Um ano depois, ensino remoto ainda é desafio para pais e educadores
Mesmo depois de um ano de ensino remoto, pais e educadores visualizam grandes desafios para que os alunos possam aprender, sem ir à escola. As dificuldades variam de acordo com a faixa etária, acesso, familiaridade com recursos tecnológicos e, principalmente, condições socioeconômicas.
Professor da rede pública em um distrito da cidade, um servidor da Educação, que prefere não se identificar, diz ao Marília Notícia que ensinar a aprender, com o distanciamento, gerou uma experiência nunca imaginada.
“Acredito que a suspensão das aulas ocorreu no momento certo, logo no início dos primeiros casos no Brasil. Isso ajudou a reduzir o contágio de alguma maneira”, afirma.
O professor crê que a escola, por favorecer o contato muito próximo entre pessoas, poderia ser “uma fonte imensa de contaminação”. Conduzir o ensino remoto é desafiador, mas lidar com a perda de vidas, para ele, seria imensuravelmente doloroso.
“As redes [pública e privada] ainda sentem dificuldades em conduzir o ensino remoto, pela falta de qualificação dos profissionais, falta de destinação do recurso, sem saber onde e como aplicar com prioridade”, analisa.
De acordo com o professor, o retorno às aulas presenciais ainda precisa ser refletido e discutido. “Vimos que após a primeira tentativa, com turmas reduzidas, ainda assim houve grande número de infectados. Na minha escola mesmo, uns cinco profissionais contraíram o vírus, mesmo assim a escola não fechou”, lembra.
Na visão do educador, a vacinação de todos é condição para que o regresso possa ocorrer. “Muita verba pública foi investida em recursos tecnológicos e de apoio ao aluno e aos profissionais. A volta nesse momento, além de perigosa, também é uma afronta a todo investimento feito”, aponta.
VIDA SOCIAL
O ensino remoto, apontam educadores, tem particularidades que facilitam o compartilhamento do saber. Mas, ao mesmo tempo, entra em contradição com algumas teorias educacionais.
“Vygotsky [Lev Semionovitch Vygotsky, estudioso bielo-russo] prega que o desenvolvimento cognitivo se dá por meio das interações sociais. Ou seja, para os alunos, é de extrema importância que eles tenham contato entre si e com os professores, para que o aprendizado seja efetivo”, defende um educador ouvido pelo MN.
Para ele, a internet pode ser um ambiente favorável ou, de acordo com a perspectiva do aluno, inibidora para troca de opiniões, vivências e abertura da mente para novos conhecimentos.
“Cada aluno tem sua forma de se desenvolver e a família conta e muito nesse sentido. Os estudantes que têm a família mais antenada, conectada, mais adaptável às mudanças, conseguem se desenvolver muito bem. Já nas demais famílias – o que é o caso da minha escola -, o conhecimento é limitado. O acesso às mudanças é mais difícil”, alerta.
DESAFIOS EM CASA
“Não estão aprendendo nada, mas não tem outra saída. É aquele velho ditado: ‘se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho come’. Não tem o que fazer. O medo é gigante desse vírus, não tenho coragem de mandar meus filhos para a escola. Estamos de mãos atadas porque em casa não aprendem, na escola é arriscado contrair o vírus”.
O depoimento é de uma mãe que observa, com preocupação, a forma como os filhos lidam com o ensino remoto. Analisa também como a escola, através de uma tela, não consegue gerar nas crianças as experiências e o envolvimento que a família deseja em sala de aula.
Ester Fraidemberg Rodrigues tem 32 anos e trabalha como operadora de telemarketing. Ela está exercendo sua função em casa, mas com a jornada de trabalho que precisa cumprir, conectada no sistema da empresa, não consegue conduzir e acompanhar os filhos como gostaria.
“Não sei o que será do futuro dessas crianças. Para quem trabalha, tem filhos pequenos, é uma luta porque não damos conta de ajudar as crianças com as atividades escolares. Tudo atrasado e várias notificações de que vamos ser encaminhados para o Conselho Tutelar. Paciência. Eu não consigo dar conta de tudo”, lamenta a mulher, que ainda tem um bebê.
Dos três filhos, duas crianças estão em idade escolar, uma menina de oito anos na rede municipal e um filho de 11, em escola estadual. O garoto estuda apenas remotamente. Já a filha recebe atividades impressas porque tem dificuldades para manusear o tablet sozinha.
PAIS TEMEM VÍRUS
Giseli de Oliveira da Silva, de 41 anos, é auxiliar de escrita e mora no Figueirinha. O filho de oito anos está matriculado em escola municipal. Ele tem aulas diariamente. Na tela, já estuda inglês. No meio da sala, reproduz os exercícios na aula de Educação Física.
“Não está sendo fácil, mas procuramos ajudá-lo diariamente, com os professores. A participação da família é muito importante. Temos apoio pedagógico, então isso facilita o ensino”, acredita.
A auxiliar de escrita lembra que muitos pais reclamam de os filhos não estarem indo para a escola, porém, ela acredita que o momento é de proteção à vida. “O risco ainda é grande”, afirma.
“Prefiro ensinar em casa e tê-lo com vida do que me arriscar a mandá-lo para escola”, finaliza a mãe.