U2 mostra que olhar para o passado não é tão ruim
Não se engane. O U2, mesmo celebrando um disco lançado há 30 anos, está de olho no futuro, sim.
Ao encararem o passado, Bono e companhia vivenciaram o mais contraditório sentimento com relação à própria obra.
Um disco, The Joshua Tree, um tratado sobre amor em tempos de ódio e dor, é tão relevante hoje, em 2017, quanto no seu ano de lançamento, em 1987. Para quem pretendia mudar o mundo, deve ser difícil perceber que ele está exatamente como antes. Até pior, quem sabe.
Grupos com décadas de estrada, tal qual a trupe irlandesa formada por Bono (voz), The Edge (guitarra), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr. (bateria), ao atingirem o status de “banda de arena”, lutam para manter a relevância com músicas inéditas enquanto o público está sedento por os clássicos quando lota lugares como o estádio Rose Bowl, espaço na Califórnia onde a banda se apresentou sábado, 20, e domingo, 21, para 92 mil pessoas.
O U2 sabe como o jogo do “music business” funciona. Circulam por grandes estádios ao redor do mundo desde The Joshua Tree, o quinto disco deles e homenageado da vez.
Não fosse pelo álbum de músicas como With or Without You, I Still Havent Find What Im Looking For e Where The Streets Have No Name, o grupo não estaria na posição confortável que se encontra hoje, com álbuns cada vez mais esporádicos e shows grandiosos, como a turnê 360°, que entregou três noites memoráveis em São Paulo em 2011, no Morumbi.
As chances da turnê e The Joshua Tree passar pelo Brasil são enormes. Há um mês, foi noticiado de que a banda já havia reservado duas datas em outubro para se apresentar no mesmo Morumbi – Noel Gallagher, ex-Oasis, seria o convidado para os shows de abertura. O jornal O Estado de S. Paulo apurou que passagem por São Paulo pode ser adiada para janeiro. Nada, contudo, tem confirmação oficial.
Criar um show em homenagem a um disco com três décadas de existência não poderia soar caça-níquel ou um atestado de “pois é, pessoal, estamos sem novas ideias, então vamos com turnês de comemoração, mesmo”.
Bono e companhia, portanto, apresentam a sua narrativa para, eles próprios, homenagearem seu disco mais fundamental – fundamental, não o melhor. Dividem a apresentação em três partes: “quem éramos”, The Joshua Tree e, por fim, “quem somos hoje”.
Na primeira parte, o U2 revisita a caminhada até o álbum de 1987, com músicas como Sunday Bloody Sunday e Pride (In the Name of Love), em um palco menor, montado no meio do público.
Para a execução de The Joshua Tree, eles seguem para a estrutura maior, à frente de um telão de altíssima definição a exibir cenas bucólicas criadas pelo diretor e fotógrafo holandês Anton Corbijn.
Bono, The Edge e companhia soam impecáveis, trinta anos depois.
Por fim, a banda caminha pelo terreno mais pop, da safra mais recente (Elevation poderia sair do set list, mas ainda está lá, infelizmente). Anticlimax, porém corajosa, é a escolha por encerrar a apresentação com a balada inédita The Little Things That Give You Away, que estará no próximo disco da banda, Songs of Experience, ainda sem data de lançamento.
É curioso como a música nova dialoga diretamente com as canções mais vagarosas e românticas de The Joshua Tree. Encerra-se o ciclo iniciado há 30 anos. O amor, em 2017, ainda tenta encontrar espaço para respirar, enquanto naufraga em ódio, violência e sangue.
Mudaram apenas as plataformas. Hoje, o ódio se esparrama pelas redes sociais e as guerras são travadas com drones, à distância. Bom samaritano que é, Bono deve ser contorcer por dentro ao perceber, três décadas depois, que medo e a ira ainda estão ganhando a disputa.
Por Pedro Antunes do Estadão Conteúdo