por exemplo (regra nº2).
É nos grupos de bullying onde o diferente passa a não ter vez, sendo dele as características mais aversivas. É que essa prática agressiva guarda em si um aspecto de ausência de compaixão onde o outro, enquanto um ser dono de vontades, dores, anseios e qualidades não é considerado, não é visto. O outro não tem vez e não tem voz. Mas não é qualquer outro. É o outro que é diferente. E o diferente incomoda. Como diria Caetano Veloso na música Sampa, “[…] é que Narciso acha feio o que não é espelho […]”.
Considero importante afirmar que é nos grupos que a agressividade das pessoas pode encontrar uma via fácil para aparecer, além de que eles favorecem estados psicológicos primitivos, a impulsividade e a onipotência, tendências inconscientes do ser humano (regra nº1).
Mas olhando a coisa por outro ângulo (regrinha nº2), vamos imaginar um projetor de imagens de cinema. De alguma forma a imagem é lançada para fora, na tela (regra nº2)! Pois é, o bullying é uma agressão constante, onde o outro é como um alvo para onde todas as fragilidades dos membros e principalmente do líder do grupo são direcionadas, como faz um projetor de imagens. E, ouso dizer, o agredido se identifica com isso (regra nº1).
Mas que fragilidades seriam essas? Bem, penso que elas normalmente ficam em pontos cegos, escondidas como se fossem em cantos da personalidade, e são difíceis de serem percebidas sem a ajuda de alguém (regras nº1 e 3). Além de serem diversificadas e particulares de cada um.
Enfim, este é um assunto denso e profundo. Além de aspectos biológicos, sociais e culturais inerentes aos grupos sociais e constituição humana, há elementos internos a serem considerados como a agressividade, a destrutividade (sim, agressividade e destrutividade são diferentes!), algumas características da infância e angústias que vêm do histórico de relacionamentos dos envolvidos (regrinha nº3). Mas penso que aqui fica um pequeno ensaio e tais desdobramentos podem aguardar outro momento.
Para finalizar, no bullying, pessoas que estão quebradas unem-se a outras, também quebradas, para tornar igualmente quebrada uma outra pessoa.E creio que é preciso lançar os olhos não só para o agredido, mas também para o agressor e para os contextos. Se pensarmos no bullying escolar, é preciso considerá-lo como um importante fenômeno (psico) social, tendo a escola e a família papéis cruciais. O problema da dificuldade em lidar com o diferente é a base do preconceito, da discriminação e da intolerância social.
Um abraço e até daqui quinze dias!