Todo excesso esconde uma falta
No mês de setembro um importante movimento ganhou força para ressaltar o assunto sobre suicídio, o setembro amarelo, assim como tantos outros meses, como o outubro rosa e a discussão sobre a prevenção ao câncer de mama, o novembro azul e a conscientização sobre o câncer de próstata, são períodos em que a bandeira da conscientização e disseminação da informação é mais abrangente e esse movimento é sim, muito importante para a sociedade.
Em termos epidemiológicos, a cada ano, em todo o mundo, o suicídio atinge o índice de 16 mortes para cada 100.000 habitantes, representando uma morte a cada 40 segundos. Cerca de um milhão de pessoas cometem o suicídio, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS-2001), enquanto que entre 10 e 20 milhões tentam matar-se. De acordo com a OMS, o suicídio encontra-se entre as dez principais causas de morte em todo o mundo, para todas as faixas etárias, incluindo jovens e adultos jovens com idade entre 15 e 35 anos (OMS, 2000), entre as três principais. Nos últimos 45 anos, os índices de suicídio aumentaram 60% em todo o mundo. Estudos epidemiológicos atuais têm revelado um aumento na prevalência de suicídios, com dados estatísticos bastante preocupantes.
Diversas são as interpretações do suicídio. Partindo de diferentes campos de saber, como a Antropologia, Psicologia, Psiquiatria e Filosofia, só para citar alguns, são muitas e distintas, e quase sempre divergentes, as visões sobre esse ato. Mas arriscamos dizer, no que tange ao suicídio que, sob o olhar da ciência, prevalece uma visão objetivista, por meio da qual se busca encontrar causas explicativas para o fato de alguém não mais desejar viver ou seja o suicídio é a morte da esperança, o fator decisivo de uma pessoa que desiste de viver, pois já não tem mais uma perspectiva de futuro e todo mundo se pergunta: “mas como perceber que uma pessoa próxima pode cometer suicídio?” Afinal, quando esse ato acontece, muitas vezes, é uma grande surpresa e ficamos sem entender as motivações e o porquê desse ato.
Especialistas nos alertam que a intenção de tentativa de suicídio, pode vir acompanhada com outros problemas emocionais ou até mesmo algum tipo de doença mental, como os transtornos de ansiedade, depressão e compulsão alimentar. Para esses casos, é como se um sinal antecipado já tivesse sendo enviado, assim como a necessidade de um tratamento com psicólogo e psiquiatra.
Daí vem uma grande contradição, num período onde assistimos massivamente nas redes socias a exposição constante de vidas tão felizes e perfeitas, com tanta beleza, corpos sarados, festas badaladas, viagens fantásticas, sorrisos e mais sorrisos e em paralelo a depressão e o suicídio ganham números tão expressivos quanto a quantidade de seguidores dos influencers. O que está acontecendo?
Mas e a vida? O que está acontecendo com a vida real? Por que está tão difícil acreditar que dá pra ser feliz mesmo se estiver acima do peso, se não encontrar a alma gêmea, se não se destacar no emprego dos sonhos, se não tiver o carro do ano? Porque nos tornamos tão infelizes diante da felicidade exposta diariamente?
O que estamos fazendo com o sentido da nossa vida? Antes de matarmos a esperança (sim, aquela que pode levar ao suicídio se a perdermos), o que estamos fazendo com o nosso dia a dia?
Para Freud a felicidade é vendida no sentido de cobrir uma falta, uma falta que é constante e que, portanto, nunca será alcançada em sua plenitude. As pessoas buscam satisfazer o tempo todo um vazio. E o próprio sistema capitalista contribui para isso. Faz com que nós busquemos a felicidade em compras, viagens, emprego de sucesso, ter um currículo invejável. Além de ter tudo isso, muitas pessoas costumam postar nas redes sociais fotos belíssimas, simulação de uma vida esplendorosa, justamente para preencher a falta de uma vida perfeita.
Esse excesso de vida perfeita está escondendo uma falta tão grande de uma vida simples, de solidariedade, de amor e respeito a si e ao próximo. A vida real.
Faz parte da condição humana, que é limitada e cheia de conflitos, faz parte da vida real, crua e nua a sensação de incompletude. Faz parte de todos nós a angústia, o desejo de pertencimento, o apego, a insegurança, o medo. Porém, em alguns momentos, essas sensações ficam mais latentes e, sem percebermos, muitas vezes lidamos com nossas carências de forma distorcida e não aceitamos que a vida não tem que ser perfeita.
Camuflamos nossos buracos interiores comendo demais, postando selfies demais, competindo silenciosamente pelo melhor carro ou closet, acumulando demais, controlando e patrulhando a vida alheia demais, bebendo e fumando demais, nos exercitando ou trabalhando demais, reforçando as nossas próprias qualidades demais, poupando ou gastando demais. Tudo demais. Tudo em excesso. E o vazio fica cada vez maior.
E todo excesso esconde uma falta. Descobrir que nossas ações nem sempre são aquilo que são, e sim sintomas de algo que estamos encobrindo inconscientemente, pode ajudar. Pois muitas vezes tentamos combater o sintoma, mas não nos aprofundamos na causa, e por isso não obtemos resultados satisfatórios. É preciso olhar com mais empatia para buscar as faltas que cada excesso tenta encobrir. É preciso olhar com compaixão para a própria vida, entender o porquê daquela ansiedade, angústia, insegurança, apego, carência. É preciso desistir de nos cobrar comportamentos diferentes quando ainda não nos libertamos das causas daquele comportamento.
É preciso redescobrir o respeito a si próprio, como por exemplo:
- Não é preciso ter um corpo perfeito para ser amado(a) verdadeiramente;
- Amizades verdadeiras não dependem de quantos recursos materiais você possui ou quanto status você tem;
- Aceite que você nem sempre tem que agradar a todos. A aprovação ou desaprovação dos outros não deve condicioná-lo. Sempre haverá gente que não gosta de você. E está tudo bem!
- Aprenda a diferenciar a bondade da condescendência. A cortesia não é submissão. Respeite seu próprio estilo, desejos, escolhas, você não precisa ser igual a maioria;
- Fortaleça e pratique o amor próprio. Não deixe de reconhecer todos os seus valores e seus sucessos. Não negligencie suas realizações, por menores que pareçam. Suas conquistas são suas e basta que você se sinta bem.
- Reconheça que você não é responsável pelo que os outros sentem ou pensam;
- Você não precisa ser feliz todos os dias, em todos os momentos, a vida tem fases, momentos e decepções fazem parte. O importante é seguir a diante.
Fontes:
BAUMAN, Z. Tempos líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SVS – Secretaria de Vigilância em Saúde. Banco de dados dos sistemas de informação sobre a mortalidade (SIM) e nascidos vivos (SINASC)
DEBORD, GUY. A sociedade do espetáculo