Suspensão da desoneração da folha pode impactar mais de 70 mil trabalhadores em Marília
Neste 1º de maio, feriado do Dia do Trabalhador, empresários e funcionários não têm muito o que comemorar após suspensão da desoneração da folha salarial no Brasil. Liminar concedida pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), colocou fim à medida, que impacta diretamente na folha de pagamento de mais de 70 mil marilienses, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Introduzida em 2011 de forma temporária, a desoneração da folha é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% (incidente sobre a folha de salários) por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Na prática, a medida resulta na redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas.
Zanin suspendeu trechos da lei que havia prorrogado para até 2027 a desoneração da folha para as empresas e prefeituras. Já são cinco votos para manter a liminar. Além de Zanin, votaram pela manutenção Gilmar Mendes, Flávio Dino, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi paralisado após o pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Luiz Fux. A solicitação, no entanto, não afeta a liminar, ou seja: a desoneração da folha permanece suspensa. Fux tem até 90 dias para devolver o caso ao plenário.
O Senado acionou o STF na sexta-feira (26) contra a decisão liminar e, conforme advogados especialistas no tema, as empresas têm poucas opções agora, antes de fazer o recolhimento referente ao mês de abril. Os empresários podem recolher o valor cheio em maio e depois solicitar a devolução, caso a desoneração volte a valer, ou ainda depositar o valor em juízo.
O não recolhimento pode acarretar em uma autuação da Receita Federal em caso de fiscalização. A prorrogação do benefício até o fim de 2027 foi aprovada pelo Congresso no ano passado, e a desoneração estendida às prefeituras, mas o texto foi integralmente vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em dezembro, o Legislativo decidiu derrubar o veto.
De 17 setores empresariais que vão sentir maior impacto na suspensão da desoneração, cinco se destacam em Marília: confecção/vestuário; calçados; construção civil; tecnologia da informação e transporte de cargas. A medida deve onerar os empresários destes ramos já a partir de 20 de maio.
Para a professora de Economia da Universidade de Marília (Unimar) e delegada regional de Bauru do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP), Marisa Rossignoli, quando uma empresa apresenta menos lucro ou têm mais custos, naturalmente há uma precarização.
“Não posso afirmar que a suspensão da desoneração venha a gerar demissões em massa e aumento do desemprego no Brasil. Contudo, os aumentos de custos com a folha vão forçar uma readequação financeira nas empresas, que podem refletir na entrega de seu produto final. A comercialização do produto e a prestação de serviço podem ficar mais caras para o consumidor”, analisa a especialista.
Conforme Marisa, a continuidade da desoneração também tinha um custo. “A suspensão se deu pela situação das contas públicas em todo o Brasil. Tudo tem um motivo. A mudança gera um equilíbrio econômico e tiram as empresas desse ciclo vicioso. Os empresários precisam se readequar a partir de agora e estimular novos caminhos”, argumentou.
De acordo com o empresário Roberto Cardoso Borges, proprietário de uma transportadora em Marília, o retorno do antigo modelo de contribuição previdenciária vai interferir na sua rotina de trabalho. “Não vou demitir ninguém, porque dependo dos motoristas para a condução do transporte de cargas, mas meu setor administrativo será prejudicado. Ia contratar mais funcionários para o administrativo, porém, agora vou repensar”, comentou.
Borges tem uma frota de 56 caminhões e conta com a colaboração de mais de 70 trabalhadores. “Vamos ser forçados a cortar outros gastos na empresa e deixar de investir na cidade, na geração de novos empregos, por exemplo. Diante do aumento constante de impostos e pedágios e agora, com o fim da desoneração da folha, nosso lucro vai diminuir e consequentemente as novas contratações ficaram travadas”, ressaltou o empresário.
O setor de tecnologia da informação é outro que deve ter impacto na cidade. Conforme o coordenador do curso de Ciência da Computação da Universidade de Marília (Unimar), Caio Saraiva Coneglian, o município conta com cerca de cinco mil pessoas na área de TI.
Em Marília, a folha de pagamento mais custosa vai abranger cerca de 72 mil trabalhadores, conforme dados atualizados em 2022 pela Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Sebrae. A remuneração média do trabalhador mariliense, registrada no mesmo ano, foi de R$ 3.181,16, e o número de estabelecimentos cadastrados passou dos 10 mil.
“No ano de 2022, 48,6% dos trabalhadores eram mulheres, com uma remuneração média por pessoa de R$ 2.902,69; e 51,4% correspondiam eram homens, com remuneração média de R$ 3.444,94”, pontuou a assessoria do Sebrae.
No ponto de vista de André Félix Ricotta de Oliveira, doutor e mestre em Direto Tributário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), a mudança nas regras agora não estava no radar dos setores. “O Supremo colocou as empresas em um beco sem saída, não há muitas opções”, declarou.
Oliveira, que é presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-SP – Subseção Pinheiros, reforça que a liminar gera um grau de insegurança para as empresas. “Os contribuintes não sabem mais o que vai estar valendo dentro de três semanas”, disse.
Já conforme Pedro Rezek, advogado tributário, dada a situação de insegurança, é possível que o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, renegocie com o Congresso uma agenda para o fim da desoneração.
A desoneração da folha foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes.
Até o fechamento desta matéria, a assessoria de imprensa da Prefeitura de Marília ainda não havia retornado sobre a demanda do Marília Notícia, que solicitou a quantidade de empresas abertas atualmente em cada segmento afetado pela suspensão da desoneração da folha.