Lembro que, certa vez, observei numa livraria da minha cidade natal um livro à venda: “Operação Cavalo de Tróia”, de J.J. Benitez. A obra trazia a história de um relato extraordinário: numa missão ultrassecreta, um militar dos Estados Unidos teria conseguido regressar 720.000 dias atrás e presenciado com seus próprios olhos os últimos dias de Jesus Cristo na Terra.
Por décadas, a história e o enredo de Benitez nesta série – que é um dos maiores fenômenos e êxitos editoriais de todos os tempos – me perseguem.
Por conta desta trama, cheguei a dois grandes escritores: o português José Saramago – pela curiosidade de ler “O evangelho segundo Jesus Cristo” – e Nikos Kazantzákis, da “A última tentação”. Na minha jornada de leitor, primeiro priorizei Saramago, justamente por escrever no nosso idioma português, sendo, inclusive, o único autor de Língua Portuguesa a ter conquistado o Prêmio Nobel de Literatura. Kazantzákis, grego da ilha de Creta – onde na mitologia havia um labirinto, que aprisiona um terrível minotauro devorador de gente – chegou a bater na trave, mas jamais levou um Nobel de Literatura.
Certa vez li que um livro é um amigo querido, mas que sempre está calado e, embora calado, nos conta histórias que calam o nosso coração, numa fraterna – e eterna – companhia. Quantas, e quantas noites, não passei acompanhado de uma boa história contida nos meus intermináveis livros de cabeceiras.
Quantas tardes na adolescência que preferi ficar na sala da casa da minha mãe às voltas com os enigmas de Agatha Christie ou de Conan Doyle, do que ir jogar bola no campinho da esquina. Naquele tempo, nenhum dos meus companheiros eram um Saramago, um Hemingway ou um Jorge Amado, muito menos um Nikos Kazantzákis.
Nikos era bem isso, um amigo calado, me informando sobre “Zorba, o grego”, um dos seus maiores feitos literários. Um amigo que não procurei, pois até então, por ignorância minha, este grego estava restrito à “A última tentação”, que fora filmado na década de 1980 por Martin Scorsese e com o ator Willem Dafoe – o Elias, de “Platoon” – no papel de Jesus.
O prólogo de abertura desta obra monumental de Kazantzákis – aliás, romance polêmico e que causou um rebuliço na crítica e entre os leitores mais conservadores – é um dos textos mais arrebatadores que jamais conheci, algo muito perto da profundeza contida em “Apocalipse”, de João Evangelista – aliás, “Apocalipse”, este sim um dos mais emblemáticos e sólidos textos redigidos por um homem.
O prólogo, de Nikos, em “A última tentação”, é lido na abertura do filme de Scorsese, diz assim: “… o desejo tão humano, tão sobre humano, de chegar a Deus, tem sido para mim um inescrutável mistério, o fundamento e base da minha angústia, além de alegrias e tristezas da minha juventude, tem sido a incessante e inexorável batalha entre o espírito e a carne, e a minha alma é a arena onde estas armas têm se encontrado e combatido.”
Kazantzákis escreveu, também, a continuação do poema épico “Odisseia”, de Homero, seu conterrâneo de milênios atrás. Faleceu em 1957 – era nascido em 1883 – e sua obra, portanto, atravessou praticamente dois períodos distintos: a modernidade e a pós-modernidade. Escreveu teatro e continua, até os dias de hoje, a despertar o interesse de leitores no mundo todo. Inclusive aqui em Marília, comigo, ao menos. J.J. Benitez, aquele jornalista e escritor espanhol que alheiamente me despertou para a profundeza de Saramago e de Nikos, continua a escrever e produzir literatura fantástica – mas ele sustenta que tudo são fatos jornalísticos. Acaba de lançar mais um volume da série “Operação Cavalo de Tróia”.
Voltei ao volume inaugural de “Operação Cavalo de Tróia” após visitar a Terra Santa, em 2022, e trago uma frase muito peculiar deste livro. Quando o personagem do futuro volta para a Jerusalém do Novo Testamento e se mistura aos seguidores e apóstolos, na primeira imersão para testemunhar a passagem daquele carpinteiro bondoso e único, o próprio Cristo o encara e, olhando profundamente aos seus olhos, lhe diz algo assim: “Parece não fazer sentido, mas de onde você vem, estás mais perto de reconhecer a minha divindade do que estes com os quais convivo e estão ao meu lado diariamente. Para eles, posso até mesmo ser um desconhecido”. O militar, disfarçado de mercador grego, vinha lá do futuro.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.